Nos anos 1970 e 1980, uma infinidade de jovens latino-americanos entrou nas fileiras do marxismo inspirada na revolução em El Salvador e na Frente Farabundo Martí de Liberação Nacional (FMLN).Opinião Socialista – Como está a relação da Farabundo Martí com a democracia burguesa em El Salvador?

Fideo Nieto – A guerra popular que travamos por mais de doze anos terminou com os Acordos de Paz, em janeiro de 1992. Neles se estabelecia que a FMLN se incorporaria à luta política, transformando-se em um partido. Ao cumprir esse acordo, a Frente deixou de ser uma coalizão de cinco organizações revolucionárias político-militares, que representava o outro poder no país, contraposto ao poder oligárquico, e se converteu em um partido do sistema, para funcionar com as suas regras. Em essência, os Acordos de Paz constituem a ata de fundação da democracia burguesa e, ao comprometer-se a cumpri-los (o governo e a FMLN), talvez sem ter pensado muito, os líderes da Frente se comprometeram com a construção e defesa dessa democracia. A realidade foi outra: a aplicação profunda das políticas neoliberais conspirou contra a democracia. O que temos agora é uma ditadura dos banqueiros, em um país com graves problemas de dívida externa, déficit fiscal, altos níveis de desemprego e uma crescente onda migratória para os Estados Unidos devido à pobreza e à falta de oportunidades. Nem a democracia burguesa traçada pelos Acordos de Paz tornou-se uma realidade, nem a FMLN é agora um partido revolucionário. Por contraditório que pareça, quanto mais poder institucional adquire por meio das eleições, mais se torna governo e menos se torna povo.

Os trabalhadores, com a luta da FMLN, tinham feito grandes conquistas.

Mas as políticas neoliberais foram aplicadas em profundidade nos últimos 15 anos. Com isso, as conquistas que historicamente os trabalhadores e trabalhadoras haviam conseguido foram perdidas em quase a sua totalidade. O movimento operário desapareceu e os sindicatos que sobreviveram, ou são pró-patronais ou não têm qualquer capacidade de resistência e de luta. Assim, com a derrota do movimento sindical, tanto operário como estatal, consumada depois da guerra, os salários se deterioraram, a estabilidade no emprego não existe, o desemprego e o subemprego cresceram muito, o que explica em boa medida que mais de 250 mil pessoas saiam ano a ano para tentar a vida em outros países. A população do país é estimada em 6 milhões de habitantes, e há mais de dois milhões radicados só nos EUA.

Você foi um combatente da FMLN. O que aconteceu?

Participei na guerra revolucionária desde o início. Fiz parte do extinto Partido Comunista de El Salvador, uma das cinco organizações que integravam a FMLN. Em 1996, com outros companheiros e companheiras, ao perceber os desvios de direita desse partido, formamos um agrupamento com três objetivos: recriar o pensamento revolucionário marxista, restabelecer as relações entre o partido e as organizações populares, cada vez mais abandonadas devido à natureza eleitoral que se estava impondo e dar a batalha para defender os princípios revolucionários no seio da FMLN. Isto não foi possível porque aqueles que controlavam o aparato partidário fecharam toda possibilidade de debate interno e fizeram de tudo para conseguir nossa exclusão paulatina. Não tivemos outra alternativa que aceitar o fato e começar a construir uma nova opção revolucionária, que vem se traduzindo em todo um esforço por contribuir para a reconstrução do movimento popular e, mais concretamente, com a construção de uma nova esquerda no país, essencialmente revolucionária, ética, militante, solidária e internacionalista.

Como nossa experiência aqui, com o governo Lula, está servindo para os lutadores de esquerda em El Salvador?

Nós vimos com muito entusiasmo o ascenso do governo Lula em um dos países mais importantes do planeta. Pensamos que era uma oportunidade histórica para que pudesse ter início um processo de transformações estruturais orientadas a construir uma sociedade que superasse os problemas sociais que fazem desse rico país uma das sociedades mais desiguais. Assim como foi grande a alegria, a esperança, foi também o desencanto, ao ver que Lula continua conduzindo o país pelo caminho de seu antecessor, o do neoliberalismo, que significa mais desigualdade, mais dependência e menos soberania. Mas nós não perdemos a perspectiva no sentido de que os processos revolucionários podem ter retrocessos e problemas de todo tipo, pois sempre haverá possibilidade de retomar o caminho. Por mais graves que sejam as crises que o capitalismo neoliberal gere em nossos países, mais radicais serão as mudanças que teremos de impulsionar para sua superação.

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