No dia 26 de abril, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deu início ao processo que permitirá que as operadoras de planos de saúde recebam (mais) ajuda financeira pública. A proposta, encaminhada à área técnica do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), prevê a criação de duas linhas de crédito: uma para empréstimos a curto prazo (a juros baixos, de 22% ao ano) e outra para estimular fusões e aquisições entre empresas.

Não é a primeira vez que dinheiro público é usado para salvar e garantir o lucro do setor privado – que, na gestão FHC e Lula, tem sido privilegiado em todas as áreas da economia. Para Lígia Bahia, pesquisadora do Laboratório de Economia Política da Saúde (LEPS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o setor público não tem que socorrer essas empresas, que já vêm recebendo diversos subsídios por parte do Estado. Lígia cita, como exemplo, que as empresas de planos de saúde não pagam ao SUS pelos atendimentos de urgência de seus pacientes, como exige a lei. De 1999 a 2003, o sistema público deveria ter recebido R$ 589,3 milhões pelos serviços de urgência, mas apenas R$ 40,3 milhões foram quitados.

Crimes do neoliberalismo
Desobrigar o governo de prestar serviços essenciais à população é a essência do neoliberalismo, implantado no Brasil desde Collor. A estratégia é, basicamente, cortar verbas públicas e estimular a atuação do setor privado na prestação de serviços, que passam a ser acessíveis só a quem pode pagar.

Na saúde, o neoliberalismo mostra sua face mais criminosa, sentida “na carne” pela população mais pobre. A classe trabalhadora sofre diariamente com o atendimento precário do SUS, onde a falta de medicamentos, de leitos e de assistência agrava as doenças e causa mortes nos corredores e nas filas de espera. Diante desse quadro, aqueles com melhores condições financeiras optam por pagar os planos de saúde privados, ou “suplementares”, que cobram caro e têm o poder de aprovar ou não certos tipos de cirurgias e serviços mais custosos.

Há distorções graves no sistema de saúde atual: 25% dos brasileiros possuem planos de saúde particulares, enquanto 70% dos leitos do país estão em poder desses planos. A conclusão é de que a proposta de fornecer dinheiro público do BNDES às empresas do setor não beneficiará a parcela da população mais necessitada.

Subsídio e liberdade às operadoras
Na gestão FHC, o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) foi criado com o objetivo de salvar os bancos privados da falência. Na época, o Banco Central gastou cerca de R$ 37,7 bilhões em investimentos no setor e na quitação de dívidas dos bancos que quebraram. Em 1998, o Programa levava calote, pois as parcelas atrasadas somavam R$ 10 bilhões de reais, segundo reportagem de IstoÉ que ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo. O prejuízo foi coberto pelo Tesouro Nacional. É bem provável que o calote já costumeiro se repita no financiamento à saúde suplementar.

A proposta comprova que a ANS, criada para regular a saúde suplementar, é mais um braço do interesse privado. Segundo a Agência Brasil, ligada à Radiobrás, a função da ANS é tornar o mercado harmônico para que as operadoras forneçam serviços de qualidade. Porém, pesquisa divulgada na última semana, também pelo LEPS da UFRJ, mostrou que a realidade é bem diferente.

Segundo a pesquisa “Os Planos Privados de Saúde e a Efetividade da Justiça“, os usuários de planos de saúde que forem lesados pela operadora só podem recorrer ao Poder Judiciário para se ressarcir dos abusos. Respondendo às críticas da ANS sobre a pesquisa, a advogada e pesquisadora Karina Bozola Groul acrescentou que a Agência não resolve o problema do consumidor e que as questões, tanto por parte das empresas quanto dos usuários, têm de ser resolvidas na Justiça.