Casal de lésbicas da novela Senhora do Destino troca `selinho`
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A simpatia conquistada por um casal de lésbicas em horário nobre e o sucesso de um gay em um reality show obriga-nos a refletir sobre a contraditória relação que a sociedade brasileira mantém com os homossexuais e, particularmente, a forma que os meios deO final da novela de maior sucesso nos últimos tempos, a global Senhora do Destino, trouxe uma cena inusitada: o casal de lésbicas, Leo e Jennifer – sorridente e feliz, com um filho, adotado e negro, no colo –, capítulos antes, anunciou que assinaria um contrato de parceria em cartório, para consolidar sua união e garantir seus direitos.

Na seqüência, milhões de telespectadores continuaram sintonizados na TV para ver mais um dia na vida dos moradores da casa do Big Brother Brasil (BBB), muitos deles torcendo para o professor universitário Jean Willis, que na primeira eliminatória do programa afirmou ter sido indicado para o “paredão” por ser gay, vítima de preconceito e, desde então, é apontado como potencial vitorioso da disputa.

Essas cenas já fizeram com que muita gente se interrogasse sobre como anda a homofobia no Brasil – não foram poucos que deduziram que a aceitação a Leo, Jennifer e Jean demonstram que o preconceito está em baixa – e, particularmente, sobre o tratamento que a mídia tem dado à representação de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBT).

Mídia e Novelas: mercado e contradições
Considerando que as novelas são os principais produtos dos meios de comunicação de massa do Brasil e, queiramos ou não, uma fonte inesgotável para o estudo do comportamento e das tendências de nossa população, seria um erro não constatar que alguma coisa mudou no que se refere à representação dos GLBTs. O “x” da questão é entender os “porquês” desta história.

Um bom ponto de partida são as novelas A próxima vítima (1995) e Torre de Babel (1998). Na primeira, dois garotos (um negro e um branco), depois de muitos percalços, acabaram juntos. Nas ruas, contudo, os atores André Gonçalves e Lui Mendes sofreram uma série de ataques, sendo que André chegou a ser espancado. Na segunda, duas mulheres bem-sucedidas poderiam ter vivido felizes para sempre, caso não tivessem explodido dentro de um shopping, algo que foi determinado pela reação negativa do público e, particularmente, dos patrocinadores, que não queriam suas marcas associadas “àquilo”.

Para entender o que aconteceu de lá para cá, é fundamental lembrar que 1995 foi o mesmo ano em que ocorreu a Primeira Parada do Orgulho GLBT no Brasil. Independente das críticas que temos em relação à despolitização das Paradas, é impossível negar que seu crescimento, por um lado, demonstra o aumento da mobilização e da visibilidade GLBT e, por outro (mais importante para a mídia), evidencia um “público consumidor” em potencial, que o mercado não ousa desprezar.

Homossexuais “aceitáveis”
É exatamente a lógica capitalista do mercado que determina a forma de representação dos personagens GLBT na atualidade. A história é simples: “já que eles não podem ficar fora das histórias, que sejam ‘aceitáveis’ para todos”.

Basta olhar as últimas novelas para ver o significado disso. Tanto em Mulheres Apaixonadas quanto em Senhora do Destino, os casais foram formados por belas jovens loirinhas, hiperfemininas, de classe média, que praticamente nunca se tocam, não freqüentam nenhum ambiente GLBT e adaptam-se perfeitamente aos padrões de seu grupo social.
Já os gays continuam presos aos mesmos estereótipos de sempre: são “engraçados”, afeminados (que, com alguma sorte, encontram um homem “de verdade” – malhado, ignorante e calado – como na última novela) e, de preferência, fúteis.

Em suma, mais do que investir contra o preconceito, o que faz a mídia, e a Globo em particular, é adaptar-se à realidade para garantir seus interesses mercadológicos. Uma lógica que também serve para explicar o sucesso de Jean no BBB. Em primeiro lugar, é preciso afirmar que qualquer um que concorde em entrar nesse jogo não pode ser tomado como exemplo de alguém que lute por um mundo mais libertário ou até mesmo como crítico da sociedade que vivemos.

Sua participação só pode ser entendida como parte da estratégia do programa, que segue a mesma lógica das novelas. A existência de públicos diferenciados (que já determinou a inclusão de outros gays, como também é responsável pela presença, por sorteio, de “gente do povo”) é vista como fundamental para aumentar os filões do público que se identificarão com os “personagens”.

Jean, nesse sentido, é quase perfeito: ganhou facilmente a simpatia do público gay e conquistou apoio de uma parcela significativa de quem se identifica com um jovem educado, bem comportado e inteligente (principalmente em contraposição ao bando de trogloditas que se apresentaram como seus oponentes).

Por fim, é importante ressaltar que, tanto as novelas quanto o BBB, apóiam-se em uma tendência majoritária do movimento GLBT: a de que qualquer visibilidade serve e, principalmente, a de que a “luta” dos homossexuais deve ser pela integração e aceitação na sociedade capitalista. Enquanto isso, gays e lésbicas, que não se incluem no “padrão global”, continuam vítimas de todo tipo de violência nas ruas e na sua vida cotidiana e os direitos conquistados no mundo da ficção continuam inexistentes, bloqueados pelas mesmas elites apoiadas pela Globo.

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