Eduardo Zanata, de Brasília (DF)

Nesse dia 6 de outubro completam-se 20 anos do assassinato do militante do PSTU, Gildo Rocha, por dois policiais civis do Distrito Federal. Até hoje esse assassinato segue impune, com um dos assassinos tendo sido absolvido pela Justiça (o outro policial civil faleceu em 2009 e sequer foi julgado).

Quem era Gildo Rocha?

Gildo era gari, funcionário do SLU (Serviço de Limpeza Urbana), e também comerciário. Era militante do PSTU e diretor do SINDSER (Sindicato dos Servidores das Empresas Estatais do GDF). Gildo era pai de dois filhos e tinha 33 anos quando foi assassinado.

Na madrugada em que foi assassinado, Gildo e outros dois colegas de trabalho estavam realizando uma atividade tradicional do piquete de greve dos garis, furando os sacos de lixo para dificultar a ação dos fura-greves.

O assassinato e a farsa montada pelos policiais civis

Durante essa atividade, no centro de Ceilândia, enquanto Gildo aguardava no carro e os outros dois companheiros do SLU cortavam os sacos de lixo, foram abordados por um carro (sem identificação policial) e por 3 agentes da Polícia Civil à paisana. Nesse momento, os dois colegas de Gildo foram rendidos e ele deu a partida no carro e saiu. Dois agentes da Polícia Civil iniciaram a perseguição ao carro de Gildo. Os policiais acertaram 17 tiros no carro e um desses tiros atingiu suas costas e o matou. A perseguição dos policiais só cessou no momento em que Gildo perdeu a consciência e seu carro se chocou contra um poste.

Os agentes da polícia, depois de levarem Gildo ao hospital, voltaram à cena do crime, plantaram uma arma e um cigarro de maconha em seu carro, e desferiram um tiro contra o radiador do próprio veículo da corporação. Tudo isso para alimentar uma versão mentirosa dos fatos, que tentava enquadrar Gildo como um traficante que atirou contra os policiais numa tentativa de fuga.

A versão farsesca construída pelos policiais afirma que os dois policiais civis atiraram depois de terem sido alvo de três tiros partindo de carro de Gildo, um Apollo. Contudo, a perícia do IML não constatou qualquer vestígio de pólvora no corpo ou nas roupas de Gildo, indicando que ele não fez qualquer disparo. O carro apresentado pelos policiais para a perícia foi um Santana cinza, mas os dois colegas de Gildo, que ficaram rendidos sob a mira de um revólver de um terceiro policial civil, afirmam que o carro da abordagem era vermelho.

Além do mais, apenas uma testemunha “presenciou” os fatos e corroborou a versão apresentada pelos policiais. Essa testemunha, que por coincidência era um policial militar, diz que estava comendo numa lanchonete que estava a cerca de 500 metros do local dos disparos e da “troca de tiros”. O detalhe é que o dono da lanchonete afirmou em depoimento que havia fechado a lanchonete 1 hora antes dos fatos “presenciados” pela testemunha.

São muitos os indícios das fraudes periciais e de ocultação de provas durante o processo de investigação pela própria polícia civil do DF. Na época do seu assassinato houve toda uma reivindicação para que o inquérito fosse conduzido pela Polícia Federal, tendo em vista que era claro o risco do processo de apuração ser enviesado para proteger os dois policiais civis, como de fato acabou acontecendo.

O racismo nas forças policiais e a política de repressão do governo Roriz por trás do assassinato de Gildo

Um ano antes do assassinato de Gildo, a PMDF numa ação de repressão à greve dos trabalhadores da NOVACAP, que também eram representados pelo SINDSER-DF, assassinou José Ferreira, jardineiro, e deixou outros 2 trabalhadores cegos de um olho. Essa ação conhecida como o massacre da NOVACAP mostra a truculência do governo de Joaquim Roriz e sua política antissindical, que acabou resultando na morte de José Ferreira e também de Gildo Rocha.

