BNDES promete R$ 4 bilhões para Abilio Diniz comprar filial brasileira do Carrefour para supostamente “fortalecer empresas nacionais”. Será?A fusão entre a rede de supermercados Pão de Açúcar com a subsidiária do francês Carrefour vai mudar radicalmente o mercado varejista no país. Mas, o que seria mais uma notícia sobre fusões, e a consolidação de mais um monopólio no Brasil, porém, se torna ainda mais escandaloso pelo fato de a negociação ser viabilizada através de dinheiro público.

Para viabilizar o acordo, os cofres públicos, através do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), vão despejar R$ 4 bilhões de reais nos bolsos das multinacionais. Dinheiro do povo para garantir lucros privados. Tudo feito em nome do “desenvolvimento nacional”.

Nesse teatro, o BNDES teria o papel de patrocinar as multinacionais brasileiras na disputa do mercado mundial. Por consequência, a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour estaria plenamente justificada. Afinal, seria mais uma multinacional “canarinho” que se juntaria a Vale, Petrobrás e outras gigantes “tupiniquins”. Como afirmou o empresário Abílio Diniz, do Pão de Açúcar em entrevista ao “Jornal Nacional”: “O BNDES fez um bom negócio. Está evitando que o sistema de abastecimento seja totalmente desnacionalizado. Acho que está fazendo um serviço para o consumidor, para a sociedade, para todos os brasileiros”. Mas será que esse enredo é verdadeiro?

O avanço da desnacionalização
O investimento do BNDES na compra do Carrefour pelo Pão de Açúcar se insere na declarada política do governo de impulsionar a criação de “vencedores” nacionais, de grandes empresas globais, supostamente brasileiras. É o caso, por exemplo, da compra da Brasil Telecom pela Oi, da fusão da AmBev com a belga Interbrew ou da Perdigão com a Sadia.

Essas fusões, porém, não criam grandes empresas brasileiras que vão explorar o mercado internacional. Resultam em multinacionais, no máximo, geridas por brasileiros, mas controladas por capital estrangeiro.

Mas o desvio de dinheiro público para negócios privados é colorido com um verniz nacionalista, supostamente progressivo. Mais uma vez um jogo de ilusões. O caso da negociação do Pão de Açúcar nos ajuda a revelar a verdade a respeito da política econômica do governo Dilma. O grupo que será criado a partir da fusão dos dois hipermercados terá 61% de capital francês (Folha de S. Paulo 01/07/2010), controlados pelas redes Casino e Carrefour. Dito de outra forma, o governo brasileiro injetou bilhões para criar a 3° maior empresa do país, a qual será predominantemente estrangeira.

A conta do supermercado e o monopólio
A união das duas maiores redes varejistas do país refletirá em breve no bolso de muitos brasileiros, na hora de pagar a conta do supermercado. O Pão de Açúcar e o Carrefour possuem juntos 32,4% do setor e esse índice cresce nos grandes centros urbanos. A fusão dos dois grupos representará um controle em larga escala dos preços dos produtos oferecidos, aumentando o poder de barganha por parte da empresa na compra e oferta de mercadorias. Esse maior domínio do mercado vai criar um grupo hegemônico no setor varejista, diminuindo a concorrência e elevando os preços.
Portanto, o governo está financiando a formação de um monopólio que provavelmente deixará mais caros os alimentos e os artigos básicos de consumo. Esse aumento de preços acontecerá justamente num contexto de subida da inflação, sobretudo dos alimentos. Em resumo, essa fusão de supermercados com a ajuda do governo não parece uma boa ideia para os trabalhadores.

Por outro lado, a fusão vai aprofundar o controle da empresa não só sobre a distribuição, mas de toda a cadeia de produção de uma série de produtos. Vai aumentar a pressão sobre pequenas e médias empresas, principalmente, sobre aqueles pequenos fornecedores que, na prática, atuam como terceirizados das grandes redes.

Dinheiro público para empresários
Num país como o Brasil, onde a educação está em ruínas e a saúde é uma tragédia, seria sensato que o dinheiro público fosse utilizado para fins sociais. A maioria dos trabalhadores pensa assim. Mas não é o que faz o governo Dilma.

Desde abril de 2007, o banco de financiamento do governo (BNDES), por meio do BANESpar, despejou R$ 46,2 bilhões em grandes empreendimentos privados nas áreas de telefonia, mineração, petróleo e gás, frigoríficos, energia e até em celulose.
Há, assim, um “desvio” contínuo de imensas riquezas do povo brasileiro para sustentar negociatas privadas. Alguns exemplos são esclarecedores. Ainda sob o governo Lula, a JBI (rede de frigoríficos) arrecadou R$ 1,1 bilhão de reais dos cofres públicos, a Votorantim R$ 1,8 bi e a Bertin R$ 2,5 bilhões.

