Para comemorar seus 40 anos, a TV Globo colocou no ar uma série de programas para exaltar suas qualidades e contribuições para a sociedade brasileira. Contudo, a história da emissora é bem diferente. A emissora tem uma extensa ficha de serviços prestados à elite, ao sistema que a beneficia e aos governos que lhe serviram de cúmplices.

Durante toda a programação para celebrar a entrada no ar da TV Globo, em 26 de abril de 1965, não faltaram declarações entusiasmadas de gente do governo e da nata da elite nacional, destacando a importância da emissora fundada por Roberto Marinho. Algo que não poderia ser diferente, já que a história da Globo praticamente se confunde com a dos poderosos.

O fato do nascimento da emissora quase coincidir com o do Golpe de 1964 não é mera coincidência. A Globo nasceu e cresceu na sombra e sob o patrocínio dos militares da ditadura e do imperialismo. Sua instalação com que na época havia de melhor em tecnologia está vinculada ao financiamento, ilegal, de US$ 4 bilhões, feito pelo grupo norte-americano Time-Life, como parte do projeto de “combate ao comunismo” no Terceiro Mundo.

Nunca tendo sido de fato obrigada a saldar sua dívida, a Globo a pagou com serviços prestados à ditadura. O que ficou explícito numa declaração do nefasto general Garrastazu Médici: “Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao Jornal Nacional. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, no noticiário da TV Globo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante após um dia de trabalho”.

O “tranqüilizante” vinha no formato da omissão ou distorção dos fatos, particularmente do que ocorria nos porões da ditadura. A Globo, por exemplo, esteve à frente da divulgação da versão de suicídio dada para o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, e, já no crepúsculo da ditadura, em 25 de janeiro de 1984, da “transformação” do primeiro comício das “Diretas Jᔠem festa pelo aniversário da cidade de São Paulo.

Tal prática lhe valeu o repúdio dos manifestantes que, país afora, passaram a saudar os repórteres da emissora com a palavra de ordem “O povo não é bobo, fora a Rede Globo!”.

Com a queda da ditadura, a Globo procurou adaptar-se aos ventos democratizantes e à nova elite dominante: canonizou Tancredo Neves e a “Nova República”, transformou-se em “fiscal número um” de Sarney e seu Plano Cruzado e, diante de uma nova crise que ameaçava o regime burguês, cumpriu papel determinante na criação do personagem-presidente Collor, “o caçador de marajás”, beneficiado pela deprimente edição do último debate com Lula, em 1989.

A manipulação a favor de Collor foi tão escandalosa que rendeu o documentário Além do Cidadão Kane, produzido na Inglaterra e, até hoje, praticamente banido do acesso ao público.

Na “Era FHC”, a história não foi diferente. Porta-voz do Plano Real e propagandista das privatizações fraudulentas, a Globo foi contemplada com um empréstimo de US$ 38 milhões da Caixa Econômica Federal.

Globo e Lula: tudo a ver
Assim que Lula assumiu a presidência, a Globo tratou de se adequar à nova situação. Além das críticas pontuais serem facilmente suplantadas pelos elogios rasgados à política neoliberal de Lula, a Globo passou a preencher sua programação com exemplos “comoventes” de gente que, assim como o presidente, teve uma trajetória de superação de obstáculos e conquistas feitas com base no esforço pessoal.

Um apoio pago a preço de ouro: apesar de ter um faturamento anual de cerca de
R$ 4 bilhões, somente com a TV, o grupo dos Marinho acumulou, devido a investimentos malsucedidos na década de 1990, uma dívida de quase R$ 6 bilhões. Desde que chegou ao poder, Lula tem se empenhado para liberar linhas de crédito para a Globo e para “refinanciar” a dívida, por intermédio do BNDES.

Além disso, Lula tem sido campeão na destinação de verba publicitária para a emissora. Hoje, mais de 60% do orçamento de quase R$ 400 milhões que o governo reserva para a área são dados à Globo. Enquanto isso, todas as emissoras públicas, juntas, recebem 1,7% do orçamento. Tanta dedicação foi explicada por José Dirceu: salvar a Globo é uma “questão de segurança nacional”.

A arte de alienar e refazer o passado
Do ponto de vista dos interesses da burguesia nacional e seus aliados, a frase de Dirceu está mais do que correta. Parte de um dos maiores grupo de comunicação do mundo – que vai do jornalismo impresso ao cinema – a Rede Globo é peça importante para a sustentação do regime.

Não apenas por aquilo que veicula ou deixa de transmitir, mas também pela forma como o faz. Sua programação está destinada a “formar” gente medíocre e alienada. Tendo conquistado o posto de fonte quase exclusiva de entretenimento para nossa miserável população, a emissora usa e abusa de sua alta qualidade para cumprir esse papel.

Sob o aspecto sedutor das novelas, são propagadas normas de comportamento e a ideologia da “felicidade ao alcance de todos”; dos telejornais às minisséries, ecoa o discurso sobre nossa “identidade nacional” e, a todo minuto, vende-se a idéia de “cidadania” e respeito às leis e instituições burguesas.

É óbvio que há exceções. Mas mesmo os programas com certa qualidade e a inclusão de temas polêmicos – como homossexualidade, racismo etc. –, que vez ou outra surgem na programação, respondem à lógica “global”. Exibidos geralmente em horários proibitivos para a maioria da população trabalhadora, esses programas atendem fundamentalmente às necessidades da própria emissora: manter um diálogo com o filão mais crítico do público.

É sob esse ângulo que também devemos analisar a semana de comemorações pelos 40 anos. Ela foi parte de uma das práticas mais bem executadas pela emissora: a capacidade de adaptar-se às mudanças sociais, mudando, se necessário, sua própria história.

Neste aspecto, a Globo é de um cinismo nojento. Na época do “Fora Collor”, em 1992, depois dos muitos serviços prestados ao presidente, a emissora tentou nos fazer crer que praticamente levou os “cara-pintadas” às ruas por estar transmitindo a minissérie “Anos Rebeldes”; no ano passado, em meio às exigências de abertura dos arquivos da ditadura, a emissora levou ao ar, no programa “Linha Direta”, dramatizações novelescas sobre os assassinatos da estilista Zuzu Angel e de Herzog, apagando sua colaboração na farsa montada em torno desses crimes.

Seu “balanço” de 40 anos vai na mesma direção. Acreditando piamente na letra de seu irritante jingle “Diga bom dia”, que prega “mais uma chance de recomeçar”, a Globo pensa que está refazendo sua própria história. Algo impossível. Queira ou não, a Globo ainda será obrigada a prestar contas de sua verdadeira trajetória, quando o povo, apesar da emissora, tomar finalmente a História em suas mãos.

Post author Roberto Barros e Wilson H. da Silva, da redação
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