A Constituição Federal de 1988, corrigindo uma discriminação histórica contra os funcionários públicos, garantiu-lhes o direito de livre organização sindical, do exercício da greve e da negociação coletiva. Entretanto, para garantir o livre exercício do direito de greve e de negociação coletiva, a Constituição indicou ao Congresso Nacional a edição de lei complementar, com intuito de regulamentar esses dispositivos.

Ao longo de todos esses anos, contudo, o governo, principal interessado, não conseguiu elaborar um projeto para regulamentar esses dispositivos. A garantia do direito de greve foi conseqüência da luta dos servidores que o impuseram na prática, nas grandes mobilizações construídas nesse período.

Considerando que a greve é resultado de um conflito de interesses entre patrões e trabalhadores, o direito de greve é um derivado necessário do processo de negociação. No caso do funcionalismo, o direito está ausente no processo negociação e, necessariamente, não pode existir a regulamentação do direito de greve. Neste caso, mais que um instrumento de pressão, a greve é o mecanismo indispensável para “forçar” o estabelecimento do próprio processo de negociação. Neste sentido, o parágrafo único do artigo 4º da minuta de regulamentação do direito de greve do governo Lula é bastante esclarecedor, pois reconhece “… instrumentos normativos firmados no processo de negociação coletiva…”. A contradição é que, até agora, não existiu nenhum processo de negociação coletiva, mas querem regular a greve!

Por que é assim? A explicação é óbvia. Os governos Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula, utilizando-se do mesmo projeto neoliberal, calçado na política de redução do déficit público desenvolveram um constante ataque aos direitos e garantias dos servidores, negando-lhes, especialmente, o direito à negociação coletiva. Desta forma, com apoio da grande mídia, produziram duras campanhas de desmoralização dos servidores e puseram em marcha medidas como privatizações, extinção de órgãos públicos, sucateamento, demissões, reforma previdenciária, arrocho salarial e redução drástica do número de servidores públicos. Se as greves foram, por um lado, um transtorno para esses governos concretizarem todos seus ataques, por outro, a ausência da obrigatoriedade na negociação, os desobrigou também de firmar acordos coletivos com o funcionalismo e, ainda que os firmassem, não estavam obrigados a cumpri-los, na medida em que nenhum dispositivo legal assim o exigia. Por isso que não há regulamentação de um ou de outro dispositivo.

Desgraçadamente, para o governo, um instrumento válido ontem pode não ser eficaz hoje. Assim, se a desregulamentação geral foi importante para imposição das políticas burguesas no passado, hoje a regulamentação torna-se, estrategicamente, mais conveniente. Analisaremos a seguir, o por que dessa mudança e, em seguida, interpretaremos alguns aspectos da minuta apresentada pelo governo.

Porque regular o direito de greve no funcionalismo
O PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) traz em seu interior uma série de ataques ao conjunto dos trabalhadores. No entanto, reserva um capítulo à parte para o funcionalismo federal, ou seja, mexe na Lei de Responsabilidade Fiscal com a edição do Projeto de Lei Complementar nº 01/2007. Esse projeto institucionaliza o arrocho salarial para o setor que amargará dez anos sem qualquer recomposição de salários, além de promover a redução no quadro de servidores pela ausência de recursos para novos concursos públicos. Essa situação coloca para as organizações do funcionalismo federal um desafio que vai além das reivindicações corporativas das categorias e aponta para um embate político muito duro contra o governo. A conseqüência é a busca da unidade com os setores privados e uma intensa campanha que coloque no centro das atividades a construção de uma greve por tempo indeterminado no setor. Neste sentido, a última plenária apontou o rumo aser seguido, indicando greve para junho, calçada na luta contra as reformas neoliberais do governo Lula, contra o PAC e pela retirada do PLC-01/2007, além das reivindicações econômicas gerais e setoriais.

Um elemento básico para a análise do governo Lula é a sua relação com os movimentos sociais. No funcionalismo público federal, não é diferente. Várias das direções sindicais desse setor são aliadas do governo e trabalham no interior das entidades como “amortecedor” entre a indignação dos trabalhadores e a possibilidade desses se revoltarem contra as políticas de Lula. Assim, ainda que o defendam como seu governo, essas direções precisam apresentar alguma saída para a revolta crescente na base de suas organizações. Por isso, o governo propõe combinar a regulamentação do direito de greve com uma proposta de institucionalização da negociação coletiva no serviço público federal, de acordo com a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Com efeito, evoluindo em sua política de cooptação das direções, o governo propõe a criação de Grupos de Trabalho (GTs) para discutir os dois temas num espaço de três meses, enquanto executa os projetos contidos no PAC. As direções governistas, por sua vez, saem em defesa do governo e do PAC, argumentando junto à base que agora, de fato, vai haver negociação, afinal estarão garantindo, no GT, sua regulamentação, colocando as cabeças dos trabalhadores na guilhotina com a regulamentação da lei de greve.

