A expropriação de Zanón é um triunfo de todos os trabalhadores
FOS

Em 12 de agosto, a legislatura provincial de Neuquén (Argentina) votou a lei expropriando os bens e a marca da ex-Cerâmica Zanón e a entrega aos seus 400 operários (hoje nucleados na cooperativa chamada Fasinpat – Fábrica sem patrões). Foi a culminação de nove anos de uma dura luta, iniciada quando a família Zanón – no marco da grave crise econômica que vivia a Argentina no final do século passado – quis fazer uma manobra de esvaziamento da empresa. Os operários, porém, enfrentaram todas as jogadas jurídicas e políticas da ex-patronal realizada pelos governos nacionais e provinciais. Também enfrentaram a repressão policial que por várias vezes, quis desalojar pela força os operários da fábrica.

Em sua luta, receberam a solidariedade dos trabalhadores e o povo neuquino e de toda Argentina, que retribuíram com uma presença ativa, a nível nacional. Isso transformou essa luta em um símbolo conhecida internacionalmente. A expropriação definitiva da empresa e sua entrega aos trabalhadores são, portanto, não só um grande triunfo dos trabalhadores da Zanón, mas do povo neuquino e argentino em seu conjunto. Por isso, compartilhamos plenamente a alegria dessa vitória.

Ao mesmo tempo, no momento em que vivemos uma nova e mais grave crise econômica, a vitória também significa um exemplo que deixa muitas lições para a luta em defesa das fontes de trabalho, hoje atacadas pelos patrões de todo mundo.

Apresentamos abaixo uma entrevista publicada pelo jornal Luta Socialista (jornal da Frente Operária Socialista, seção da LIT-QI na Argentina) com Héctor Omar Villablanca, trabalhador da ex-Zanón e secretário geral do sindicato ceramista de Neuquén e, também trechos do comunicado dos trabalhadores da empresa e do Sindicato Ceramista emitido logo após a votação da Lei.

Luta Socialista: Como foi a luta e a conquista da expropriação da ex-Zanón?

Héctor Omar Villablanca – Teve muitos fatores que levaram o governo provincial tomar a decisão política de expropriar a fábrica. Um fator fundamental para nossa luta foi primeiro ter recuperado a comissão interna da Zanón, em 1998, e recuperar o nosso sindicato, em 2000, que estava nas mãos da burocracia, colocando-o a serviço da classe trabalhadora.

Essas condições nos permitiram jogar por terra um “procedimento preventivo de crise” que apresentou o grupo Zanón e que se tramitasse em Buenos Aires, em 2000. Conseguimos se instalar na comunidade de Neuquén e no seio das organizações, e demonstrar que estavam esvaziando a fábrica com a cumplicidade do governo e dos bancos.

Isso levou que – no momento do fechamento da fábrica – nossa luta pudesse se instalar com mais facilidade, num momento econômico muito difícil de nosso país, depois de uma década de políticas menemistas (Menem), de privatizações e destruição da indústria. O que teve continuidade no governo de De La Rua, que deixou como resultado milhares de fábricas fechadas e milhões de companheiros desocupados.

Como se desenvolveu a luta?

Hector – Desde o princípio nosso conflito esteve sustentado em dois pilares fundamentais. O político e o produtivo. O primeiro, com uma clara abertura para a participação de outros setores sociais e políticos com independência dos governos. Onde o órgão máximo de resolução sempre foram nossas assembleias, mas também sendo solidários com outros setores de trabalhadores ocupados e desocupados. Que nos levou a percorrer grande parte do nosso país, desde os mineiros de Rio Turbio, os petroleiros de Las Heras, passando pelos trabalhadores do alho em Mendoza, metroviários, Garrahan, ferroviários, até os companheiros de Tartagal. Levando a solidariedade a nossa luta.

No produtivo, ao longo destes anos pudemos incrementar nossas produções e com isso os postos de trabalho, os quais foram destinados a parceiros como os do MTD [Movimento de Trabalhadores Desocupados] de Neuquén, organizações solidárias, etc.

