Discurso do governo mira os juros dos bancos, mas ataque atinge somente a poupança dos trabalhadoresPoucos dias após o discurso de Dilma atacando os altos juros dos bancos, a presidente surpreendeu novamente e anunciou a redução dos rendimentos da caderneta de poupança. Dilma Roussef torna-se, assim, a primeira mandatária a mexer na poupança após o catastrófico confisco da Era Collor.

A alteração das regras vincula o rendimento da poupança aos juros da taxa Selic (a taxa básica de juros, que remunera os títulos da dívida pública), sempre que chegar a 8,5% ou menos. Quando isso acontecer, os juros da poupança serão equivalentes a 70% da Selic (enquanto fechávamos essa edição, a taxa básica de juros estava em 9% e a expectativa era de uma nova redução no final de maio). Pela regra anunciada, que incide sobre os novos depósitos, os juros da poupança podem sofrer redução de 18% ao ano e até mesmo ficar abaixo da inflação, caso ela suba mais um pouco.

Poupança e os juros
O governo justifica a alteração das regras da poupança afirmando que a medida seria necessária para a continuidade da redução dos juros. Mas, o que tem a ver os altos juros pagos pelo governo aos bancos; os juros escorchantes cobrados pelos bancos ao consumidor e os parcos valores que cerca de cem milhões de brasileiros conseguem poupar todo mês?

Caso a taxa Selic fique abaixo ou próximo aos juros pagos pela poupança, isenta de impostos e com rendimentos garantidos por lei, os especuladores trocariam os investimentos em títulos da dívida e se debandariam para lá. Com isso, o governo se veria com dificuldades para se autofinanciar, ou seja, para captar recursos emitindo novos títulos da dívida pública, utilizados por sua vez para rolar os juros da dívida já contraídos. Ou seja, para garantir o pagamento em dia dos juros à agiotagem financeira e aos próprios bancos, o governo fez o que nem mesmo os governos anteriores foram capazes e atacou a poupança.

Com surpreendente cinismo, o governo ainda justifica esse ataque afirmando estar “protegendo o pequeno poupador”. Na verdade, quem está protegido nessa história toda são os grandes bancos, que economizam no pagamento de juros da poupança o que vão “perder” com a redução da Selic. E, enquanto isso, os consumidores continuam reféns dessas instituições, pagando juros, taxas e tarifas exorbitantes. Os mais recentes vilões no discurso do governo são, na prática, seus principais beneficiários.

A crise no horizonte
O setor financeiro foi o mais lucrativo nesses nove anos de governo petista, abocanhando sucessivos recordes. Só em 2011, os cinco maiores bancos lucraram juntos mais de R$ 50 bilhões. Mas só agora o governo parece ter se dado conta que juros de 238% ao ano, como é cobrado hoje no cartão de crédito, é “inadmissível”, nas próprias palavras de Dilma. Algo mudou para que o discurso do governo ditasse essa guinada. E, evidentemente, não foi o governo.

A mudança no discurso ocorre em meio ao aprofundamento da crise econômica, cujos reflexos começam a ser sentidos no Brasil de forma mais concreta.
A política de uma lenta redução na taxa básica de juros que o governo vem aplicando tenta impulsionar os investimentos “produtivos” do setor privado e, ao mesmo tempo, manter o consumo, com as vendas a prazo, a fim de evitar uma desaceleração ainda maior.

As medidas do governo, porém, estão completamente aquém dessa tarefa mínima. A taxa de juros da Selic continua uma das mais altas do mundo (enquanto que em grande parte dos países imperialistas chegam a índices negativos), assim como os juros cobrados pelos bancos ao consumidor, sem paralelo com qualquer país do mundo. Para baixar esses juros, o governo se limitou a reduzir os juros dos bancos públicos, a fim de pressionar os privados a fazerem o mesmo pela concorrência.

O governo Dilma se vê, então, obrigado a pressionar os bancos para que limitem um pouco a cobrança dos juros ao consumidor, como forma de segurar o consumo e impedir que a economia esfrie ainda mais. Os bancos, por sua vez, ao mesmo tempo em que divulgam uma pequena redução nos juros, aumentam as tarifas cobradas ao consumidor. Segundo o próprio Banco Central, após o início da redução nos juros, os bancos aumentaram em quase 12% a tarifa para saques de conta corrente e poupança. Puxar um extrato mensal, por sua vez, ficou 14,21% mais caro nas últimas semanas. Nessa nova equação, os bancos continuam a ganhar, e os trabalhadores continuam perdendo.

Não pagamento da dívida pública, estatização dos bancos
Toda a política econômica do governo, até agora, foi no sentido de garantir os lucros recordes dos bancos e a alta rentabilidade dos especuladores internacionais, via juros da dívida, que consomem hoje quase metade do Orçamento Federal. Como se isso não bastasse, o governo anunciou um ataque sem precedentes à poupança, atingindo milhões de pequenos poupadores.

A redução dos rendimentos da poupança, porém, não vai fazer os juros bancários diminuírem, como tenta mostrar a lógica tortuosa do governo. Só vai manter os títulos da dívida mais lucrativos, fazer com que os trabalhadores ganhem menos investindo na poupança e garantir aos bancos dinheiro mais barato.

A pressão do governo aos bancos só vai provocar uma redução mínima dos juros, mas que será plenamente compensada com a alta das tarifas, como já vem ocorrendo. Financiamentos e empréstimos realmente baratos são exclusividade das grandes empresas e latifundiários, que contam com linhas de crédito garantidos pelo BNDES, com juros muitas vezes abaixo da inflação.

A única forma de acabar com a farra dos bancos é colocando o sistema financeiro a serviço das necessidades da população, dos trabalhadores e do povo pobre. Parar de pagar a dívida pública, que já foi paga várias vezes e que serve apenas para desviar os recursos, que iriam a áreas como Saúde e Educação, para os especuladores internacionais. Nacionalizar e estatizar os bancos, a fim de garantir financiamentos de obras públicas e projetos de real interesse da população e, por outro lado, disponibilizar aos trabalhadores empréstimos baratos, com juros subsidiados.

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