Além disso, O motivo que levou os policiais a fazerem a abordagem a Gildo e seus companheiros numa região da periferia do DF, à noite, e depois organizar uma caçada contra Gildo até conseguir matá-lo, é a ideologia racista entranhada nas instituições policiais do país. Na visão dos policiais, três homens negros nas ruas de uma periferia, tarde da noite, não podiam fazer outra coisa a não ser “cometer crimes” e por isso era preciso abordá-los. Promoveram uma caçada no centro de Ceilândia contra uma pessoa e se acharam no dever de desferir 17 tiros contra o seu carro, baseado numa suposição alimentada por uma ideia racista, como demonstram depoimentos dos próprios policiais.

‘‘Eram três homens parados fora de um carro, em frente a um banco, de madrugada, uma hora da manhã. Como ia imaginar que faziam piquetes?’’ fala de Ronildo Brito de Mesquita, um dos três policiais envolvidos na morte do sindicalista Gildo da Silva Rocha, em Ceilândia. Os dois colegas de Gildo também relatam que assim que Gildo saiu com o carro um dos policiais disse: “Vamos abortar o cara”. Mas o depoimento do delegado da 15° DP, responsável pelo caso, mostra que o corporativismo da polícia civil também quis amenizar a gravidade do ato bárbaro cometido pelos policiais civis: ‘‘Vamos instaurar inquérito e apurar todas as questões. Vamos também procurar mais testemunhas que tenham visto a troca de tiros. Minha preocupação é que vocês (a imprensa) estão querendo passar uma imagem de que a polícia matou um sindicalista. Os policiais não sabiam que ele era do SALUB (nome anterior do SLU), muito menos sindicalista’’.

O julgamento

Em 2011, depois de 11 anos de uma longa espera, finalmente um dos acusados, Arnulfo, que conduziu o veículo que perseguiu Gildo, foi a julgamento, no júri popular (o policial que atirou no carro de Gildo, faleceu em 2009 num acidente e não chegou a ser julgado).

A estratégia do acusado para sua defesa, com apoio direto da Polícia Civil do DF foi, em primeiro lugar, mudar o local do julgamento, inicialmente marcado para ocorrer no Fórum de Justiça de Ceilândia, com um júri composto por moradores da própria cidade.

No dia do julgamento, centenas de agentes da Policia Civil, devidamente uniformizados e armados, e dezenas de viaturas da corporação cercaram o fórum de Ceilândia e promoveram uma verdadeira algazarra com buzinas, sirenes ligadas o tempo todo e a formação de um “corredor polonês” na entrada do fórum com o objetivo claro de intimidar as testemunhas e o júri.

Diante do caos instalado dentro do fórum, o juiz determinou a mudança do julgamento, a pedido da defesa de Arnulfo, que foi remarcado para outra data no Tribunal de Justiça do Plano Piloto. Assim, Arnulfo teve a primeira vitória na sua estratégia de defesa que era impedir que moradores de Ceilândia, com uma experiência muito concreta com a truculência policial, pudessem decidir sobre seu caso. Dessa vez, um júri composto por pessoas do Plano Piloto (área nobre do DF) seriam os responsáveis pelo seu julgamento.

Durante o julgamento, toda a defesa de Arnulfo foi centrada na caracterização de que ele cumpriu seu dever ao perseguir Gildo, participando diretamente de seu assassinato, pois a “fuga” e a atitude “suspeita” de Gildo, juntamente com as “provas” no seu carro (todas elas plantadas pelos próprios policiais) justificam a ação dos agentes. Infelizmente, o júri inocentou Arnulfo e manteve livre um dos assassinos de Gildo.

A luta pela memória e justiça para Gildo Rocha

Durante esses 20 anos desde seu assassinato, o PSTU e a família de Gildo travaram uma batalha política para impedir que a versão farsesca criada pelos policiais civis, com a conivência da própria polícia civil do DF, que tentava caracterizar Gildo como um criminoso, um traficante em fuga, manchasse a memória e a imagem de Gildo Rocha.

Também lutamos pela apuração rigorosa dos fatos e pela punição dos assassinos, o que lamentavelmente não aconteceu. Mas mantemos viva a memória de nosso camarada e lutamos para que a causa a qual dedicou sua vida e pela qual foi assassinado seja vitoriosa:  a luta por uma sociedade socialista.

Gildo Rocha, presente hoje e sempre!