Passamos pelo primeiro mês do segundo mandato de Dilma Roussef (PT) e de Rui Costa (PT) como novo governador da Bahia e, apesar do tempo curto, este período já foi suficiente para tirarmos conclusões importantes sobre as perspectivas para as lutas da classe trabalhadora, da juventude e da maioria do nosso povo.

A reedição da polarização eleitoral entre o PT e os partidos da chamada direita tradicional, tanto no cenário nacional (PSDB) como no baiano (DEM), reacendeu velhas discussões, que estavam relativamente secundarizadas desde os anos de 2003-2005.

Posições como: votar criticamente no PT para evitar a volta da direita, a esperança de que os novos mandatos seriam mais à esquerda do que os primeiros, considerar estes governos como em disputa entre dois projetos (propondo mobilizações para puxá-los para a esquerda), apoio às chamadas medidas progressivas do governo criticando somente o que eles fazem de ruim, entre outros argumentos, voltam a ter centralidade nas discussões dos movimentos sociais e da esquerda em geral.

Porém, uma análise mais atenta irá revelar que as principais medidas destes novos governos de conciliação de classes demonstram de forma bem cristalina para quem está governando o PT, o PCdoB e demais partidos da sua base aliada.

Medidas lembram receita neoliberal da Troika européia
Os novos mandatos, longe de se aproximarem do atendimento das justas reivindicações dos movimentos sociais, na verdade estão aprofundando o que já tinha sido feito pelos dois mandatos de Lula, o primeiro de Dilma e também pelos dois mandatos de Jaques Wagner à frente do governo baiano.

A economia brasileira caminha para uma recessão, realidade já presente no setor industrial, e as medidas dos governos buscam jogar nos ombros dos trabalhadores e dos mais pobres o peso da crise econômica internacional e seus reflexos já sentidos novamente no Brasil. Realmente, um leitor desatento poderia até confundir as medidas dos governos brasileiros com os chamados planos de austeridade defendidos pela Troika e pelos governos europeus.

A nível nacional, Dilma adotou medidas que restrigem o acesso a direitos trabalhistas históricos, como o seguro-desemprego, o auxílio-doença, o abono do PIS-Pasep, entre outras medidas que atacam em cheio justamente a parcela mais empobrecida da classe trabalhadora brasileira, que sofre com a enorme rotatividade da mão-de-obra em nosso país.

Pratica um “tarifaço”, aumentando de forma exorbitante principalmente o preço da gasolina e da energia eletrétrica, reajustes que terão grande consequência em cadeia para todos os preços de produtos, inclusive da cesta básica. E diminui sensivelmente a correção da tabela do Imposto de Renda, onerando ainda mais o já arrochado salário da maioria dos trabalhadores.

Assiste a uma primeira onda de demissões na indústria sem tomar nenhuma iniciativa concreta de proteção dos empregos da classe operária, justamente em empresas como as montadoras de automóveis, que muito se beneficiaram com as políticas de empréstimos a juros baixos e isençoes fiscais do governo.

E, para piorar ainda mais, vemos o maior contigenciamento do Orçamento de todos os tempos, com um profundo corte de verbas sociais, em especial na Educação, setor que Dilma disse que iria priorizar em seu discurso de posse.

No governo da Bahia não é muito diferente, vemos os mesmo cortes de verbas sociais realizado no Orçamento Estadual, sentenciando a já precaríssima saúde pública em nosso Estado a uma situação ainda pior, levando ao desespero o povo pobre e negro que depende dos hospitais públicos. Aos cortes de verbas sociais, se soma uma política de privatização de duas empresas públicas do Estado – A Empresa Baiana de Alimentos – EBAL e a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrário – EBDA. Medidas que terão profundas consequências sociais para a maioria do povo, além de atacar estes servidores públicos.

A própria composição destes governos não pode deixar dúvidas. A presença no Governo Federal, inclusive em ministérios muito importantes, de figuras como a ruralista Kátia Abreu (PMDB) na Agricultura, o banqueiro Joaquim Levy, figura muito ligada aos próprios tucanos, na Fazenda, Gilberto Kassab (PSD) nas Cidades, Cid Gomes (Pros) na Educação, entre tantos outros, são somente mais uma confirmação dos reais objetivos deste governo. E Rui Costa não ficou atrás também neste quesito, entregando secretarias fundamentais para políticos ligados ao PP, PSD, entre outros partidos conservadores.

Mas, apesar da justa revolta de muitos ativistas com a presença destes políticos burgueses e de direita em cargos nestes governos, não podemos esquecer que o principal ator e responsável por estas administrações é o próprio PT.

Quem determina a política econômica e social são quadros do PT, a começar pela Presidente e pelo Governador, passando pelos principais ministros e secretários, tudo com o aval da direção do PT e de seus principais dirigentes, especialmente Lula.

Uma polêmica necessária
Editorial do jornal Brasil de Fato, em sua edição 611, de 12 de novembro de 2014, diz o seguinte: “Mas para alterar a correlação de forças que permita ao governo avançar, será necessário realizar uma reforma política, que virá apenas através de uma assembléia constituinte, soberana, que espelhe a vontade do povo, e exclusiva para mudar o sistema político. O governo está entre esses dois projetos. E precisa agir logo, para demonstrar, pelo menos simbolicamente, de que lado está. Se cair nas emboscadas do PMDB, da mídia burguesa e outros porta-vozes da burguesia, e nomear ministros conservadores, perderá o necessário apoio popular”.

