Foto: Ricardo Stuckert
Zé Maria

Metalúrgico e presidente nacional do PSTU.

 O ato em defesa do ex-presidente Lula que aconteceu no Rio nesta segunda-feira, 2 de abril, organizado pelo PT, PSOL e PCdoB, é ilustrativo da proximidade do projeto político destes partidos. Convocado amplamente pelas três pré-candidaturas (Lula, Boulos e Manuela D’Avila), o ato foi mais um capítulo da campanha eleitoral do PT. Até mesmo a denúncia do assassinato (até agora impune) da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes acabou relegada a um adereço da defesa da candidatura de Lula. Essa situação já se prenunciava no ato realizado dias atrás no Paraná, e agora se escancara.

Por certo é, sim, preciso condenar veementemente o tiro disparado contra a caravana que o PT fez no sul do país, bem como qualquer tentativa de impedir pela violência o direito de expressão do ex-presidente. Mas isso não justifica a adesão do PSOL ao evento ocorrido no Rio. Para os olhares mais atônitos, tenta-se justificar o fato com uma pretensa defesa da democracia contra o avanço do fascismo em nosso país. Chega a dar “vergonha alheia”.

Ora, a democracia que temos aí hoje é a mesma que tínhamos antes, durante os governos do PT. Uma democracia dos ricos, onde nunca se deixou de atacar os trabalhadores e o povo pobre.  Tampouco se pode comparar a caricatura chamada Bolsonaro e a ultradireita retrógrada que ele anima de “avanço do fascismo no país”. É preciso combater duramente esta ultradireita, enfrentá-los fisicamente se for o caso, mas não se pode comparar isso ao fascismo. Tudo isso não passa de uma narrativa alentada pelo PT para fugir das acusações de corrupção que pesam contra ele e do balanço dos 14 anos que governou o Brasil a serviço dos bancos e grandes empresas e, por isso mesmo, não realizou nenhuma mudança estrutural a favor dos trabalhadores e dos pobres em nosso país. As opiniões do PSTU acerca destas questões estão expostas com mais detalhes em aqui e aqui.

O PSOL, como se vê, aderiu alegremente a esta narrativa. Isso se vê não apenas pela parceria que o partido vem desenvolvendo com o PT e PCdoB nesta empreitada em que se encontram agora. Também se viu na definição de Guilherme Boulos como pré-candidato do partido à presidência da República. São escolhas feitas por este partido. Neste artigo quero tratar das contradições e escolhas que, por sua vez, se colocam para a esquerda do PSOL frente a esta situação.

O PT fez suas escolhas…
O PSOL abraçou de vez o projeto de repetir a experiência petista, tratando de dourá-la com um discurso pretensamente mais à esquerda. Pretensamente, porque o programa adotado pelo PSOL, a plataforma Vamos!, é muito mais moderado do que o programa do PT de anos atrás. A candidatura de Lula em 1982, a governador de São Paulo, defendia a ruptura dom o FMI, o não pagamento da dívida externa, a estatização dos bancos a nacionalização da terra e reforma agrária. Isso não se compara com o “aumento da taxação das grandes fortunas” que é o mais longe que “ousa” ir a plataforma Vamos!. Confirma-se aí o dito, de que o que acontece na história como tragédia, repete-se depois como farsa.

A tragédia que significou para os interesses da classe trabalhadora o projeto do PT tem uma razão muito nítida – a escolha daquele partido pela conciliação de classes, pela busca da colaboração com a burguesia para ganhar as eleições e para governar. A base ideológica dessa escolha foi a descrença na possibilidade de uma revolução dos “de baixo” que derrubasse os “de cima”. A direção do PT nunca confiou que luta da classe operária e demais setores explorados e oprimidos pudesse mudar o país e o mundo, criar as condições para acabar com o capitalismo e abrir caminho para a construção de uma sociedade socialista.

Por isso o PT renegou a luta direta, a mobilização de massas como caminho para mudar o país e adotou a luta institucional como único caminho possível. Ou seja, a disputa das eleições para ocupar espaço institucional e governar através e com as instituições apodrecidas do Estado capitalista. Por isso buscou aliança com o empresariado e decidiu governar o país junto com ele, e não contra ele.

Foi esse o motor das mudanças operadas no programa do partido – mesmo sendo já limitado o programa que o PT aprovou em seu congresso de fundação, em 1980. Aos poucos foi-se retirando dele qualquer reivindicação que pudesse ofender com alguma seriedade os interesses da classe dominante. Não é possível, nesta sociedade, defender ao mesmo tempo os interesses dos trabalhadores e os interesses da grande burguesia. Simples assim.

Os governos do PT foram a expressão gráfica disso: até houve pequenas concessões aos mais pobres, como o Bolsa Família. Mas a prioridade mesmo foi para os banqueiros e grandes empresários. Como Lula mesmo gosta de dizer “nenhum empresário, nenhum banqueiro pode reclamar do meu governo, pois nunca antes na história desse país ganharam tanto dinheiro”. De fato, só faltou falar que banqueiro e empresário ganha dinheiro arrancando o couro das costas dos trabalhadores…

O PSOL também escolheu seu caminho…
O PSOL, ao abraçar este mesmo projeto o faz pelas mesmas razões. “Não existe no horizonte a possibilidade de uma revolução, então o que temos de fazer agora é disputar eleição e eleger”, não se cansam de repetir os dirigentes do partido para justificar a opção pelo caminho institucional. E já começa do meio do caminho pra frente, com um programa já bastante mais recuado que o programa inicial do PT.

