Cada um fala a verdade. Do outroHá semanas, o sempre “pouco respeitado” público tem acompanhado uma disputa envolvendo, por um lado, a Rede Globo e, de outro, a Record.

A “briga” entre os canais de TV envolve lances de corrupção, golpes baixos vindos dos dois lados e horas e mais horas de “reportagens” colocadas no ar pelas duas rivais.

É um caso exemplar da absurda situação criada em função das espúrias e hipócritas relações que os órgãos de imprensa e a mídia em geral mantêm com o poder brasileiro. Situações que também estão chegando à população de forma tão distorcida como a realidade geralmente mostrada e representada por esses órgãos.

Muitos afirmam que se trata apenas de uma “guerra por audiência”. De fato, a Globo está incomodada com a concorrência da Record. Afinal, estamos falando, literalmente, de milhões de reais investidos diariamente pelo mercado publicitário em função da promessa de retorno apontada pelos índices do Ibope. Só para se dar uma ideia do que estamos falando, basta dizer que um intervalo de 30 segundos no chamado horário nobre (entre 20 e 22 horas) custa algo em torno de R$ 300 mil.

Contudo, isso é apenas a superfície de algo muito mais complicado. São brigas entre setores que, na verdade, têm tudo a ver um com o outro.

“Uma guerra privada com armas públicas”
O subtítulo, emprestado de uma matéria publicada no site da revista “Caros Amigos” no dia 21 de agosto, resume bem o que realmente está acontecendo.
Como afirma o repórter Rodolfo Viana, não há “mocinhos” nessa história e “também não há mentiras nos ataques de uma contra a outra: os Marinho sempre tiveram uma relação espúria com o poder e a Record, uma interação promíscua com a Igreja Universal do Reino de Deus. Mas o problema central nessa guerra é que estão guerreando com armas alheias. Estão guerreando com armas públicas”.

O centro da crítica da “Caros Amigos” é um fato inquestionável: canais de TV são concessões públicas, que deveriam atender aos interesses da população. O que temos visto é uma disputa motivada pelos lucros e interesses do punhado de gente que controla essas redes. Uma briga que está sendo utilizada por ambos os lados para aumentar ainda mais o volume de seus cofres.

No “vale-tudo” armado pelas duas emissoras, não há “golpe” que seja proibido. A Record está exibindo partes do documentário “Além do Cidadão Kane”, produzido por um canal de TV britânico depois do escândalo envolvendo a montagem que a Globo fez do debate entre Lula e Collor, nas eleições de 1989, beneficiando claramente o segundo (atual amicíssimo de Lula, Sarney e demais comparsas).

A Globo também tem de tudo. Além de “montar” reportagens em seus principais noticiários para cutucar a concorrente, a emissora prepara-se para atacar numa área em que é reconhecidamente eficaz: a ficção. Já está definido, por exemplo, que na próxima edição de “Ó Pai, Ó”, os personagens evangélicos do seriado se envolverão com corrupção e desvio de dinheiro da igreja.

Mansões e templos habitados pelo poder
Apesar do clima de “barraco” que tem cercado a disputa, o que temos visto é algo como dois latifundiários que ficam mudando a “cerca” de sua propriedade para “roubar” terras um do outro.

O problema para a maioria da população é que o simples “mover de cercas” não significa que o terreno ficará livre para outros. Muito pelo contrário. Nessa briga, o “terreno”, ou seja, a própria sociedade, só muda de mãos, ficando sempre submetida à lógica do mercado, da ideologia dominante e seus valores degenerados e da distorcida visão de mundo que nos é apresentada pelos meios de comunicação.
Como costumam dizer os teóricos marxistas da comunicação, os órgãos da imprensa e da mídia não mandam diretamente na sociedade (como muitos acreditam, ao dizerem, por exemplo, “que a Globo faz e desfaz presidentes”), mas são importantes agentes do poder. Por exemplo, desempenham um importante papel nos processos eleitorais. E não há dúvida de que esse “serviço” será cobrado a peso de ouro em 2010.
Mas são como “espaços” habitados pela burguesia, que detém o poder através da propriedade das indústrias, bancos, fazendas e negócios que financiam o mercado publicitário e, consequentemente, controlam o que é levado ao público e a forma como isso deve ser feito.

Como não poderia deixar de ser, essas “mansões” ou “latifúndios” dividem-se entre diferentes setores da burguesia. No caso brasileiro, em que as concessões são dadas pelo Congresso, não é de se espantar que a maioria dos “proprietários” seja de famílias de políticos tradicionais, como os Sarney (Maranhão), os Barbalho (Pará) e os Magalhães (Bahia).

Mas também sobra espaço para a instalação de outros setores, principalmente de instituições auxiliares do poder como as igrejas, tanto católicas como protestantes. Aproveitando-se da fé da população, essas instituições se encastelaram em emissoras de rádio e TV para, com dinheiro público, fazer propaganda de seus interesses e encher os bolsos de seus proprietários, charlatães de todos os tipos, sejam eles orientados pelo Vaticano ou pelos templos evangélicos, como Edir Macedo, os bispos da Renascer ou qualquer outro.

Por uma “reforma agrária no ar”
A única forma de pôr fim a essa história é com a democratização dos meios de comunicação, o fim do monopólio, da propriedade cruzada (os mesmos grupos e famílias detêm o monopólio da informação, contando com a posse de rádios, televisões, jornais, sites, etc) e das concessões de cartas marcadas.

Algo que já foi defendido pelo PT, a CUT, a UNE e outras entidades dos movimentos sociais que, hoje, não só abandonaram essa luta, como também vivem uma promíscua relação com os Marinho, a Universal e demais representantes da mídia.
Enquanto meia dúzia de famílias e grupos continuarem a ter o monopólio dos meios de comunicação, a população continuará como vítima de suas manipulações. E também seguirá essa divisão sem sentido, pois, afinal, não estamos diante de uma briga entre o “padrão global” e a “ousadia da Record”, muito menos entre católicos e evangélicos.

Uma disputa acirrada pelas consequências da crise, que os obriga a serem mais ferozes nas suas investidas sobre o público que, infelizmente, continua sendo a principal vítima dessa situação lamentável.

Post author
Publication Date