Cartaz pedia a extradição do ditador
Reprodução

Ditador Alberto Fujimori foi extraditado depois de grandes mobilizações no Peru e no Chile; agora, a mobilização deverá impor a sua condenaçãoO ex-presidente peruano, Alberto Fujimori, que há sete anos fugiu para o Japão, chegou ao Peru no dia 22 de setembro, vindo do Chile, para ser julgado por corrupção e violação dos direitos humanos. Foi transportado de Santiago para Lima depois de o Supremo Tribunal Chileno ter ordenado sua extradição.

Fujimori é acusado de sete crimes na sentença de extradição. Entre eles estão os de escuta telefônica ilegal, desvio de dinheiro público, fuga do país, abuso de autoridade, seqüestro e, principalmente, o de ter ordenado dois massacres em Barrios Altos e La Cantuta. Estudantes, um professor e uma criança estavam entre as dezenas de mortos nos massacres promovidos pelos esquadrões da morte do governo. Está pendente um pedido de esclarecimento por parte das autoridades peruanas sobre o caso da invasão militar à Penitenciária Miguel Castro-Castro, ocorrido em 6 de maio de 1992, em que 42 presos políticos foram assassinados.

O ditador
Nas eleições presidenciais do Peru, em 1990, Fujimori apareceu como candidato franco-atirador, sem apoio dos principais partidos, mas com apoio total do imperialismo para iniciar a implantação das políticas neoliberais naquele país. Foi um processo muito semelhante ao surgimento de Fernando Collor nas eleições de 1989 no Brasil. O discurso também era parecido, com a pregação da modernidade, acusações ao Congresso – que ele chamava de “dinossauro” – e o discurso do combate à corrupção.

Em 5 de abril de 1992, com o apoio de setores da população que tinha ódio dos políticos corruptos, Fujimori fechou o Congresso, ocupou os meios de comunicação e interveio no Poder Judiciário, executando o que ficou conhecido como “autogolpe”. Ele passou de presidente eleito para ditador do país.

A partir de então, os ataques à classe trabalhadora foram brutais: privatizações, demissões em massa, rebaixamento dos salários e fim de qualquer liberdade democrática para protestar. Fujimori encobriu esta situação – com a anuência do imperialismo – com suas ações de grande repercussão internacional contra o Sendero Luminoso, um partido de orientação maoísta, que trilhou o caminho da luta armada contra o governo.

Em 1993, foi promulgada a nova constituição que abriu as portas para a entrada do capital internacional sem nenhum controle e permitiu a “reeleição” de Fujimori numa farsa, sem nenhuma oposição. Com a crise da economia mundial em 1999, a continuidade da aplicação do receituário neoliberal encontrou mais dificuldades. Fujimori, então, fugiu para o Japão em novembro de 2000, ainda como presidente, aproveitando uma viagem para Brunei.

O ditador escapava, assim, de uma onda de grandes mobilizações de rua contra seus planos de perpetuação da ditadura. Fugia das denúncias de corrupção contra seu principal assessor, Vladimiro Montesinos, e do desmascaramento da negociação entre os partidos para uma transição negociada do poder, deixando Fujimori impune. Completando o quadro, havia um início de crise na base das Forças Armadas. Num desprezo total ao povo peruano, sua demissão foi enviada por fax ao Congresso.

Chegou de surpresa ao Chile, em novembro de 2005, para preparar uma nova candidatura à presidência do Peru, na eleição de 2006. O tribunal eleitoral de Lima recusou-a, e a Corte Suprema do Peru pediu sua extradição. Fujimori ficou em prisão domiciliar no Chile, refém de uma longa batalha jurídica, até que sua extradição foi decidida. Por ter dupla cidadania, Fujimori ainda tentou, desesperadamente, uma vaga ao senado do Japão nas recentes eleições de 2007, não conseguindo mais que 7.000 votos.

Extradição: uma vitória das massas peruanas e chilenas
Tudo indicava que a sentença em primeira instância dada pelo juiz Orlando Alvarez, em 11 de julho passado, negando a extradição, seria ratificada. A justiça chilena ficou conhecida pelas manobras que fez para proteger o ditador chileno Augusto Pinochet, que morreu sem ser julgado pelos seus crimes.

Além disso, o atual presidente do Peru, Alan García [1], queria ver Fujimori longe, devido às ligações que ele próprio tem com o “fujimorismo”. Seu vice-presidente, o almirante Giampietri, é velho amigo de Fujimori. Também Julio Favre, partidário de Fujimori, acaba de ser designado por García para “reconstruir” o sul do Peru, abalado por terremotos. Até hoje a população vive em meio às ruínas e necessita fazer filas para comer o pouco enviado pelo Estado.

