Redação

Leia o 1º artigo do especial “Reforma da Previdência e as Mulheres”

A proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo Temer ao Congresso Nacional representa um duro ataque ao conjunto dos trabalhadores, entretanto, para as mulheres trabalhadoras tem um impacto ainda mais profundo. Em todos os aspectos, as mulheres serão as mais penalizadas.

Não se trata apenas de equiparar o tempo contribuição para aposentadorias de homens e mulheres, como pensam alguns. A imposição de uma idade mínima para aposentadoria, o fim da aposentadoria por idade, da aposentadoria especial para professores e trabalhadores rurais, da possibilidade de acumular a aposentadoria com a pensão por morte e a desvinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo, entre outras modificações, acarretará consequências diferenciadas e, evidentemente mais brutais, para as mulheres.

Isso ocorre na medida em que sua condição desigual na sociedade, resultante do machismo, já impõe a elas uma localização muito mais precária e difícil no mercado de trabalho, onde acumulam, ademais, a dupla ou às vezes tripla jornada; e as transforma nas principais vítimas da pobreza e da miséria.

Essa reforma significará mais pobreza e mais miséria para o conjunto dos trabalhadores, disso não há dúvidas, mas, diante da gravidade da proposta, bem como do impacto diferenciado para as mulheres, é preciso detalhar desde o ponto de vista das trabalhadoras cada item da mesma. É o que pretendemos com o especial “A Reforma da Previdência e as Mulheres”. Nesse primeiro artigo, vamos tratar especificamente do fim da aposentadoria por idade.

O triste fim da aposentadoria por idade
Na terça-feira, 6 de dezembro, no mesmo dia em que o país vivenciava uma das mais graves crises institucionais dos últimos tempos, cujo desfecho revelou à população a função do poder judiciário, de guardiã dos interesses exclusivos da burguesia (e não da Constituição ou da Justiça “em abstrato” como muitos pensavam); e que o PT, mais uma vez, escancarava o seu papel traidor da classe trabalhadora, o governo Temer enviava ao Congresso Nacional sua proposta de reforma da Previdência, cujo teor representa um dos mais brutais ataques à classe trabalhadora. Entre as medidas está o fim da aposentadoria por idade, mudança particularmente perversa para as mulheres trabalhadoras que são a maioria das que se aposentam por idade no país.

Para entender como essa medida vai impactar os trabalhadores e as trabalhadoras primeiro é preciso compreender como são as regras atuais. Atualmente, para se aposentar por idade, a trabalhadora ou o trabalhador urbano (os rurais têm uma regra própria) precisam ter pelo menos 60 anos no caso das mulheres, e 65 anos os homens. Em todos os casos, é obrigatório ter contribuído ao INSS por no mínimo 15 anos. A forma de cálculo da aposentadoria por idade é específica, são 70% do valor da aposentadoria integral mais 1% para cada ano de contribuição.

Por exemplo, se uma pessoa contribuiu por 15 anos, a aposentadoria dela será 85% do valor integral (70% + 15%). Se ela tivesse direito a uma aposentadoria integral de R$ 2 mil, ela receberia 85% disso, ou R$ 1.700.

A presença cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho se reflete diretamente na Previdência Social, onde elas já são maioria. Em 2015, por exemplo, dos 28,3 milhões de benefícios concedidos pelo INSS, mais de 16 milhões (56,7%) foram para mulheres. A maior parte foi para seguradas urbanas (65,7%), sendo que dessas, 6,1 milhões (57,8%), se aposentou por idade. No entanto, em termos monetários, a fatia concedida a elas foi menor. Em dezembro desse mesmo ano, o total dos benefícios ultrapassou R$ 29 bilhões, mas somente R$ 14,9 bilhões (51,3%) foram destinados às mulheres. Isso significa que, enquanto o valor médio do benefício concedido aos homens trabalhadores foi de R$ 1.160, para as trabalhadoras foi de apenas R$ 934, ou seja, 20% menor que benefício médio dos homens.

17719530que as mulheres são maioria dos aposentados por idade?
As mulheres são a maioria dos aposentados por idade, mas, por que isso ocorre? É aí que entra o machismo e sua utilização pelos capitalistas para superexplorar as trabalhadoras. Como a sociedade impões às mulheres a responsabilidade pelo trabalho doméstico, o acesso delas ao mercado de trabalho é afetado por fatores como a maternidade, a garantia da manutenção da casa e os cuidados com os filhos e a família.

Não é raro mulheres abandonarem seus empregos após terem filhos, tanto porque a conciliação da maternidade com o trabalho é, via de regra, penosa para as mulheres, mas sobretudo, porque a falta de estrutura para garantir o cuidado dos filhos, torna realmente inviável para uma ampla camada de mulheres mães seguirem trabalhando. O mesmo se pode dizer quando um membro da família adoece e a mulher abandona o emprego para cuidar do doente. À primeira vista pode parecer uma simples opção. Não é, por trás da aparente decisão da mulher em se dedicar ao lar e à família há uma imposição social, cujas consequências elas carregam também no momento da aposentadoria.

Citaremos alguns dados estatísticos que ajudarão a comprovar essa afirmação: 1) as mulheres representam 65,5% da população fora da força de trabalho, mas o perfil delas não é de idosas que, aposentadas, optam por não se inserirem no mercado de trabalho. Ao contrário, a média de idade das mulheres nesta posição é de 52 anos, muito inferior à média de idade masculina, (64,3 anos).

