No dia 12 de dezembro de 2007, o governo sofreu uma derrota histórica no Senado, com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Instituída por Emenda Constitucional em 1996, durante o governo FHC, sob a justificativa de financiar a saúde pública, esta contribuição foi, na verdade, uma contribuição para o ajuste fiscal e para o cumprimento das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida pública aos grandes banqueiros e especuladores. O quadro abaixo mostra que com o surgimento da CPMF, grande parte das demais receitas que vinha sendo destinada à Saúde deixou de financiá-la. Apesar da CPMF, o gasto com saúde caiu de 2,12% do PIB em 1995 para 1,72% do PIB em 2006.

Além da utilização dos recursos que antes financiavam a Saúde para o cumprimento do superávit primário, a significativa parcela de 20% dos recursos da CPMF, e de muitos outros impostos e contribuições, podem ser desviados pelo governo por meio da Desvinculação das Receitas da União (DRU), perverso mecanismo que, infelizmente, foi mantido pelo Senado nesta mesma votação do dia 12 para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.

A arrecadação da CPMF, no período de janeiro a outubro de 2007, foi de R$ 29,6 bilhões. No mesmo período, o prejuízo do Banco Central, decorrente da desastrosa política econômica que privilegia os juros da dívida, foi de R$ 58,5 bilhões, ou seja, o dobro da arrecadação da CPMF, tributo que se mostrou extremamente injusto, repassado ao preço dos produtos e pago pelos consumidores finais, especialmente os mais pobres, que gastam quase toda sua renda em consumo. Por outro lado, os mais ricos são isentos desta contribuição quando fazem suas aplicações financeiras em Bolsas de Valores.

Para 2008, estão previstos R$ 248 bilhões para o pagamento dos juros e amortizações da dívida federal, enquanto apenas serão destinados R$ 48 bilhões para a saúde, R$ 26 bilhões para a educação e R$ 5 bilhões para Reforma Agrária. Os R$ 248 bilhões previstos para a dívida no ano que vem representam mais de seis vezes a arrecadação prevista da CPMF em 2008. Ignorando completamente este fato, o governo prefere cortar gastos sociais ao invés de cortar os gastos com a dívida. Imediatamente após a derrota no Senado, o Presidente Lula e os Ministros da Fazenda e Planejamento declararam à imprensa que o superávit primário não será tocado, em uma nítida intenção de agradar os “mercados”, ou seja, os credores da dívida pública.

Em contrapartida, a saúde não receberá nem os pífios recursos adicionais (R$ 24 bilhões nos próximos 4 anos) aprovados pela Câmara na recente regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, uma vez que estes recursos estavam condicionados à existência da CPMF. Isso é uma infâmia, porque não faltam recursos para cobrir os crescentes prejuízos apresentados pelo Banco Central.

O ministro da Fazenda afirmou ainda que estuda o fim dos reajustes salariais dos servidores, e que está suspensa a ampliação da política industrial. Haverá maior contingenciamento de despesas (ou seja, cortes de gastos para fazer superávit primário), e as estatais – como a Petrobrás, Banco do Brasil e Eletrobrás – serão obrigadas a realizar um maior superávit primário, ou seja, terão de lucrar mais para repassar esses lucros ao governo, garantindo o pagamento da dívida pública. Isto significa que haverá mais arrocho sobre o povo, que já sofre com os altos preços dos combustíveis, energia elétrica e juros e tarifas bancárias. O governo também estuda reduzir o ressarcimento aos Estados e Municípios pelas perdas com a Lei Kandir, que isentou de ICMS os produtos primários destinados à exportação, mesmo por empresas altamente lucrativas, como as do ramo de mineração. Enquanto isso, os estados e municípios sofrem grave crise financeira, decorrente também dos vultosos pagamentos das suas questionáveis dívidas com a União, que por sua vez utiliza esses pagamentos, em sua totalidade, para pagar a dívida interna federal.

O governo não admite mexer no superávit primário, a fim de preservar o gasto absurdo com o endividamento. Não aceita mexer nas altíssimas taxas de juros, e nem na política monetária e cambial irresponsável do Banco Central, que tem permitido e estimulado a entrada maciça dos especuladores no país, para ganharem rios de dinheiro com a dívida pública brasileira. Em 2006, o governo Lula isentou de Imposto de Renda os ganhos dos investidores estrangeiros com a dívida interna, ao mesmo tempo em que emite títulos sem limite algum, impulsionado pelo ritmo do fluxo de dólares dos estrangeiros. É por causa desta manobra dos especuladores e banqueiros que o Banco Central apresentou prejuízo recorde de R$ 58,5 bilhões no curto período de janeiro a outubro de 2007, que será integralmente coberto com recursos do Tesouro Nacional, ou seja, recursos do orçamento ou decorrentes da emissão de mais títulos da dívida interna.

O mais grave é que não se vislumbra qualquer contrapartida para a dívida interna, fruto de juros sobre juros, prestando-se a privilegiar os especuladores, o que é um verdadeiro escândalo diante das imensas necessidades sociais do povo brasileiro. Esta dívida é ilegítima, por isso precisa urgentemente ser auditada, conforme prevê a Constituição Federal.