Serviços públicos
O sequestro do dinheiro público chega a ser escandaloso se comparado aos gastos sociais. Para se ter uma ideia, o custo com o Bolsa Família em 2010 foi de R$ 13 bilhões, enquanto que o patrocínio do BNDES ao setor privado registrou R$ 23,1 bilhões no mesmo ano. Ou seja, os grandes empresários receberam R$ 10 bilhões a mais do que todas as famílias beneficiadas pelo principal programa social do governo.
Porém, a situação é mais grave, pois essa ajuda aos empresários dá-se em prejuízo aos investimentos sociais. Neste ano, o governo já cortou R$ 50 bilhões do orçamento, afetando as verbas para educação e saúde, enquanto a iniciativa privada vai receber R$ 13 bilhões de incentivos públicos. Com o dinheiro que o governo vai gastar na fusão dos supermercados daria para construir 7.870 Unidades Básicas de Saúde, ou 4.200 creches, ou 1.000 escolas. Verdades simples – mas bem escondidas – que desmancham no ar o discurso popular do governo.

É preciso que, diante desses fatos incontornáveis, os trabalhadores cheguem a uma segunda conclusão: o governo federal está a serviço dos grandes grupos multinacionais que controlam os setores fundamentais da economia brasileira.

É possível outro modelo de desenvolvimento?
Ao contrário do cenário pintado pelo governo, o país está mais dependente do capital internacional. Há uma política sistemática de transferência de dinheiro público para garantir lucros privados e, ao mesmo tempo, existe um avanço do capital internacional que já controla cerca de 70% das empresas brasileiras.

Esta crescente subordinação do país às multinacionais estrangeiras só é possível à custa do sacrifício dos trabalhadores e do povo. As filas nos hospitais e os salários de fome dos professores são testemunhas do desastre social resultante da política econômica do governo. O dinheiro economizado em gastos sociais é canalizado para o pagamento dos juros da dívida pública e para o financiamento público do setor privado.

Diante desse quadro, um trabalhador honesto poderia perguntar: Tudo bem, o governo não fez as melhores escolhas, mas é possível um modelo alternativo? O que temos não é o único caminho existente?

Sim, existe outro caminho. Para atender às necessidades mais sentidas do povo é preciso um aumento geral dos salários e o congelamento dos preços dos alimentos, aluguéis e tarifas de água e luz. Para consegui-lo é necessário atacar os lucros dos empresários com a reestatização das empresas privatizadas (Vale, Embraer e CSN), a taxação das grandes fortunas, a nacionalização do agronegócio e a reforma agrária no campo.

Ao mesmo tempo, não há um país decente sem educação, moradia e saúde de qualidade. Para garantir os investimentos sociais necessários é preciso o fim do pagamento da dívida pública e dos patrocínios do BNDES ao setor privado. Sem bancar a agiotagem da dívida e as negociatas privadas, seria possível investir, também, em cultura, esporte e preservação ambiental.

A dupla farsa de Abílio Diniz
Dezembro de 1989. O empresário Abílio Diniz é supostamente sequestrado por integrantes do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR). O sequestro é revelado ao país após a libertação do executivo, no dia 16 de dezembro, véspera do segundo turno da primeira eleição na qual se enfrentavam Collor e Lula.

Os sequestradores são presos e apresentados a imprensa. Um deles está com uma camisa do PT. Materiais da campanha de Lula também supostamente estavam com os sequestradores. Tratava de uma grande farsa envolvendo a mídia, polícia e Abílio Diniz, que vai servir como uma das principais explicações da derrota de Lula naquela eleição.

Maio de 2010. Diniz é o primeiro empresário a declarar apoio à campanha presidencial de Dilma. Pouco antes, tinha se declarado um “fã de carteirinha” do presidente Lula.
Hoje, o empresário que está à frente da fusão entre as duas redes de supermercado, é exemplo do que aconteceu com grande parte da burguesia nacional. Com a desnacionalização da economia, empresas foram adquiridas por multinacionais e muitos burgueses se tornaram sócios minoritários do capital estrangeiro.

Assim como em 1989, Abílio Diniz hoje participa de outra farsa. A farsa de que a compra do Carrefour pelo Pão de Açúcar se insere na declarada política do governo de impulsionar o “capital nacional”.

* colaborou Diego Cruz.
Post author Gabriel Casoni, de Minas Gerais e Vinícius Zaparoli, de São Paulo*
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