Desde o princípio, parte da nossa produção foi dada como uma devolução ao apoio recebido pela comunidade. Estas doações são destinadas a escolas, hospitais, centros de saúde, famílias de poucos recursos. Também abrimos a fábrica à comunidade, para que seja visitada por milhares de companheiros nestes 9 anos de luta.

Realizamos festivais solidários e sem polícias para que a garotada dos bairros pudesse escutar suas bandas. Também assumimos a luta de outros setores. A partir da Zanón levantamos a bandeira da educação e saúde públicas, a reativação da obras públicas para que milhares de famílias possam contar com uma moradia digna e com isso gerar novos postos de trabalho.

Estes fatores e muitos outros fizeram que nossa luta tivesse grande consenso na sociedade neuquina. Pudemos assim resistir contra cinco ordens de despejo e enfrentar o governo provincial que ainda se negava a aceitar nosso projeto de lei de expropriação e estatização sob o controle operário da fábrica. Não foi um caminho fácil de percorrer, primeiro propuseram comprar a fábrica, o que significava destinar mais de $360 milhões de pesos (100 milhões de dólares) dos fundos públicos ao qual nos opusemos. Depois propuseram comprar os empréstimos com privilégios na quebra – ou seja, aqueles que primeiro poderão cobrar a dívida -, ao qual também nos opusemos porque significava pagar cerca de $ 250 milhões aos credores que foram parte do esvaziamento da fábrica.

Conseguimos levá-los na discussão no terreno da expropriação. Propuseram fazê-lo então por “conciliação”, ou seja, por acordo das duas partes, com um custo total de $23 milhões ao qual não nos opusemos, e que finalmente terminou votado em 12 de agosto.

Consideramos que demos um grande passo e que esta é uma vitória do conjunto da classe trabalhadora que de diferentes pontos do país e do mundo contribuíram para conseguir a expropriação de Zanón.

Que tarefas ficam pendentes agora para consolidar e fortalecer esta grande vitória?

Héctor – Apesar deste grande passo ficam ainda muita coisa por fazer. Para sustentar esta experiência é preciso arrancar tanto do governo provincial como nacional os subsídios na luz e no gás com os quais era beneficiada a família Zanón e com que contam milhares de patrões.

É preciso atualizar tecnologicamente a fábrica para gerar mais postos de trabalho, continuar com a exigência de reativar as obras públicas, ou seja, moradias, escolas e hospitais; diferente do que propõem os governos: construir grandes edifícios e prisões para encarcerar nossos jovens.

Continuar apostando na coordenação com outros setores de trabalhadores, porque jamais apostamos na salvação individual, mas sim no avanço de conjunto da nossa classe. Hoje a Zanón é uma casca de noz navegando em um oceano, em um contexto de crise econômica muito profunda, onde há milhares de companheiros que estão ficando sem trabalho, onde há fechamento de fábricas, queremos contribuir com nossa humilde experiência para que também surjam outras Zanón.

Que postura tem o sindicato ceramista de Neuquén frente à ofensiva dos patrões que querem que os trabalhadores paguem pela crise? Que postura tomou frente aos conflitos como o de Kraft-Terrabussi, Mahle, Bosch, etc.?

Héctor – A postura diante da ofensiva patronal e do governo foi levar esta discussão às assembleias das quatro fábricas [que integram o sindicato]. Respondemos defendendo o controle dos trabalhadores sobre a Cerâmica do Valle (Cooperativa Conhecer) onde estamos dando os primeiros passos. Já começamos a produzir, gerando novos postos de trabalho. Conseguimos jogar por terra a suspensão por um mês que propunha a patronal de Cerâmica Neuquén, aludindo uma situação de crise. Na Cerâmica Stefani levamos mais de 40 dias em greve por aumento salarial. Colocamos todos os recursos de nosso sindicato à disposição das 4 fábricas para conseguir a vitória dos companheiros.

Com respeito aos conflitos que vêm se desenvolvendo a nível nacional, temos levado nossa solidariedade e nos colocamos à disposição dos companheiros. E como sempre respeitando as resoluções de suas assembleias e os ritmos dos companheiros. Consideramos que o conflito de Terrabusi é um caso de testemunho para o que vêm mais adiante. A patronal pretende descabeçar nossas organizações sindicais e o ativismo para logo enquadrar o conjunto dos companheiros.

Por último, e simultaneamente a discussão da expropriação da Zanón, renovamos as comissões internas da Cerâmica Neuquén e Stefani, onde novos companheiros, com plena coincidência com o programa da Lista Marrom, que é a que dirige nosso sindicato, deram um passo a mais e estão à frente das lutas da cada fábrica.

Renovamos, também, a nossa diretoria, em 21 de agosto, onde, apesar de a Lista Marrom ser a única lista a concorrer, mais de 70% dos companheiros filiados participou da eleição. Isto apesar de que em 2005 reformamos nosso estatuto, encurtando os prazos dos mandatos para 3 (três) anos, jogando por terra a reeleição e onde as minorias podem ter representação na diretoria. Companheiros históricos como Alejandro López, Raúl Godoy, Carlos Acuña, revezam seus postos sindicais e voltam a ocupar seus lugares nas máquinas. Ficam vários temas pendentes, e que já discutimos nas assembléias, reuniões e que queremos aprofundar nos próximos dias. O A renda do nosso sindicato, seu estatuto e a independência à órbita da CTA.

Consideramos, também, que é de suma importância que o conjunto dos operários e operárias comece a pensar numa ferramenta política que realmente represente as necessidades e interesses da nossa classe. Somos nós trabalhadores os que geram as riquezas levadas a paraísos fiscais por empresas como Repsol, Terrabusi, as patronais do campo entre outros. Assim como fez durante anos a família Zanón.

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A ZANÓN É DOS TRABALHADORES
Algumas declarações sobre a vitória

“Após 9 anos de luta conquistamos a expropriação definitiva da nossa fábrica (…)”. Depois de agradecer o apoio da comunidade de Centenário, Neuquén e Plottier, das Mães da Praça de Maio, os docentes da ATEN (Associação dos Trabalhadores da Educação de Neuquén), à CTA Neuquén, aos companheiros de todo o país e de outros países, acrescentamos os “companheiros que nunca conhecemos e que sabendo da nossa luta nos enviaram fundo de greve para resistirmos”. Reivindicar a solidariedade mútua com os mineiros de Río Turbio, os petroleiros de Las Heras, estatais e trabalhadores das fábricas de Neuquén e Rio Negro, Garrahan, metroviários, aeronáuticos, ferroviários, desempregados de Tartagal e dezenas de fábricas recuperadas, bem como a unidade com a comunidade, estudantes e artistas.

(…) “Nossa luta sempre esteve baseada na prática da luta de classes, identificando os governos, as patronais e as burocracias sindicais como os inimigos dos trabalhadores. Esta experiência que construímos (…) fez que pudéssemos dobrar a vontade política do Governo Provincial do MPN [Movimento Puplar Neuquino], e tiveram que impulsionar e votar o projeto de lei da expropriação”.

“Consideramos que esta conquista tem um enorme valor para o conjunto da classe trabalhadora, pois este governo que hoje vota pela expropriação da Zanón sob a gestão operária é o mesmo que assassinou Teresa Rodríguez, o mesmo que reprimiu às operárias/os da Zanón no final de 2001 e tentou nos desalojar por 5 vezes, o mesmo que fuzilou e vazou o olho do nosso companheiro ceramista Pepe Alveal na repressão do Bairro San Lorenzo, o mesmo que assassinou o companheiro Carlos Fuentealba e o mesmo que hoje fala de paz social nestes momentos de crise econômica mundial quando os empresários e seus governos nos declaram guerra com demissões, salários de fome, aumento abusivos das tarifas, etc”.

(…) “A partir da gestão operária da Zanón e o Sindicato Ceramista de Neuquén, estamos convencidos que nossa luta não terminou, porque como desde o primeiro dia consideramos que a salvação não é individual senão do conjunto da classe trabalhadora. Companheiros e companheiras, a todos e todas os que de alguma forma foram parte desta luta: compartilhemos a alegria deste grande passo!!! A ZANON É DO POVO!

Operárias e operários da Zanón
Sindicato Ceramista de Neuquén