O governo permanece insensível à greve de fome iniciada pelo bispo franciscano dom Luis Flávio Cappio, no último dia 26 de setembro. O bispo, de 56 anos, protesta contra a transposição do rio São Francisco. Reconhecida liderança popular e tido como profundo conhecedor do rio e das comunidades que o circundam, o bispo foi até a cidade sertaneja de Cabrobó, no interior de Pernambuco, onde se enclaustrou numa pequena capela e iniciou sua greve de fome.

A cidade é o ponto de partida para o projeto do governo, avaliado em nada menos que R$ 4,5 bilhões. O Ibama já concedeu autorização para o início das obras, que devem durar pelo menos dois anos. Em carta enviada a Lula, o bispo faz um apelo emocionado contra o projeto, explicando que, desde o governo FHC, o povo nordestino se coloca radicalmente contrário à transposição. “Esperávamos que, diante de tantos e consistentes questionamentos de ordem política, ambiental, econômica e jurídica, o governo revisse sua disposição de levar a cabo este projeto que carece de verdade e de transparência”, afirma o bispo.

Frei Cappio, ex-aluno do teólogo Leonardo Boff, explica que é eleitor antigo do PT, tendo, inclusive, participado da Caravana pela Cidadania com Lula em 1994. Demonstrando sua profunda decepção com o governo petista, ele afirma que “quando cessa o entendimento e a razão, a loucura fala mais alto”. O frei ameaçou não comer nada até que o governo suspenda o projeto. Ao final da carta, o bispo sentencia: “Minha vida está em suas mãos”.

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e várias personalidades advertiram o governo que o protesto é sério e o bispo o levará até suas últimas conseqüências. No entanto, o Planalto, atarefado com a eleição de seu candidato á presidência da Câmara, nada disse sobre o protesto. O Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, ao ser instado por repórteres, afirmou em tom irônico: “Deus está vendo”.

Leia abaixo a carta do frei enviado a Lula

Carta enviada por Dom Frei Luiz Flavio Cappio, bispo diocesano de Barra (BA) em greve de fome contra a transposição do São Francisco, ao presidente Lula.

Barra, 26 de setembro de 2005

Senhor Presidente

Paz e Bem!

Quem lhe escreve é Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM, bispo diocesano de Barra, na Bahia.

Tive a oportunidade de conhecê-lo por ocasião da passagem do senhor por Bom Jesus da Lapa, na Caravana da Cidadania pelo São Francisco, em 1994. Isto aconteceu pouco tempo depois que fizemos uma Peregrinação pelo Rio São Francisco, da nascente à foz, com objetivo de conscientizar o povo ribeirinho sobre a importância do rio para a vida de todos e a necessidade de preservá-lo. Fui-lhe apresentado por meu professor de teologia, Frei Leonardo Boff.

Sempre fui seu admirador. Participei ativamente em todas as campanhas eleitorais do PT, alimentando o sonho de ver o povo no poder.

Desde que o Governo Fernando Henrique apresentou a proposta de transposição do Rio São Francisco, fomos críticos acirrados deste projeto. Desde então acentuamos a necessidade urgente de revitalização do rio e de ações que garantam o verdadeiro desenvolvimento para as populações pobres do nordeste: uma política de convivência com o semi-árido, para todos, próximos e distantes do rio.

Esperávamos do senhor um apoio maior em favor da vida do rio e do seu povo. Esperávamos que, diante de tantos e consistentes questionamentos de ordem política, ambiental, econômica e jurídica, o governo revisse sua disposição de levar a cabo este projeto que carece de verdade e de transparência.

Quando cessa o entendimento e a razão, a loucura fala mais alto. Em meu gesto não existe nenhuma atitude anti-Lula neste momento delicado da vida nacional. Pelo contrário. Quem sabe seja uma maneira extrema de ajudá-lo a entender pelo coração aquilo que a razão não alcança.

Tenha certeza, é um profundo testemunho de amor à vida.

Minha vida está em suas mãos.

Receba minha saudação fraterna e amiga,

Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM