Leia abaixo artigo publicado pelo Movimento Al Socialismo (MAS), partido filiado a LIT-QI, explicando os acontecimentos do dia 30 de setembro no Equador e a suposta tentativa de golpe militarDepois dos graves acontecimentos ocorridos no dia 30 de setembro, que desembocaram em um impressionante operativo militar para libertar o Presidente Rafael Correa, que se achava supostamente seqüestrado por membros da polícia, começam a surgir muitas dúvidas. Neste tipo de acontecimento, a verdade acha-se muito oculta e requer um verdadeiro esforço investigativo para que ela saia à luz. Uma primeira pergunta que salta à vista: Porque e quem ordenou o operativo militar (no qual participam cerca de 500 membros) contra os integrantes revoltosos da polícia quando foi possível ver ao vivo pela TV que os policiais já tinham aceitado libertar o presidente?

Porque Correa assume uma atitude tão arriscada (ao que parece um erro infantil) de ir pessoalmente ao quartel da polícia em Quito e adota uma atitude desafiante ante a tropa sublevada, a tal ponto que lhe agridem e depois o retêm no hospital?
Algum setor político do país se propôs a um golpe de Estado, ou simplesmente queriam criar um mal-estar político ante o governo? O governo acusou diretamente o grupo de Lucio Gutiérrez [ex-presidente equatoriano, deposto por insurreição popular em 2005] de uma tentativa inesperada de golpe de Estado. É evidente que este setor político tinha influência sobre a tropa e usava seu descontentamento.

Mas não há indícios fortes para supor que se buscava um golpe. O que queriam tanto os policiais como os militares era impedir a Lei de Serviço Público que atacava alguns de seus benefícios econômicos. A reação dos grupos de oposição de direita (Socialcristianos, PRE, ID, etc.) bem como a dos governos imperialistas e burgueses da América Latina, foi a de uma aberta condenação a qualquer tentativa inesperadamente de golpe. Isto é, não tinham as mínimas condições para que se desse um golpe.

Outra dúvida: qual foi o objetivo do governo ao lançar o rumor, na véspera dos acontecimentos do dia 30, de que decretaria o mecanismo constitucional chamado “morte cruzada”, que lhe permite dissolver a Assembléia e convocar eleições?

A verdade é que o regime estava experimentando um forte desgaste pela aprovação das últimas leis, como a de Hidrocarbonetos e a Lei de Educação Superior, aprovadas através de mecanismos autoritários. O governo não conseguiu aprovar outras leis que permanecem no limbo, como a Lei de Comunicação e a Lei da Água que deve se arquivada graças à resistência indígena.

O Código Territorial e a Lei de Serviço Público estão em debate e correm o risco de não serem aprovadas. Todo este panorama tem provocado uma revolta de importantes setores de trabalhadores, camponeses, indígenas, estudantes, servidores públicos que começavam a se mobilizar. Ademais, alguns dos próprios membros do bloco governista começaram a questionar alguns aspectos das leis assinaladas. As mais importantes instituições do Estado, como a Assembléia, o judiciário e o próprio executivo, por suas atitudes claramente autoritárias, experimentam uma queda de sua popularidade – o que configura uma crise do regime.

Os fatos ocorridos no dia 30 permitam ao governo sair-se bem da crise, ao menos por enquanto. Correa projeta uma figura de vítima, mas ao mesmo tempo de herói por sua valentia e decisão, que concita o apoio popular. A oposição (sobretudo Lucio e a Sociedade Patriótica) fica deslegitimada pela acusação de golpismo. Ocorre o mesmo com a débil oposição da esquerda (Pachakútik e MPD aparecem como os “infantis” que fazem o jogo à direita). Também neutraliza os mais críticos de seu próprio movimento e os submete à disciplina partidária. O governo assumirá a reestrutura da Polícia com plena legitimidade. Esta instituição tem uma péssima imagem perante amplos setores da população por sua corrupção e seus abusos contra os direitos humanos.

Em suma, o governo busca reverter a crise do regime e avançar em seu projeto de reestruturação jurídica do Estado através da imposição das controvertidas leis consideradas prioritárias. Possivelmente já não precisará da “morte cruzada” que implicava um alto risco político. Afiança-se o modelo extrativista depredador da natureza. Com a Lei de Planejamento busca legalizar um agressivo endividamento externo (sobretudo com China) que permita cobrir o déficit orçamental e realizar alguns projetos para consolidar sua imagem.

A realidade sempre está além das aparências. E as aparências enganam. A única possibilidade de um projeto revolucionário, autenticamente socialista, é entender como atua o poder burguês. Para entendendo a realidade é preciso unir forças, descartar o sectarismo, o vanguardismo e se comprometer a fundo em uma militância disciplinada.