Em 1989, Mario Amato, então presidente da FIESP, declarou que se Lula ganhasse as eleições 800 grandes empresários fugiriam do país. Hoje, o atual presidente da entidade, Horácio Lafer Piva, declara: “É preciso que a oposição que se forma se desarme, porque muitas das propostas são comuns. Esse é um momento de união nacional, de dar as mãos e construir.” (Folha on Line – 28/10). Na mesma linha, um mês antes do segundo turno, o presidente do Banco Itaú declarou nos EUA que “os empresários brasileiros estão preparados para apoiar um governo Lula”.
Antes do primeiro turno, pesos pesados da classe dominante já tinham pulado para o barco de Lula, a começar pelo seu vice, José Alencar, pelo dono da Gradiente, da Valisere, entre outros.
Na superestrutura política – nos partidos – os apoios também não foram quaisquer: nada menos que os ex-presidentes Sarney e Itamar Franco. No segundo turno, o apoio de setores da classe dominante também não foi desprezível – além de Ciro, Garotinho e suas respectivas frentes – ainda se somou ACM, Maluf e outros tantos.
Mesmo a maioria do empresariado e banqueiros que preferiam em Serra atuaram no sentido de evitar qualquer radicalização, “costurar uma transição” e aceitar “com naturalidade” a “alternância de poder”. Claro, não sem antes amarrar bem Lula ao acordo com o FMI.
No próprio PSDB de Serra e FHC, nem todos se empenharam muito na campanha governista.

IMPERIALISMO ACEITA

O próprio imperialismo – que obviamente preferia Serra – também não tem tratado o futuro governo como inimigo. Os EUA – cautelosos – procuram dar sinais de que querem boas relações com Lula, pretendem pressionar o governo para assumir mais e mais um curso neoliberal e não hostilizá-lo. Bush ligou para o novo presidente do Brasil no dia 28 e segundo o porta voz de Lula, André Singer, “Foi uma conversa muito cordial, amena e muito descontraída. Criou-se um clima de muita cordialidade.” (O Globo – 29/10)

Albert Fishlow, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Columbia, ex-professor de FHC, já antes das eleições dava um pouco o tom do que deveriam ser as relações do imperialismo com o governo:
“ (…) um eventual governo Lula poderá comprovar ao FMI e ao mercado financeiro que seguirá a estratégia macroeconômica atual”.
O sr. acha que ele seguirá realmente essa política?
“Ele foi um dos primeiros a ratificar o acordo. Ele foi à reunião com FHC e já tinha preparado um documento no qual disse que o PT estava comprometido a seguir a linha do acordo. […] na prática a vitória do Lula significará uma mudança limitada. Será realmente a substituição do PFL pelo PT na aliança governista dentro do Congresso.” (FSP-5/10/2002)
O imperialismo europeu foi ainda mais amistoso. De Paris, Chirac enviou uma nota transmitindo as “mais calorosas felicitações”. Da Inglaterra, Tony Blair diz “O governo britânico aguarda com expectativa poder trabalhar com a nova administração para ampliar a atual cooperação”.

PESOS PESADOS DA BURGUESIA NO GOVERNO

O governo Lula será um governo de colaboração de classes, ou de Frente Popular, do qual – diferente de governos dessa natureza que conhecemos historicamente – participarão pesos pesados da burguesia.
E a transição será de unidade nacional, ou seja, terá a colaboração de praticamente todos os setores burgueses. Mesmo aqueles que não participarão diretamente do governo, como ACM, propõe ao PFL uma trégua de 6 meses a Lula.
O setor Serra do PSDB e a ala Borhausen do PFL se preparam para ser oposição, mas com o compromisso de sustentar as medidas da transição, estão pressionados por praticamente todos setores burgueses a colaborar. De novo com a palavra o presidente da FIESP: “Espero que o mercado não venha a fazer um braço-de-ferro, até porque a maioria das instituições está do lado do presidente eleito.” (O Globo – 29/10)
A FIESP, a FEBRABAN, a CNI e todas grandes confederações burguesas já se prontificaram a participar do chamado “Conselho Consultivo de Desenvolvimento Econômico e Social”, o novo nome pomposo do surrado pacto social.

POR QUÊ AS BOAS RELAÇÕES DA BURGUESIA COM LULA?

No Opinião Socialista 139, afirmamos que o governo Lula não seria igual aos governos de colaboração de classes que historicamente conhecíamos, que seria muito diferente de Allende, por exemplo. Se ficássemos na comparação com o Chile se assemelharia a Lagos, o atual presidente do país.
Seria um governo do qual participariam setores fundamentais da burguesia e que não teria qualquer característica anti-imperialista.
O fato é que a burguesia e mesmo o imperialismo não vêem mais o PT como inimigo. No máximo, alguns setores o vêm como adversário. Isso se deve a duas coisas: a primeira é que o PT mudou e como diz o deputado Delfim Neto: “(…) o senhor Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou os mecanismos de mercado para a administração econômica. (…) o PT não fazia parte dos partidos que aceitavam integralmente a organização política nacional construída na Constituição de 1988. (…) A eleição de 2002 dá a oportunidade para que se consagre definitivamente a incorporação do Partido dos Trabalhadores ao corpo político nacional”. (Carta Capital – 23/10). O PT é hoje um partido inteiramente integrado na ordem burguesa.

O segundo motivo (tendo o PT chegado ao governo previamente a um grande ascenso das massas), para que tenha uma colaboração tão ampla da classe dominante, foi dada a pista por Sarney. O ex-presidente (possível presidente do Congresso Nacional num governo Lula) expressa com lucidez uma característica preventiva da burguesia brasileira quando vislumbra a possibilidade de eclosão de grandes lutas e ruptura no regime político: “Acho que Lula prestou um grande serviço ao país nesta sucessão, porque com esta crise social, com este desemprego, a violência urbana, com o terror que a gente está vendo aí, com a situação de agitação nacional, se não fosse ele o homem que é, que catalisou as esperanças do povo, assegurou uma sucessão tranquila, a campanha teria sido um momento de quase explosão social.” (O Estado de São Paulo – 27/10).

A classe dominante vê no PT e no prestígio de Lula perante as massas a possibilidade de evitar um ascenso sustentado e de fazer os trabalhadores arcarem com o peso da crise, engolindo sacrifícios o bastante, na tentativa de evitar uma depressão a la Argentina e ao mesmo tempo uma ruptura ou crise revolucionária. Os trabalhadores não devem depositar confiança num governo assim.
Post author Mariucha Fontana, da redação
Publication Date