Fidel Castro
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Em mensagem publicada nesta terça-feira pelo Granma, jornal do Partido Comunista Cubano (PCC), Fidel Castro renunciou ao cargo da Presidência do Conselho de Estado. “Trairia minha consciência ocupar uma responsabilidade que requer mobilidade e entrega total que não estou em condições físicas de oferecer. Digo-o sem dramatismo”, escreveu Fidel que está afastado do poder por razões de saúde desde julho de 2006.

A renúncia abre o caminho para Raúl Castro, irmão de Fidel, se consolidar no poder. Atualmente ele ocupa, provisoriamente, o cargo de chefe de Estado, mas deve ser eleito presidente na próxima sessão da Assembléia do Poder Popular, o parlamento cubano, que vai ocorrer no próximo domingo.
A doença de Fidel Castro e a transmissão do poder a seu irmão Raúl trouxeram novamente o debate sobre o presente e o futuro de Cuba.

O imperialismo norte-americano saiu abertamente pressionando por uma “transição democrática para o povo cubano”. Já o secretário John Negroponte assegurou que os EUA não retirarão o embargo econômico à ilha em função do afastamento de Fidel. “Eu não consigo imaginar isso acontecendo (o fim do embargo) em nenhum momento próximo”, disse. Os anticastristas de Miami, por sua vez, festejaram o afastamento de Fidel.

As declarações, num primeiro momento, podem até parecer uma ingerência do imperialismo sobre o futuro da ilha. Alguns podem até mesmo interpretá-las como o início de ameaças de agressão, cujo objetivo é promover a volta do capitalismo em Cuba. Algo que até hoje foi impedido pela defesa do Estado operário garantida por Fidel. No entanto, não acreditamos que exista uma ameaça concreta contra a soberania de Cuba, partindo de uma suposta invasão dos EUA contra a ilha.

Evidentemente, as declarações de Bush e seus assessores devem ser repudiadas, assim como o boicote comercial que há décadas é realizado pelos EUA. A soberania de Cuba, contudo, está ameaçada já faz tempo, não apenas pelo imperialismo norte-americano, mas porque o capitalismo entrou com toda força no país há mais de uma década, levado pelas próprias mãos do governo castrista. Um debate que é muito polêmico dentro da esquerda, mas assume uma importância vital para entender o que acontecerá com Cuba depois de Fidel.

O primeiro estado operário das Américas
A revolução cubana de 1959, dirigida por Fidel, Raúl, Che Guevera e Camilo Cienfuegos, deu início ao primeiro Estado operário das Américas. Os anos que se seguiram à tomada do poder foram marcados pela a expropriação de empresas norte-americanas e da burguesia cubana. Como dizia Che, a revolução foi avançando a contragolpes, isto é, cada golpe do imperialismo e da burguesia à revolução era respondido com o aprofundamento do curso revolucionário.

Foi graças à revolução que Cuba conquistou avanços imensos em áreas como a educação e a saúde pública, com níveis comparáveis aos países imperialistas, e superou, nessas áreas, nações muito mais desenvolvidas, como Brasil, México ou Argentina. Também avançou muitíssimo o nível de vida geral da população e a pobreza foi eliminada.

A revolução cubana tornou-se um símbolo para a vanguarda latino-americana e o país virou uma referência de conquistas via revolução socialista. Por outro lado, Fidel e Che Guevara, se converteram em referência política de milhões de lutadores e revolucionários.

Novos rumos
É inegável que o castrismo procurou, nos primeiros anos da revolução, impulsionar a revolução socialista em outros países do continente. No entanto, não assumiu essa política de forma conseqüente, ou seja, não construiu uma organização para a revolução mundial.

Mas, ao longo da década de 70, essa política se transformou radicalmente. Se antes Che proclamava que os Andes deveriam se transformar na Sierra Maestra do continente, anos após sua morte, a direção castrista pareceu mudar de idéia assumindo a política da “coexistência pacifica” com o imperialismo. Uma política contra-revolucionaria proclamada por Moscou na década de 50.

A nova política de Cuba ficou explícita em 1979, quando os sandinistas tomaram o poder na Nicarágua, por meio de uma revolução popular. Depois de tomar o poder, a direção sandinista viajou a Cuba para conversar com Fidel, que lhes deu um conselho: “não façam da Nicarágua uma nova Cuba”. Em outras palavras, o dirigente cubano aconselhava a não-expropriação do imperialismo e da burguesia e não-construção de um Estado operário.

O retorno do capitalismo
O isolamento da revolução cubana, causado por uma política consciente da direção castrista, conduziu a ilha a uma profunda crise no início dos anos 90. O fim da URSS e a restauração capitalista no Leste Europeu foram um duro golpe na economia cubana, centrada na exportação de açúcar e em sua troca por petróleo e tecnologia com esses países. Foi nesse momento que a direção do PCC iniciou um plano para o retorno do capitalismo em Cuba. Algo que pôde ser visto com o desmonte das bases essenciais do Estado operário e de seu controle sobre a economia.

Em 1995, por exemplo, Fidel promulga as leis de investimento estrangeiro, criando, assim, as chamadas empresas mistas. Os investimentos dirigiram-se especialmente ao turismo e a ramos relacionados, mas se ampliaram a outros setores, como produtos farmacêuticos e, recentemente, ao petróleo.

Outra medida de fundamental importância foi o fim do monopólio do comércio exterior por parte do Estado. Com isso, tanto as empresas estatais quanto as mistas podem negociar livremente suas exportações e importações com capitalistas estrangeiros.

Há outros exemplos, como no turismo, em que a empresa espanhola Meliá possui uma rede de Hotéis no país. Ou, ainda, o caso da companhia telefônica de Cuba (Etecsa) que foi privatizada pelo governo, vendida ao Grupo Domos, do México, em parceria com a italiana Stet.

Em Cuba se pôde restaurar o capitalismo sem mudar o regime político. O PC conservou seu poder hegemônico, mas o país deixou de ser um Estado operário e passou a ser um país capitalista administrado pelos dirigentes do partido.

A conseqüência da restauração é vista no plano social. Mazelas típicas do capitalismo, como a prostituição, retornaram com força à ilha. Por outro lado, é crescente a desigualdade entre os trabalhadores do Estado e aqueles que estão empregados nas empresas privadas.

A maioria do povo cubano, certamente mantém seu carinho e respeito pelo velho dirigente da revolução. No entanto, lamentavelmente, foi a própria direção castrista que levou novamente o capitalismo a Cuba. Algo que, certamente, vai se aprofundar nos próximos anos.

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