Por isso a candidatura do líder do MTST era a mais adequada para o partido, no entender da direção do PSOL. Porque Boulos, pelas relações políticas que tem com Lula e o petismo, é a melhor cara para o “puxadinho do PT” que está sendo construído, para usar as palavras de membros do próprio PSOL. Trata-se de uma localização política que o partido escolheu, e uma candidatura perfeitamente adequada a esta escolha.

…e a esquerda do PSOL?
É esta a situação para a qual quero chamar atenção. Em minha opinião, ela exige da chamada esquerda do PSOL que faça também suas escolhas. Alguns falam em resgatar o PSOL das origens, sem compreender que o PSOL que está aí é o desenvolvimento natural do PSOL das origens. A decisão de construir um partido “amplo”, que não tivesse um caráter revolucionário (no programa e funcionamento), assumida como qualidade no momento da formação do partido, está agora apenas cobrando o seu preço. Da mesma forma que a limitação de ficar numa definição classista, por progressiva que fosse naquele momento, cobraram do PT um preço alto posteriormente, levando inclusive ao retrocesso na própria independência de classe. E olha que o PT, na sua formação, tinha uma enorme vantagem em relação ao PSOL: uma base de massas importante no país e um peso grande na classe operária.

Há na história centenas, talvez milhares de exemplos de organizações dos trabalhadores que se degeneraram seduzidas pela conciliação de classes e pela participação institucional na chamada democracia burguesa. Mas não há um só exemplo de organização que tenha trilhado o caminho inverso, saindo da adaptação ao sistema e abraçado uma perspectiva socialista e revolucionária. Os laços e interesses que se estabelecem – como os dos gabinetes parlamentares, por exemplo – tomam conta do partido e definem seus rumos.

Todo este quadro coloca, então, os vários setores da esquerda do PSOL, diante de alguns dilemas.

– Fazem campanha para o PSOL assim mesmo? E dessa forma ajudam a fortalecer o projeto da direção do partido. É bom lembrar que os projetos eleitoreiros, que abandonam a perspectiva da luta de classes, se fortalecem quanto mais votos conseguem nas eleições;

– Fazem campanha para o candidato do PSOL, mas o fazem defendendo o programa dos candidatos que foram preteridos na disputa interna? Neste caso estariam escolhendo não dizer a verdade para os trabalhadores, induziriam as pessoas ao erro. Elas votariam em Boulos e seu projeto de ressuscitar o petismo (agora como farsa mas com roupagem mais “vistosa”) acreditando que estão votando em uma alternativa socialista;

– Ou fazem, de verdade, uma campanha contra o capitalismo e em defesa de um projeto socialista para o Brasil, nas eleições? Nesse caso, teria de ser uma campanha que denuncie tanto as alternativas da burguesia, do PT e seus satélites, mas também teria de ser contra a alternativa Boulos. Sim, porque para defender o socialismo não há como ser neutro frente à alternativa representada por esta candidatura – o eleitoralismo e a tentativa de reviver um petismo piorado em nosso país. Não haverá nenhuma transformação socialista por esse caminho. É preciso disputar a consciência da nossa classe contra ela.

Em debate organizado por setores da esquerda do PSOL, no final do ano passado no Rio, eu já havia adiantado aos camaradas lá presentes que o PSTU fará uma campanha contra o capitalismo e em defesa de um projeto socialista para o país. Isso implica um chamado à classe trabalhadora e ao povo pobre a que se rebelem, a transformar toda essa revolta latente no país em uma revolução socialista que possa levar ao governo do Brasil a classe operária e o povo pobre, através de conselhos populares. Só assim poderiam ser realizadas as mudanças que o país precisa para assegurar vida digna a todos e futuro para nossa juventude.

Explicava isso aos camaradas para responder sobre a possibilidade de uma frente de esquerda socialista para as eleições envolvendo PSOL, PCB e PSTU. Alertava naquele momento que as movimentações da direção do PSOL indicavam para escolhas que agora se consolidam, e apontam para a defesa de um projeto oposto ao que defende o nosso partido. Como fazer uma frente para defender projetos opostos?

O PSTU lançou sua pré-candidatura à presidência (Vera e Hertz Dias) comprometida com a defesa de um projeto socialista, contra o capitalismo. Consciente de que a tarefa de defender este projeto não é só da militância do PSTU, mas de todos e todas que neste país lutam de verdade por uma sociedade socialista, lançou um manifesto chamando à conformação de um polo operário e socialista para levar adiante esta campanha. Inclusive com a possibilidade de cessão de legenda para eventuais candidaturas de não militantes de nossa organização. Essa foi a nossa escolha.

Que escolha farão os diversos setores da esquerda do PSOL?