Estamos vivendo um aumento da polarização da luta de classses, e diante deste cenário as direções de importantes organizações políticas e sociais, como o MST, a Consulta Popular e o Levante Popular da Juventude seguem sustentando que a tarefa fundamental dos movimentos sociais é construírem uma agenda de mobilização para disputar o governo para seu projeto “democrático-popular”, em contraposição ao projeto neoliberal da direita. Como parte desta estratégia, se enquadra a campanha do plebiscito pela reforma política, como expresso no trecho acima de editorial do Jornal Brasil de Fato.

Para estes companheiros (as) existe, na luta política atual, uma divisão entre dois campos fundamentais: um de direita, composto pelos grandes empresários nacionais e internacionais, os governos imperialistas e os partidos da velha direita, entre outros; e um campo de esquerda, composto pelos movimentos sociais e os partidos de esquerda, mesmo aqueles que estão no Governo Federal.

Portanto, a tarefa dos movimentos sociais e da esquerda socialista seria lutar para que um projeto “democrático-popular” hegemonizasse o campo da esquerda, isolando o projeto “pseudo-neodesenvolvimentista”, que segundo os companheiros (as) seria defendido pelos governos petistas.

Historicamente, temos visto que a defesa do projeto “democrático-popular” sempre está associada à defesa de governos de conciliação de classes, que seriam impostos pela correlação de forças ainda desfavorável.

Esta estratégia se revela a cada dia como um grande equívoco. Não existe nenhuma disputa real por dentro dos governos de conciliação de classes do PT, seja nacionalmente seja ao nível dos estados, como no caso baiano.

Afinal, todos eles vêem aplicando nos últimos anos uma política econômica fundamentalmente a serviço da manutenção dos lucros das grandes empresas, bancos e do agronegócio. E, inclusive, as poucas medidas que são vistas como positivas pela maioria do povo, como Bolsa Família, Prouni, Cotas Racias nas Universidades, Lei Maria da Penha, para ficar em alguns exemplos, são parte de um mecanismo que busca convencer os trabalhadores, a população e os mvimentos sociais que eles governam superando o projeto neoliberal.

Mas são na verdade medidas muito parciais, sem questionar em nenhum momento a institucionalidade burguesa, e que só servem para escamotear a aplicação de uma política econômica que mantém, e em certa medida, aprofunda a aplicação das políticas neoliberais em nosso país.

Como podemos ver no pagamento “religioso” dos juros e amortizações da dívida pública, na preservação do mecanismo do Superávit Primário, nas políticas de isenções fiscais para as grandes empresas, no prosseguimento das privatizações, da entrega do nosso petróleo e do Pré-sal para empresas transnacionais, do retrocesso na reforma Agrária, nos cortes de verbas sociais, na reforma da Previdência, e um longo etc.

Mas o que é pior nesta estratégia não é só gerar ilusões nestes governos, mas colar a pauta e o programa de nossas mobilizações de forma absoluta ao destino das administrações petistas. A crise da econômica capitalista vem reforçar a impossibilidade de construção de um plano econômico dos trabalhadores e de um projeto de um país justo e igualitário em aliança com setores da burguesia, seja ela internacional ou mesmo nacional.

Os novos reflexos da crise econômica no Brasil já demonstram que os governos de conciliação de classes estão plenamente dispostos a adotar o receiturário dos bancos, grandes empresas e do agronegócio.

A única saída possível para os movimentos sociais combativos é forjarem nas lutas contra os ataques dos patrões e dos governos, sejam eles do PT ou da oposição de direita tradicional, uma alternativa realmente independente, sem aliança com as grandes empresas e seus partidos, e que retome a luta pelas reivindicações anticapiltalistas e socialistas.

O atrelamento de alguma forma ao projeto de concialiação de classes do PT é deixar a classe trabalhadora, a juventude e a maioria do povo sem uma alternativa de uma oposição real a tudo que está sendo feito na última década em nosso país, em nome de um projeto de esquerda, mas com um verdadeiro conteúdo programático da direita social liberal.

Construir um terceiro campo, de classe, socialista, oposto tanto ao projeto de conciliação de classes do PT, como oposto aos partidos da oposição burguesa e da velha direita, de fato não é tarefa fácil. Mas reconhecer essa dificuldade não significa dizer que ela seja impossível. Ao contrário, adiar essa construção para ficarmos reféns de um projeto que é uma completa traição às nossas perspectivas de luta pelo socialismo é o que realmente preparará a derrota e a desmoralização dos movimentos sociais combativos.

Portanto, faz muito sentido terminar este artigo com uma reflexão proposta pelo companheiro Ademar Bogo, militante e construtor ativo do próprio MST nos últimos anos:

Na medida em que a direita, embora derrotada, sai for­talecida das eleições, e as forças de esquerda, juntamente com os mo­vimentos populares organizados, subsumidos atrás da vitória do go­verno, diante dos confrontos racis­tas e sionistas vindouros, se opta­rem por defendê-lo, presos a uma proposta reduzida de “reforma po­lítica”, estarão enfraquecendo ain­da mais a capacidade de luta. Ao alimentar esta tática, para saber como será o futuro, basta respon­der a indagação do presente: qual seria a capacidade de reação das esquerdas e dos movimentos popu­lares se os tucanos tivessem ganha­do esta última eleição?” (Conflitos e confrontos, Ademar Bogo, Filósofo, escritor e militante muito ligado às lutas dos movimentos sociais).

Muitas vezes já foi dito: “quem não sabe contra quem luta, nunca poderá vencer”. Só retomando o caminho das mobilizações independentes contra os ataques de todos os governos, a começar pelos atuais ataques do governo Dilma, é que vamos fortalecer uma alternativa que realmente represente os interesses dos trabalhadores, da juventude e da maioria do nosso povo. E, para tal, é urgente e necessário romper completamente todo e qualquer apoio e ilusões nos governos de concialiação de classe construídos pelo PT e pelo PCdoB.