Nas últimas semanas, a relativa calma dos mercados financeiros deu lugar ao aprofundamento da crise onde ela realmente se originou. A chamada economia real sente os efeitos do início de um período de grave crise e recessão. No Brasil, pego no contrapé de um período de crescimento nos últimos anos, a mudança está sendo brusca.

Anúncio da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) dá conta que a indústria automobilística, o setor da economia mais dinâmico nos últimos anos, teve uma traumática inversão entre setembro e outubro. A queda na venda de automóveis entre esses dois meses foi de 13,8%. O número de veículos licenciados caiu 15%. Queda de 2% em relação a 2007. Outubro registrou ainda a primeira queda na produção de veículos no ano e a primeira queda nas vendas em cinco anos.

A principal causa apontada para a crise no setor é a escassez do crédito. A Anfavea estima que 70% dos veículos vendidos no país hoje sejam financiados. Com a queda nas vendas e a previsão do agravamento da crise no próximo período, as principais montadoras anunciam férias coletivas e já abrem PDV (Programa de Demissão Voluntária), como é o caso da General Motors.

Pacote do governo
Diante do agravamento da crise, o governo anuncia quase que diariamente novas medidas para ajudar bancos e empresas. Além da liberação do compulsório para bancos, o governo também concede novas linhas bilionárias de financiamento para empresas.

No último dia 6, o ministro Guido Mantega divulgou, em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, novos incentivos para estimular a economia. No total, o pacote de bondade do governo chega a quase R$ 20 bilhões. Prevê, além dos já anunciados R$ 4 bilhões do Banco do Brasil para os bancos das montadoras concederem crédito para a compra de veículos a prazo, mais cinco bilhões do banco para as pequenas e médias empresas.

Já o BNDES vai liberar mais R$10 bilhões para garantir o capital de giro e crédito às empresas, enfocando as empresas voltadas à exportação. O banco deve receber dinheiro do Tesouro para garantir esses recursos às empresas.

Outra medida do governo é a prorrogação de um mês para o recebimento de impostos das empresas, como PIS e Cofins. De acordo com o próprio governo, tal medida atrasa a entrada de R$ 20 bilhões no orçamento público.

O pacote do governo Lula agradou os empresários. “Com tudo o que está sendo feito pelo governo, eu tenho orgulho de ser brasileiro”, chegou a declarar um efusivo Abílio Diniz, dono da rede de supermercados Pão de Açúcar.

Financiando o desemprego
As montadoras no país estão em crise e pedem ajuda. No entanto, as remessas de lucros ao exterior não cessam. As remessas para as matrizes no exterior chegaram a US$4,8 bilhões de janeiro deste ano a setembro. Ou seja, enquanto recebem R$4 bilhões do governo a fim de reaquecer a economia, remetem mais do que o dobro em dólares para cobrir o rombo das matrizes causado pela crise. Ao mesmo tempo, concedem férias coletivas e abrem PDV, colocando a perspectiva concreta de uma onda de demissões no setor a curto prazo.

O crédito liberado agora pelo governo, em tese, deveria ter sido concedido pelos bancos quando o governo alterou as regras do compulsório, despejando algo em torno de R$ 160 bilhões aos bancos. Os banqueiros, porém, ao invés de converter essa ajuda em crédito na praça, preferiram embolsar esse dinheiro, investir em títulos da dívida para lucrar com os altos juros do próprio governo.

Para o governo, no entanto, não tem problema. Se os bancos não liberam recursos, ele libera. Na democracia do governo Lula, não só os lucros dos banqueiros estão garantidos. Dos empresários também.

Os únicos que ficam de fora são os trabalhadores e a grande maioria da população. Previsões do governo dão conta que a receita do próximo ano sofrerá redução de R$ 15 bilhões, o que deve ser também o tamanho do corte do orçamento. Isso dá mais que todo o orçamento do Bolsa Família de 2008, de R$ 10 bilhões. Bem menos, porém, que a ajuda anunciada pelo governo nos últimos dias.