Vamos preparar a luta contra estas medidasApenas alguns dias após a imprensa divulgar o que seria uma decisão da presidenta Dilma Rousseff – de não fazer uma reforma da Previdência – o próprio governo tratou de vir a público dizer o que pretende fazer nessa área (Folha de S. Paulo, 21/1/2011). E não são boas as medidas anunciadas.

O governo vai apresentar, como parte de uma reforma tributária que pretende fazer, um conjunto de propostas visando desonerar a folha de salários das empresas. Eufemismos à parte, as propostas vão da diminuição da alíquota paga pelas empresas sobre a folha de salários para financiamento da Previdência Social para algo em torno de 14% (hoje esta alíquota é de 20%). Além disso, o governo pretende simplesmente eliminar o salário-educação que hoje as empresas pagam (2,5% sobre a folha de salários). Trata-se de um crime contra a Previdência Social pública e contra a educação pública em nosso país.

O argumento é o mesmo de sempre, de que isso ajudaria a aumentar o emprego formal no país. A fábula que pre-tendem vender ao povo é a seguinte: ao pagar menos impostos ao Estado, os empresários vão contratar mais traba-lhadores com carteira assinada. Algumas autoridades chegam a falar que, no futuro, isso até aumentaria a arreca-dação da Previdência, porque cresceria muito o número de trabalhadores com carteira assinada.

No entanto, muito diferente deste conto de fadas, todos nós sabemos, e as autoridades do governo também sabem, que os empresários vão usar estes recursos que deixarão de recolher para o Estado simplesmente para aumentar os seus lucros. Não se trata de uma opinião, é uma constatação. A desoneração da folha de salários e outras modalida-des de simplificação e diminuição dos custos da contratação de trabalhadores já foi aplicada em muitos países, como México, Espanha etc. Em todos eles, o desemprego cresceu. Desafiamos o governo a apresentar algum estudo com um mínimo de seriedade, de qualquer país que seja, onde este tipo de política tenha aumentado o emprego.

Na verdade este tipo de medida serve apenas para aumentar o lucro das empresas. E é esta a razão pela qual o grande empresariado pressiona tanto o Brasil a adotá-las. Estamos falando de empresas cujos lucros cresceram mais de 400% nos últimos anos, entre outras razões, porque o custo do trabalho (salários, direitos trabalhistas e benefí-cios sociais, Previdência inclusive) é muito baixo em nosso país.

Por outro lado, estas medidas anunciadas tratam justamente de diminuir os recursos voltados para a garantia de políticas sociais e para diminuir a pobreza (Previdência e educação). O contraste com as promessas eleitorais da candidata Dilma é inevitável.

Se o governo quer, a sério, aumentar o número de empregos com carteira assinada, sugerimos duas medidas. Em primeiro lugar, deve abrir concurso para contratar mais auditores fiscais do trabalho, assegurando fiscalização em todas as empresas. Ao atacar a fraude trabalhista, amplamente praticada no país pelas empresas, sem dúvida au-mentaria o número de empregos formais, entre outros benefícios para o Brasil e para os trabalhadores. Em segundo lugar poderia determinar a redução da jornada de trabalho sem redução salarial, gerando mais postos de trabalho e melhorando a qualidade de vida dos trabalhadores.

Não há compensação possível
A mesma matéria publicada na imprensa que divulga as propostas do governo, informa também que haveria resis-tência de centrais sindicais que estariam exigindo compensações para concordar com as medidas. O jornal não in-forma quais seriam estas centrais sindicais, mas não é difícil imaginar quais são.

A CSP-Conlutas não aceita as medidas anunciadas pelo governo, nem concorda com esta lógica de pedir compensa-ções. O que o Brasil e os trabalhadores precisam é de fortalecimento da Previdência Social pública e da educação pública. Nada disso existe sem aumentar os recursos envolvidos no financiamento destas políticas sociais. Aumen-tar, não diminuir, como pretendem estas medidas que o governo pretende aprovar.

As centrais sindicais não têm o direito de agir com esta ligeireza. Precisam apontar as contradições do governo e chamar a que os trabalhadores se preparem para a mobilização, para pressionar o governo e o Congresso Nacional para defender a Previdência Social pública.