A situação começou a mudar em fins de agosto. As massas chilenas saíram às ruas, numa jornada histórica que deu um duro golpe no governo de Michelle Bachelet. Embora a extradição de Fujimori não fosse parte das reivindicações – a reivindicação principal foi o aumento geral de salários – o certo é que a mobilização dos trabalhadores chilenos colocou o governo contra a parede.

Da mesma maneira, em 11 de setembro, ao completarem-se 37 anos do golpe militar fascista do assassino Augusto Pinochet, as massas chilenas voltaram a tomar as ruas com mobilizações importantes que chegaram até o palácio presidencial de La Moneda. Nos bairros mais pobres de Santiago, houve enfrentamentos com os Carabineiros. Esse fato, devido à emoção que a lembrança das mortes e desaparecimentos perpetrados pela ditadura provoca nas massas chilenas, reduziu a capacidade de manobra do governo e do poder judicial chilenos, levando-os à decisão da extradição.

Também no início de setembro, os trabalhadores peruanos voltaram às ruas para exigir que se respeitem seus direitos trabalhistas e sindicais, num momento de alta de preços dos produtos de primeira necessidade. García respondeu com um aumento miserável de 50 soles no salário mínimo. Com a extradição, as massas peruanas deram um novo passo em sua exigência irrenunciável de fazer justiça. As massas chilenas ganharam, com esta decisão, um direito que lhes foi negado por essa mesma justiça quando se recusou a julgar Augusto Pinochet.

Um problema para Alan García
Porém não é apenas pela aliança política com o “fujimorismo” que García pode ver-se em maus lençóis. A exigência das massas peruanas de apuração de crimes cometidos no passado pelo ditador pode atingi-lo diretamente. Presidente de 1985 a 1990, afundou o país numa hiperinflação e foi responsável por vários massacres de presos políticos, com 274 mortos [2], além do assassinato do dirigente mineiro Saul Cantoral por grupos paramilitares ligados ao governo. Seu governo foi tão corrupto quanto o de seu sucessor Fujimori. Como se vê, este teve a quem “puxar”.

Conta-se, também, que García, secretário geral do partido aprista nos anos de chumbo da ditadura de Fujimori, manteve contatos secretos com o Serviço de Inteligência, o SIN, de quem receberia dinheiro. Se levarmos em conta o apoio imprescindível que o atual presidente tem recebido da bancada fujimorista no Congresso, que conta com a filha e o irmão de Fujimori, para aprovar a mesma política econômica que assola a classe trabalhadora, esta denúncia não assombra ninguém.

Junte-se a isso o fato que a pobreza não foi reduzida no Peru, afetando metade da população, e que os patrões continuam atacando a vanguarda lutadora, demitindo até quem se atreve a sindicalizar-se, como aconteceu recentemente nas empresas Topy Top, Marcona, Camposol, Casapalca e Celima.

O julgamento e a punição de Fujimori serão decididos nas ruas
Após a extradição, a justiça peruana torna-se a responsável para julgar e condenar o ditador, mas os trabalhadores peruanos não têm o menor motivo para confiar no Poder Judiciário do país, herdeiro direto do corrupto sistema judicial de Fujimori, com os mesmos juízes que se compravam como caramelos com o talão de cheques da ditadura.

Os trabalhadores devem exigir que o julgamento a Fujimori seja totalmente público, que nada fique reservado às “altas autoridades” da justiça corrupta, com um tribunal democraticamente eleito, onde estejam representadas as organizações dos trabalhadores e do povo que sofrem as atrocidades do regime desde Fujimori até hoje. É sob o amparo da Constituição de 1993 que García governa hoje. É com uma política econômica imposta pelo golpe que a ditadura patronal se impõe, realizando enormes lucros sobre as costas e a miséria dos trabalhadores.

Somente o avanço das lutas que vêm acontecendo no Peru – forçando as organizações sindicais peruanas a romperem a trégua que, de fato, fizeram com o governo – podem conseguir a punição exemplar a Fujimori e a todos os responsáveis pelo genocídio da ditadura – Montesinos, Hermoza Ríos, Martin Rivas, Joy Way, Venero – e inclusive García, como chefe das Forças Armadas de 1985 a 1990.

NOTAS:
1.
Alan García é membro do APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana). Foi eleito em 2006 em segundo turno, apoiado pelas principais forças de direita do país, contra o candidato populista Ollanta Humala.
2. Em 4 de outubro de 1985, os presos do Sendero Luminoso da prisão de Lurigancho se rebelaram para evitar uma revista. A Guarda Republicana do Peru deixou um saldo de 30 mortos. Em 18 e 19 de junho de 1986, em outra rebelião em 3 prisões de Lima, foram executados 244 presos. Em Frontón morreram 118, em Lurigancho 124 e em Santa Bárbara, 2. (relatório da Comisión de la Verdad y Reconciliación do Peru).

LEIA TAMBÉM:

  • No site do Partido Socialista dos Trabalhadores, do Peru: Fujimori extraditado!