Após deixar a UTI do hospital Memorial de Petrolina (PE), o bispo de Barra (BA), Luiz Flávio Cappio anunciou no dia 20 o fim da greve de fome que avançava para o seu 24º dia. O fim da greve se deu após inúmeros pedidos de familiares, amigos e dirigentes de movimentos sociais e populares. O frei foi internado na tarde do dia anterior, após desmaiar ao ser informado que o Supremo Tribunal Federal decidira liberar a continuidade das obras de transposição do Rio São Francisco.

Extremamente debilitado, Frei Cappio, de 61 anos, já enfrentava problemas renais, sangramento nos lábios e dores no corpo além de ter perdido 9 quilos. Apesar de inúmeras tentativas de negociação com o governo, Lula se mantinha intransigente, recusando-se até mesmo a suspender temporariamente as obras para discutir o projeto de transposição.

No dia 19, 23º dia de jejum, o frei divulgou 8 condições para pôr fim à greve de fome, entre elas a interrupção das obras e a retirada do exército do local. O governo, porém, negou-se mais uma vez a abrir negociação, colocando a vida do frei em perigo. Ao perder qualquer ilusão no governo, Cappio esperava que o STF determinasse a paralisação das obras. No entanto, assim como o governo, a Justiça também revelou seu caráter de classe, atuando em benefício de fazendeiros e das multinacionais.

O anúncio do fim da greve ocorreu durante missa campal realizada em frente à Igreja de São Francisco, em Sobradinho (BA), local de jejum do frei. A missa foi acompanhada por cerca de mil pessoas, entre fiéis e representantes de movimentos sociais. Com o frei ainda frágil, a carta de Cappio precisou ser lida por um assessor.

Governo mostra sua cara
A transposição do rio continua, mas o governo Lula sai desgastado da greve de fome. Além de romper com o acordo realizado dois anos atrás com o bispo, durante sua primeira greve de fome, Lula se manteve intransigente desta vez. Mais do que isso, lançou-se numa raivosa ofensiva contra o frei.

O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB), divulgou artigo atacando e ridicularizando o protesto de dom Cappio. Geddel, ao mesmo tempo em que ataca o frei, reconhecida e respeitada liderança social na região, protagoniza um típico caso de fisiologismo e a política do “toma-lá-da-cá”. De opositor ao projeto, o ministro passou a ser árduo defensor da transposição tão logo assumiu a cadeira da Integração, após obscuras negociações entre seu partido e governo. Geddel mereceu uma resposta de Cappio.

A fim de desmoralizar Dom Cappio, o governo teve ainda a ajuda de personalidades reconhecidas entre a esquerda. O jornalista, professor da USP e ex-assessor de comunicação da Presidência, Bernardo Kucinski, chegou ao cúmulo de divulgar um artigo com o seguinte título infame: “O Bispo de Barra quer morrer”.

Durante os mais de vinte dias de protesto, o governo revelou seu caráter autoritário, cruel e neoliberal. Lula não só não negociou como, pessoalmente, ridicularizou o protesto do frei e de milhares de ativistas de movimentos sociais e populares que lutam contra a transposição. “Eu sei o que é de greve de fome, dá uma fome danada”, chegou a comentar em tom de brincadeira durante café da manhã com jornalistas em Brasília, enquanto o bispo estava internado na UTI.

Desta forma, o desgaste do governo aumenta não só entre a população, mas se amplia principalmente entre a base dos movimentos sociais.

Mobilização continua
A greve de fome do frei Luiz Cappio não impediu a continuidade das obras de transposição, mas foi responsável por ampliar a mobilização contra o projeto. Entidades e organizações como o MST, Movimento pelos Atingidos por Barragens (MAB), CPT, Grito dos Excluídos, além da Conlutas e Intersindical, uniram-se em protesto à transposição. A campanha contra a transposição cresceu e adquiriu um caráter nacional.

Apesar do boicote inicial da grande imprensa, a extensão do ato corajoso de Cappio forçou a divulgação do protesto na mídia. O engajamento de celebridades, como a atriz e ativista Letícia Sabatella, além do ator Marcos Prado, deram ainda mais visibilidade ao jejum. Atos de apoio ao frei ocorreram em todo o país.

O fim da greve de fome, no entanto, não vai arrefecer a mobilização. Movimentos sociais e populares preparam para fevereiro um encontro dos povos da Bacia do São Francisco e do Semi-Árido Brasileiro, a fim de discutir a transposição e a luta contra o projeto.

Resta apenas que entidades como o MST façam um balanço honesto da greve de fome e da imposição da transposição, rompendo definitivamente com esse governo aliado dos fazendeiros e do capital internacional.

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