Não faz muito tempo, o presidente Lula vetou a medida aprovada no Congresso Nacional que acabava com o Fator Previdenciário. A alegação do governo, do qual Dilma Rousseff fazia parte, era a de que a Previdência Social não tinha recursos para bancar aquela medida. Alegavam que o fim do Fator Previdenciário aumentaria os gastos da Previdência Social em cerca de R$10 bilhões por ano.

Pois bem. Agora o governo Dilma propõe essa medida que vai diminuir a arrecadação da Previdência Social. Se to-marmos apenas a redução da alíquota, que seria aplicada na primeira fase da implantação dessa medida (de 20% para 18%), a Previdência Social perderia R$ 9,2 bilhões por ano. Quando aplicada toda a redução, a Previdência perderia mais de R$ 27 bilhões por ano. Ora, se o governo acha que é possível à Previdência abrir mão destes valo-res, porque então não pode acabar o Fator Previdenciário? Usar recursos da Previdência para melhorar a vida dos trabalhadores, para aumentar os valores dos benefícios não pode, mas usar estes recursos para aumentar o lucro das empresas pode?

Todos nós sabemos o que vai acontecer, se estas medidas forem aprovadas. Aumentará o sucateamento da Previ-dência Social, mais medidas serão tomadas para dificultar o acesso dos trabalhadores à aposentadoria, para diminu-ir o valor dos benefícios, para dificultar ainda mais aos trabalhadores acesso aos benefícios da Previdência Social de forma geral (para além das medidas que já foram adotadas, como a alta programada etc.). Tudo isso é inaceitável.

O que trabalhadores e aposentados querem da Previdência Social é o aumento das aposentadorias, recompondo o mesmo valor em salários mínimos de quando foram concedidas; acabar com o Fator Previdenciário e revogar todas as medidas adotadas para dificultar o acesso dos trabalhadores aos benefícios da previdência social, como a alta programada e um longo et cetera.

Salário mínimo e servidores públicos na berlinda
Não é só a Previdência que preocupa neste momento. Enojado, o povo brasileiro está assistindo ao debate sobre o reajuste do salário mínimo que estão fazendo o governo e Congresso Nacional, em contraste com o aumento salarial recebido pelos parlamentares e autoridades do Executivo. Os mesmos parlamentares que deram aos seus próprios salários um aumento de 62% no apagar das luzes do ano passado querem agora aprovar um reajuste para o salário mínimo beirando 6%. Quem ganhava R$ 16 mil por mês recebe um aumento de R$ 10 mil no salário. Quem ganhava R$ 510 receberá R$ 35 de aumento.

A presidenta da República e os ministros aceitaram de bom grado o aumento de 132% que o Congresso Nacional aprovou para seus salários. Agora, do alto da sua arrogância, dizem que não se pode aceitar um aumento maior para o salário mínimo. Dizem que o país não tem recursos para isso. Para aumentar o salário da presidenta e dos ministros, de cerca de R$ 12 mil para quase R$ 27 mil por mês, aí sim, o país tem recursos. Beira o cinismo.

O Brasil vai gastar com o aumento dos salários dos deputados, dos ministros e da presidenta da República, mais de R$ 800 milhões por ano. Uma soma superior aos cerca de R$ 760 milhões que o mesmo governo anunciou que o país vai investir para a prevenção de desastres como o que matou cerca de mil pessoas só na região serrana do estado do Rio de Janeiro. Isso diz muito sobre a natureza destas autoridades.

É esta mesma lógica na utilização dos recursos públicos que leva o governo a investir contra os servidores públicos, descumprindo acordos feitos, tentando aprovar no Congresso Nacional medidas como a que congela seus salários por dez anos, que autoriza a demissão de servidores públicos e que restringe seu direito de greve. O mesmo governo que defende e quer aprovar estas medidas, argumentando necessidade de cortar gastos, já anunciou que pretende separar do orçamento o correspondente a 3% do PIB (mais de R$ 100 bilhões), para pagar juros aos banqueiros.

Ou seja, para melhorar o salário mínimo, valorizar o servidor público, melhorando assim a qualidade do serviço prestado à população, para nada disso há dinheiro. Mas para repassar aos banqueiros, aí aparecem mais de R$ 100 bilhões… O que o Brasil precisa é acabar com este superávit primário (dinheiro que vai para os banqueiros), melho-rar o valor do salário mínimo e investir na melhoria dos serviços públicos e na valorização dos servidores.