Evidentemente, não podemos deixar de avaliar outros dois elementos que provocam e precipitam o governo em estabelecer as diretrizes para a greve do funcionalismo federal. Um deles se refere ao julgamento que se processa no TST sobre o tema e que aponta para a equiparação da greve entre setor público e privado. Ainda que não tenha caráter definitivo – o julgamento procede sobre uma situação bem específica – acaba servindo como balizador e cúmplice do governo para impor regras proibitivas às greves dos servidores. O outro elemento se refere à paralisação dos controladores de vôo – fruto da crise no sistema de viação aérea no Brasil – que deixou o governo numa “saia justa” e provocou uma grave crise entre Lula, o Ministro da Defesa e o alto comando da Aeronáutica. Isso, evidentemente, apressa procedimentos que levam ao controle das greves, especialmente no sentido de proibi-las.

Regulamentação ou proibição?
Na verdade, o que o governo esta tentando é uma intervenção direta nas organizações sindicais, usando como instrumento a regulamentação do direito de greve. A autonomia e independência das entidades começam a ser feridas logo no parágrafo único do artigo 3º, que tenta estabelecer critérios mínimos (quorum) para a assembléia decidir sobre a greve. Logo em seguida, no inciso II do artigo 4º, é exigido que a comunidade seja informada com 48 horas de antecedência. Sem aludir, induz a compreensão de que, a cada greve, será preciso emitir um edital público comunicando sobre seu acontecimento, como se isso fosse uma coisa simples e barata.

No artigo 5º, lê-se: “É livre a adesão à greve, vedada à Administração a adoção de meios que visem constranger os servidores a comparecer ao serviço…”. No entanto, logo no § 1º do mesmo artigo, fica estabelecido que “… adesão à greve implicará na perda de remuneração…” . Se isso não é constrangimento, o que é então?

O artigo 11º estabelece obrigatoriedade na garantia e prestação de serviços essenciais e, a seguir, o artigo 12º pontua quais são esses serviços. A relação arrola dezenove itens, dentre esses: controle de tráfego aéreo, atividades de arrecadação, defensoria pública, serviços judiciários, tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis, assistência médica e hospitalar, distribuição e comercialização de alimentos e medicamentos, funerários, transporte coletivo, captação e tratamento de esgoto e lixo, telecomunicações, compensação bancária, guarda, uso e controle de substâncias radioativas e processamento de dados e outros. Isso significa proibir a greve na maioria dos setores do serviço público federal.

Da mesma forma em que acordaram com as centrais sindicais – CUT, Força Sindical, CGT e outras – no Fórum Nacional do Trabalho (FNT), a proposta de reforma sindical, também para os servidores propõe “… durante o período de greve (…) realizar contratação temporária por excepcional interesse público ou qualquer forma de contratação de serviço de terceiros…” (artigo 13º, § 2º), ou seja, legalização da contratação da figura do “fura-greve”.

Nos artigos 15º a 21º, estabelece-se as normas para definir abusividade da greve e os fóruns dos tribunais do Trabalho e Ministério Publico para julgamento e ajuizamento, respectivamente, das demandas provenientes dos conflitos, isto é, a proposta de regulamentação de legislação, apresentada pelo governo, já define os pressupostos necessários para decretação da ilegalidade da greve, cabendo aos tribunais do trabalho apenas sentenciar os, digamos assim, infratores. Dentre esses pressupostos, são considerados: “…o não-cumprimento em garantir os serviços mínimos destinados a evitar danos a pessoas ou o prejuízo irreparável ao patrimônio público ou de terceiros”, “ …quando os servidores em greve não cumprirem acordo (?) com os dirigentes dos órgãos públicos garantido o mínimo de serviços inadiáveis da comunidade…” ou “…quando a paralisação envolver serviços técnicos especializados nos quais é impossível recrutar pessoal treinado…”. Este último item é simplesmente ridículo. A rigor, a greve poderá ser considerada abusiva porque o órgão público não poderá contratar fura-greves especializados. Em síntese, a greve somente poderá ocorrer se o serviço não for prejudicado e os órgãos públicos funcionarem normalmente.

Superar a direções governistas e organizar a luta
Não resta dúvida de que a regulamentação do direito de greve proposta por Lula é o fim da greve no serviço público federal, mas o governo não está sozinho nesta empreitada. As direções majoritárias da Fasubra, Condsef, Fenajufe, CNTSS e a CUT já manifestaram seu desejo de participar do Grupo de Trabalho do Ministério do Planejamento e Gestão que vai fechar a proposta de regulamentação do dispositivo de greve, independente das posições de entidades contrárias como Andes-SN, Sinasefe e Assibge-SN. Como no FNT, os cutistas/governistas estão fazendo no movimento o trabalho sujo para o governo, ajudando-o a aprovar os ataques aos direitos dos trabalhadores.

Para o PSTU não há como estabelecer nenhum processo de negociação com o governo sem que haja uma forte mobilização dos trabalhadores que lhe imponha uma derrota. Acreditamos que o GT do Ministério do Planejamento é mais um instrumento de cooptação e serve apenas para legitimar os projetos do governo. Por isso, somos contra a participação das entidades sem que o governo retire o PLC-01/07 da pauta do Congresso, abandone a idéia de regulamentação do direito de greve e abra negociação para atendimento da pauta de reivindicações do funcionalismo federal.

A greve programada para junho deve ser construída por todos os lutadores, superando a conciliação das direções governistas para derrotar o PAC, o PLC-01/07, o projeto de lei de proibição das greves e arrancar as reivindicações em seu conjunto.