De olho na crise econômica, governo promove aperto de mais de R$ 30 bilhões. Até verbas para o controle da dengue foram cortadasQuando a CPMF, o imposto do cheque, foi derrubado no Congresso em 2007, o governo Lula anunciou um corte de R$ 20 bilhões em gastos para compensar parte da suposta perda que o Orçamento sofreria. Segundo o governo, a extinção do imposto traria um prejuízo de quase R$ 40 bilhões.

Em janeiro deste ano, no entanto, primeiro mês sem o imposto, a arrecadação foi recorde, aumentando em quase R$ 10 bilhões. Logo em seguida, foi divulgado com estardalhaço o resultado do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2007, de 5,4%, o que eleva ainda mais a previsão do governo de aumento da arrecadação este ano.

O que fez Lula diante desse cenário promissor? Suspendeu os cortes e anunciou mais verbas para saúde e educação? Não, ao contrário. Anunciou um corte ainda maior, que bloqueia ao todo mais de R$ 30 bilhões do Orçamento.

Orçamento mutila áreas sociais
Alvo de uma disputa encarniçada entre governo e oposição, o Orçamento de 2008 foi aprovado em março, com três meses de atraso. No Congresso Nacional, o Orçamento, cujo relatoria ficou a cargo do deputado José Pimentel (PT-CE), sofreu uma redução de R$ 12,6 bilhões em relação ao que constava no Projeto de Lei Orçamentária.
Essa primeira tesoura não poupou nem as áreas sociais. De acordo com uma nota técnica do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), esse corte reduziu em 21,17% os recursos destinados à habitação. Já a área de saneamento viu seus recursos diminuírem 17,45%.

Algumas áreas como Saúde, não sofreram cortes como um todo, mas tiveram várias partes importantes mutiladas. “Importantes programas sofreram cortes significativos, como o programa de gestão da política pública de saúde, que sofreu corte de 20,52%, perdendo R$ 129 milhões”, aponta o Inesc. Esse programa é destinado à gestão do SUS (Sistema Único de Saúde).

Num contexto de epidemia de dengue que assola o Estado do Rio de Janeiro, as ações de Vigilância, Prevenção e Controle da Dengue sofreram um corte R$ 4,65 milhões, correspondente a 24,9% do previsto inicialmente.

O programa de erradicação do trabalho escravo também não escapou das tesouras do Congresso e do Planalto. A fiscalização perdeu R$ 1,4 milhão do que havia sido previsto. Brasil Quilombola, responsável pela implementação de políticas públicas nas comunidades quilombolas, perdeu R$ 15,8 milhões (18,12%). O programa Rede de Proteção ao Trabalho perdeu R$ 6,4 milhões, ou 18,7% de seu orçamento. Proteção e Promoção dos Povos Indígenas perdeu R$ 86,5 milhões (14,2%). Todos os programas relacionados à reforma agrária amargaram cortes que totalizam R$ 265,1 milhões.

Como se vê, os cortes afetam a população mais pobre. A única parte livre de qualquer corte é o pagamento dos juros da dívida pública. Segundo o Ministério do Planejamento, os custos dos juros e encargos da dívida deverão consumir nada menos que R$ 152,2 bilhões em 2008. Esse valor representa mais do que o dobro do total de recursos destinados à Saúde e à Educação. Enquanto o primeiro tem R$ 48,4 bilhões, o segundo conta com R$ 24,7 bi.

Quem corta mais?
Não bastasse a primeira tesourada, no dia 7 de abril o governo anunciou um corte adicional de R$ 19,4 bilhões. Foi a pior das alternativas consideradas pelo governo, que trabalhava com as hipóteses de reter R$ 14, R$ 16 ou R$ 19 bilhões. O valor escolhido por Lula representa o maior corte realizado durante seu governo. Esses cortes recairiam principalmente sobre as verbas de custeio, os recursos destinados a manter a folha de pagamento e a manutenção dos serviços públicos.
O arrocho é para cumprir a meta de superávit primário, a economia que o governo faz para pagar os juros da dívida pública, calculada, atualmente, em 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, o governo deve economizar um valor igual a 3,8% de tudo o que o país produz durante um ano, em mercadorias e serviços, para pagar os juros.

Considerando o corte feito pelo Congresso e esse bloqueio adicional do governo, o aperto fiscal chega a incríveis R$ 31,9 bilhões. O argumento utilizado pelo governo para desferir os cortes foi, mais uma vez, o fim da CPMF, o imposto do cheque. O aperto, junto com os R$ 10 bilhões esperados pelo aumento da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cobririam esse suposto rombo.

A realidade, porém, mostra que o argumento do fim da CPMF não passa de uma desculpa para impor um arrocho ainda maior. Em janeiro deste ano, sem o imposto do cheque, a arrecadação cresceu 18,3%. O próprio Ministério do Planejamento, em informe à imprensa, estima que a receita em 2008 seja R$ 3,3 bilhões superior ao que se previa em 2007.

Preparação para a crise
A arrecadação, mesmo com o fim da CPMF, cresce cada vez mais. Mesmo assim, o governo impõe um corte recorde ao Orçamento para cumprir a meta de superávit com maior folga, enquanto o Banco Central sinaliza juros mais altos, o que aumentaria a dívida pública e diminuiria o consumo. O discurso triunfalista do governo contrasta com sua política econômica recessiva.

Os cortes visam indicar claramente aos investidores e banqueiros internacionais que o governo está atento à crise internacional e que, no país, os interesses do capital financeiro serão prioridades absolutas.

No relatório “Perspectiva Econômica Mundial”, divulgado pelo FMI poucos dias após o anúncio dos cortes do governo, o fundo aponta a previsão de recessão para 2008 e faz uma orientação aos “países emergentes”. Segundo o relatório, “é necessário endurecer mais a política monetária para manter controlada a inflação”.
O governo sabe o que vem pela frente e dá mostras de que já decidiu quem pagará pela crise: os trabalhadores e a imensa maioria da população.

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