Direitos trabalhistas ameaçados
Por outro lado, aparece agora o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, um dos mais importantes da CUT, dizendo que prepara uma proposta de Projeto de Lei para mudar a legislação trabalhista, de forma a que venha prevalecer o que for negociado pelos sindicatos sobre o que está estabelecido na lei como direitos dos trabalhadores. Retoma-se assim a discussão aberta pelo governo FHC, que em seu segundo mandato tentou aprovar uma mudança no artigo 618 da CLT, assegurando a prevalência do negociado sobre o legislado.

Naquele momento conseguimos derrotar esta ideia. Ela volta agora, defendida por um dos principais sindicatos da CUT, expressão clara da mudança do papel que assumem estes sindicatos que perderam sua independência frente ao governo e aos empresários.

Os defensores da ideia argumentam que, ao ter mais liberdade para negociar, os sindicatos estarão mais livres para buscar vantagens para os trabalhadores nos acordos com as empresas. O argumento é tão singelo quanto sem fun-damento. A legislação trabalhista e as regras atuais do sistema de negociação e contratação coletiva não impedem e nunca impediram o sindicato de negociar vantagens para os trabalhadores para além daquilo que está na lei. As restrições que existem (muito poucas restrições, é bom que se diga) são para impedir que se negociem acordos que rebaixem ou eliminem direitos que estão garantidos em lei. Não são opiniões, são fatos, basta ler a lei.

Dizer que a proposta só será implantada, num primeiro momento, nos sindicatos que sejam mais fortes, ou onde houver organização de base não resolve. Vivemos num país onde não há proteção contra a demissão imotivada. O patrão pode demitir quantos trabalhadores e na hora que quiser, sem dar satisfação a ninguém. Isso dá a ele um enorme poder de pressão sobre os trabalhadores. Muitos sindicatos já viveram em determinadas circunstâncias a situação complicada de ter de enfrentar a pressão de um grupo de trabalhadores de uma determinada empresa em favor de um acordo rebaixando seus direitos, ou o seu próprio salário.

Por que ocorre isso? Porque a empresa ameaça demitir a todos, ou uma parte dos empregados, e com a chantagem leva os trabalhadores a aceitar suas imposições. Os direitos que são protegidos em lei contra qualquer rebaixamen-to via negociação coletiva (insisto, são poucos, muito menos do que deveria) estão nesta condição justamente para protegê-los dessa chantagem dos patrões. Esta proteção tem sido de enorme valia para os trabalhadores, princi-palmente em momentos de crise econômica, pois são nestes momentos que vem o desespero dos patrões para redu-zir custos – leia-se eliminar direitos.

Não é razoável acreditar que os experientes dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC desconheçam estes fatos. O que quer dizer que o que pretendem mesmo é criar condições para que possam ser negociados acordos que estejam abaixo daquilo que é definido em lei. É sabido que o procedimento preferido pelos empresários e governos do mundo todo, quando se trata de implantar a flexibilização, diminuição ou eliminação de direitos dos trabalhado-res, é fazê-lo de forma negociada com as representações dos trabalhadores. É o que os técnicos da OIT chamam de “flexibilização autônoma”, ou seja, com a participação dos próprios trabalhadores (através de seus sindicatos). Isso diminui a resistência dos trabalhadores contra as medidas flexibilizadoras e evita o desgaste que os políticos teriam se tivessem de aprovar o fim deste ou daquele direito dos trabalhadores no Congresso Nacional, por exemplo. A isto se presta a proposta que o Sindicato do ABC está preparando.

Todas as questões colocadas acima, relacionadas à defesa da aposentadoria e da Previdência Social publica; defesa da valorização do salário mínimo, dos serviços e servidores públicos; defesa dos direitos trabalhistas; remetem ao desafio fundamental posto para os trabalhadores neste momento: preparar a luta para enfrentar estas medidas que se anunciam. É a tarefa principal a ser assumida pelas entidades e organizações que se reúnem neste dia 27 de ja-neiro em Brasília.

São Paulo, 21 de janeiro de 2011

*Zé Maria integra a Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas