O pesadelo japonês, criado com um terremoto de magnitude 9, seguido de um violento tsunami e um desastre nuclear, pode ter apenas começado. As mortes oficiais e o número de desaparecidos já se aproximam de 20 mil pessoas.

Mas além da desgraça sofrida, teremos ainda pela frente um prolongamento da tragédia. A exemplo de situações anteriores, é possível que aos mortos atuais se somem mais alguns milhares, que vão morrer por estresse, pela angústia de viverem desabrigados. Muitos dos sobreviventes são idosos. Para quem assistiu ao noticiário ou viu fotos dessas pessoas, fica evidente o cansaço e a desilusão estampados em suas faces. Começar de novo para os idosos, muitos com 70, 80 anos ou mais, na ausência de seus parceiros e filhos pode representar uma opção indesejável.

O fato de o governo não estar sendo transparente na questão nuclear causa grande ansiedade na população japonesa. Além do declínio do consumo, produto da destruição da vida de milhares de pessoas, é provável que os japoneses pisem no breque de sua disposição de consumo, devido às incertezas sobre o futuro. Isso será, por si só, um grande fator de inibição do consumo e, consequentemente, da produção. Com o tsunami, uma parte do setor pesqueiro foi destruída. Também a agricultura sofreu algum impacto, já que uma parte dos que plantavam está morta, sem falar da destruição das poucas indústrias nas províncias atingidas. A província de Miyagi possui um dos mais belos pontos turísticos do arquipélago, Matsushima. Após a tragédia, levará muito tempo para que o setor de turismo do nordeste possa se reestruturar.

Falta de energia afeta o centro econômico do país
A Tokyo Eletricidade, a quarta companhia no ranking mundial do setor energético, é responsável pelo suprimento da energia elétrica na área de Kanto, a principal do país e onde se localiza Tokyo. Na área de Kanto, vivem 42 milhões de japoneses. Se somarmos a esse número Miyagi, Fukushima, Iwate e Yamanashi, cuja energia é também fornecida por outras empresas, chegamos a um número em torno de 50 milhões de pessoas afetadas, em níveis diferentes. Trata-se da principal área econômica do arquipélago e temos que levar em conta a importância de Tokyo, o coração da economia.

O problema central da discussão energética é que 40% da energia produzida pela Tokyo Eletricidade é energia nuclear. Com a catástrofe nuclear, a capacidade de fornecimento da empresa sofreu um forte impacto e esse choque e repassado para a economia de Kanto e, por consequência, de todo país. Mesmo que, por um milagre, se consiga ressuscitar o sistema de resfriamento dos reatores, o que está sendo tentado agora, o mais provável é que não será possível mais produzir energia nuclear na Fukushima 1.

O outro aspecto da questão diz respeito à opinião pública local e nacional com relação a se voltar a produzir energia nessa planta. Está claro para todos que não há como garantir uma produção nuclear segura. Além dos seis reatores existentes, se prepara a instalação de mais dois reatores, o que transformaria a província de Fukushima no maior centro de produção de energia nuclear do mundo se não tivesse ocorrido o desastre.

O que se esta fazendo é, simplesmente, ganhar tempo, para amortecer a população japonesa e também para evitar uma crise que pode tomar proporções gigantescas. Uma crise que pode levar junto a economia mundial, no pior dos casos. No Japão, 34% da energia produzida é nuclear. O país depende em 80% da importação de fontes primárias de energia. O Japão carece de carvão, gás natural e urânio e também de outros combustíveis, como o petróleo. Um posicionamento da população contra a energia nuclear, a exemplo do que ocorre na Alemanha, levaria o país ao colapso. Nesse momento, é provável que, no geral, as ações das empresas japonesas sofrerão uma pressão para baixo. O outro aspecto é que o Japão terá que aumentar o endividamento público, o maior do mundo, para poder reconstruir parte das áreas destruídas. Mas o terremoto abalou também a credibilidade.

No melhor cenário, aquele em que ninguém seja afetado pelo vazamento nuclear, ainda teremos de resolver a questão da falta de energia na região de Kanto. Qualquer solução nesse sentido só pode ser efetivada no médio prazo, ou seja, num período de vários anos. No cenário desfavorável, em que exista um vazamento nuclear e não seja possível ressuscitar os reatores para a produção de energia, estes terão de ser sepultados, a exemplo do que ocorreu em Chernobyl, com concreto. Também nesse caso, enterrar a segunda planta nuclear do Japão, levará tempo e evidenciará a escala da catástrofe. Essa questão, que é a mais importante, está sendo evitada conscientemente. Essa política de ganhar tempo, ao mesmo tempo em que se espera para ver o que acontece, está colocando em risco a vida das pessoas. Só não é um crime por que ainda ninguém morreu por causa do vazamento nuclear.

A única certeza é de que a crise vai piorar. A título de exemplo, podemos fazer uma pequena escala, de apenas três níveis: 1) crise econômica; 2) recessão econômica; 3) depressão econômica.

Para não ter a menor possibilidade de eu ser acusado de sadismo, caberá ao leitor imaginar qual será o cenário mais provável da crise japonesa no próximo período. De minha parte, já tenho opinião a respeito.