Os homens brancos deixam a força de trabalho com idade média de 65,7 anos, enquanto que as mulheres negras encontram barreiras para participarem do mercado muito mais novas, com média de 49 anos. 2) outro exemplo: enquanto menos da metade dos homens que estão fora da força de trabalho tem filhos, entre as mulheres esse percentual se eleva para quase 2/3, sendo que entre as negras ultrapassa os 68%. A idade média dos filhos das mulheres fora da força de trabalho tende, também, a ser menor do que a dos homens na mesma condição (18,8 contra 24,5 anos) e o número médio de filhos delas (1,2 filhos) ao contrário, é maior que os deles (0,7 filhos).

Em terceiro lugar, as mulheres estão mais sujeitas ao desemprego. Em momentos de crise econômica como o que estamos vivendo agora, as mulheres são as primeiras a serem demitidas e o desemprego estrutural atinge principalmente as mulheres. Dados do IBGE divulgados recentemente demonstram que as mulheres representam 50,1% que dos 12 milhões de desocupados no país, mas, enquanto a taxa de desocupação entre as mulheres é de 13,5%, entre os homens é de 10,5%.

Além disso, das 6,1 milhões de pessoas no Brasil que estão fora da força de trabalho, mas teriam potencial de estarem integrados a ela, 60,1% são mulheres. Esta estimativa associada à desocupação traz uma taxa combinada de desocupação e força de trabalho potencial que atinge hoje 20,1% das mulheres, isto é, 1 em cada 5 brasileiras em condições ou potencial para trabalhar estão fora do mercado de trabalho, entre os homens esse percentual é bem menor, 14,1%. 4) outros dois fatores que influenciam diretamente na aposentadoria são o subemprego e a informalidade que também afetam mais as mulheres. Entre os trabalhadores domésticos, por exemplo, onde a minoria tem carteira assinada (33,1%), as mulheres são 92%, sendo a maioria absoluta mulheres negras.

Todos esses fatores (abandono temporário ou permanente da força de trabalho, desemprego, subemprego ou informalidade) implicam, em boa medida, na quebra da qualidade de segurada do INSS, o que leva a que as mulheres tenham muito mais dificuldade de se aposentar por tempo de contribuição. A verdade é que a média de idade para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição para as mulheres em 2015 foi de 57,5 anos (para os homens foi de 59,3 anos), mas como parte significativa das aposentadorias das mulheres foi por idade, é possível concluir que apesar de estarem inseridas massivamente no mercado de trabalho, a maioria não consegue alcançar os 30 anos de contribuição necessários para ter direito à aposentadoria, que geralmente é concedida antes dos 60 anos.

É por isso que o fim da aposentadoria por idade impactará de forma muito mais dramática as mulheres, que no final das contas, depois de uma vida inteira dedicada a trabalhar de graça para garantir aquilo que a sociedade e o Estado capitalista não garantem, chegarão à velhice sem direito sequer a receber algo que lhes permita sobreviver até o dia de seu descanso final. A esperança de vida das mulheres brasileiras hoje é de 79,1 anos (embora em apenas 10 das 27 unidades da federação as mulheres alcancem realmente essa expectativa), mas a velhice traz consequências.

Muitos idosos fazem uso de remédios caros que não são garantidos pelo sistema de Saúde, outros precisam de cuidados especiais que muitas famílias não teriam como garantir se não fosse pela aposentadoria desse idoso. O fim desse direito trará maiores sacrifícios para as famílias trabalhadoras pobres e, sobretudo, para as mulheres dessas famílias que se verão na condição de seguir abandonando seus empregos para cuidar dos idosos doentes, dificultando que essas novas gerações de mulheres se aposentem um dia e perpetuando o ciclo de pobreza e miséria.

Por outro lado, não são raros os casos em que a aposentadoria serve para garantir não só a própria manutenção, mas as de suas famílias. A julgar pelo valor médio dos benefícios das mulheres aposentadas, é de se supor que a maioria absoluta delas sobreviva com o salário mínimo. É muito pouco, mas para muitas famílias pobres é o que ajuda a manter um prato de comida sobre a mesa todos os dias.

Por Érika Andreassy, da Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU

Referências
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Contínua 3º trimestre de 2016. Rio de Janeiro. Novembro de 2016. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Trimestral/Fasciculos_Indicadores_IBGE/pnadc_201603_trimestre_caderno.pdf

IBGE. “Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Divulgação Especial: Medidas de Subutilização da Força de Trabalho no Brasil”. Indicadores IBGE. Rio de Janeiro. Novembro de 2016. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Trimestral/Novos_Indicadores_Sobre_a_For%C3%A7a_de_Trabalho/pnadc_201201_201603_trimestre_novos_indicadores.pdf

Ipea. “Mulheres e Trabalho: breve análise do período 2004 – 2014.”. Comunicados do Ipea, n.24. Brasília: Ipea, 2016. Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160309_nt_24_mulher_trabalho_marco_2016.pdf

Previdência Social. Boletim Estatístico da Previdência Social, vol. 21, n. 10. Outubro de 2016. Disponível em http://www.previdencia.gov.br/dados-abertos/dados-abertos-previdencia-social/