A prorrogação até 2011 do imposto do cheque, como é chamada a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, foi aprovado na noite desta quarta-feira, 19, no primeiro turno da Câmara dos Deputados. O governo precisava de 308 votos para aprovar o texto base da Proposta de emenda Constitucional (PEC 50/10) que tratava do tema.

Entretanto, a liberação de mais de R$ 21 milhões de verbas aos parlamentares e partidos para emendas e a distribuição de cargos em estatais e no segundo escalão do governo, fez com que o Planalto vencesse com uma margem de 30 votos a mais. O resultado final foi 338 votos a favor, 117 contrários e duas abstenções.

Foi aprovada ainda a Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 20%. A DRU permite que o governo gaste esse percentual sobre toda a arrecadação em impostos como bem entender. Assim, 20% da CPMF poderá ser desviado para outros fins, como o pagamento da dívida externa, por exemplo.

Agora, a PEC deve passar por alterações, incorporando ou não destaques ao texto principal. Depois, passará por mais uma votação na Câmara e outra na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) para só então ir à votação no Senado. Entre os senadores, o governo terá de angariar, no mínimo, 49 votos. Certamente, pode-se esperar mais negociatas no próximo período.

Relações promíscuas
O dia foi de correria para os membros do governo Lula. O esforço pela aprovação da CPMF incluiu até a revogação de três medidas provisórias de interesse do governo e da base aliada. Uma delas, por exemplo, regulamentava o desarmamento, matéria de suma importância para o governo e que contou com uma campanha milionária em 2005.

A liberação de verbas chegou a R$ 21,7 milhões. Boa parte foi para prefeituras do PT, dos partidos da base aliada e da oposição. Segundo dados informados no jornal O Estado de S. Paulo, a prefeitura de Niterói, do petista Godofredo Pinto, recebeu R$ 626,9 mil. O município gaúcho de São Leopoldo, também governado pelo PT, ficou com R$ 120 mil.

A cidade maranhense de Itinga, cuja prefeitura é comandada pelo PTB, levou R$ 452,1 mil. A oposição burguesa não ficou para trás: Teresina, capital piauiense, governada pelo tucano Sílvio Mendes, embolsou R$ 297,6 mil.

A outra moeda de troca do governo – os cargos nas estatais e no próprio governo – já vinha sendo utilizada desde agosto. Cinco nomeações foram feitas às pressas: quatro na diretoria do Banco do Nordeste, distribuídas aos partidos PP, PR, PSB e PTB, e uma para a presidência do Porto de Santos, acomodando José Di Bela Filho, indicado pelo PSB.

Além dessas nomeações, ficaram diversas promessas e negociatas. O setor mais procurado pelos partidos é o de infra-estrutura. Nenhuma surpresa, afinal é onde existe a maior margem para a corrupção, como ficou demonstrado na maioria dos escândalos, envolvendo empreiteiras, parlamentares e membros do governo e da oposição busguesa.

Já a bancada ruralista, teve a oportunidade de negociar a dívida de R$ 70 bilhões que o agronegócio tem com a União. Apenas a título de comparação, se os latifundiários pagassem essa dívida ou tivessem suas terras expropriadas, não precisaria de CPMF.

Em discurso durante a inauguração de mais uma obra do PAC, na quarta-feira, Lula deu o recado ao PMDB. “Quem é parceiro é parceiro para comer no prato cheio e é parceiro para ficar olhando o prato vazio junto, é parceiro nos bons e nos maus momentos”, disse, provavelmente referindo-se ao esforço feito para salvar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), da cassação na semana passada. O senador entendeu: “o que não pode deixar de acontecer é a aprovação da CPMF, senão acaba com o Bolsa Família”.

Lula, que já fez campanha contra a oposição, também afirmou que “nenhum governo, do PMDB, do PSDB, do PT ou do PFL ou de qualquer outro partido conseguiria governar sem a CPMF”.

O que é a CPMF
O imposto do cheque foi criado em 1996, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e, como o próprio nome diz, deveria ser uma arrecadação provisória para investimentos em saúde. Essa era a versão oficial.

A contribuição é descontada automaticamente das contas-correntes, em todas as movimentações bancárias, salvo raras exceções que são avaliadas caso a caso, como, por exemplo, as contas-salário, que o trabalhador utiliza uma conta-corrente apenas para receber seu pagamento no fim do mês, normalmente por imposição da empresa.

A alíquota original era de 0,25%. Em 1999, o imposto sofreu uma breve suspensão – de janeiro a julho – e, quando retornou, o índice elevou-se a 0,38%. Pode parecer pouco, mas faz falta. Um trabalhador que recebe, por exemplo, R$ 883,00 – salário médio em 2006 segundo o IBGE -, se tiver uma conta-corrente, pagará, por mês, R$ 3,35 de CPMF. No final do ano, ele terá descontados de sua renda R$ 40,20.

A PEC 50/10 desmonta ainda mais o suposto investimento em saúde através do imposto do cheque e vai, assim, oficializando o desvio da verba. Segundo o projeto aprovado no primeiro turno da Câmara, o montante destinado à saúde se reduzirá a 53%. Outros 26% serão destinados à Previdência Social e os 21% restantes aos fundos de combate à pobreza, como o bolsa família e o famigerado Fome Zero.

Cadê o dinheiro?
Desde que foi criada, a CPMF já arrecadou R$ 203 bilhões. Em 2008, o governo espera obter R$ 39 bilhões. No entanto, a saúde nunca esteve em condições tão precárias. Recentemente, uma série de greves no setor no Nordeste expôs essa situação.

O orçamento da saúde para 2007 foi de R$ 34,876 bilhões, valor inferior ao arrecadado com a CPMF. O governo alega que o restante vai para os fundos de combate à pobreza, mas a realidade é que esse dinheiro vai parar, de fato, nos cofres do Fundo Monetário Internacional. Em contrapartida, mais de R$ 270 bilhões foram pagos em juros e amortizações da dívida, segundo estudos da Auditoria Cidadã da Dívida.

Além disso, enquanto os trabalhadores têm descontado religiosamente 0,38% de sua renda, as grandes fortunas recebem isenção.

Fica evidente, assim, que esse é mais um imposto instituído para enriquecer ainda mais os banqueiros, os megaempresários e o FMI. A CPMF passa longe das filas nas madrugadas dos postos de saúde, dos doentes que morrem por falta de atendimento nos hospitais públicos. O que está colocado em discussão – seja pelo pagamento da CPMF, seja pelo pagamento de quaisquer outros impostos – é a lógica do capital, em que os mais pobres pagam pela abundância dos mais ricos.

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