Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

Érika Andreassy

Nos últimos dias tem crescido as denúncias de subnotificação de casos de Covid-19. Até a tarde dessa terça-feira, 31, o Brasil contava com mais de 5.700 casos e 201 mortes, contudo, esse número pode ser infinitamente maior. A falta de kits de testagem e a demora na divulgação dos resultados tem levado a uma enorme distorção em relação aos números reais.

Estatísticas da OMS apontam que apenas 20% das pessoas contaminadas pelo vírus apresentam sintomas. Por isso, há semanas vem recomendando a testagem em massa para tentar identificar os infectados e reforçar as medidas de isolamento social para conter a pandemia. Mas no Brasil essa orientação não está sendo seguida, sequer os que procuram atendimento com sintomas moderados estão conseguindo realizar o teste, somente os pacientes hospitalizados em estado grave estão sendo testados, alguns inclusive após a morte.

A limitação na realização de testes dificulta uma avaliação mais precisa da evolução da doença. O Ministério da Saúde afirma que, de cada 100 pacientes infectados, apenas 14 são identificados. Estimativa confirmada pelo levantamento realizado pela London School of Hygiene and Tropical Medicine que baseou nas taxas de letalidade para estimar subnotificação, que no Brasil estaria entre 82% e 92% em relação aos casos reais.

A quantidade insuficiente de testes disponíveis é um dos principais gargalos. O governo tem anunciado que está buscando ampliar a oferta por meio da aquisição de mais kits e testes rápidos, mas informações desencontradas entre o que diz o Ministério da Saúde e a capacidade real de produção da Fiocruz, e a validação de testes rápidos produzidos aqui ou importados contestam essa afirmação. Além disso, o próprio Ministro da Saúde, Henrique Mandetta, já repetiu várias vezes nas coletivas de imprensa diárias que a prioridade para os testes rápidos será para os profissionais de saúde.

Mas esse não é o único problema, com o aumento da demanda aumentou também o tempo entre a coleta e o resultado dos exames. Em São Paulo, por exemplo, o Instituto Adolpho Lutz que tem capacidade para analisar 400 testes por dia, tem recebido uma média diária de 1.200 pedidos nos últimos dias, o volume acumulado pela rede pública estadual chega a 12 mil e o tempo médio para confirmar o diagnóstico tem sido de 7 a 10 dias. Isso significa que as confirmações diárias informadas pela Secretara Estadual de Saúde de São Paulo, estado que concentra o maior número de casos, refere-se a coletas realizadas há pelo menos uma semana atrás.

Falhas no protocolo de notificação elaborado pelo Ministério da Saúde prejudicaram desde o início a contabilização dos casos e inclusive podem ter retardado a identificação da transmissão comunitária para o conjunto dos estados. Uma vez que as opções “esteve fora do país” e “teve contato com alguém com sintomas” eram as únicas disponíveis no formulário, mesmo que a pessoa tivesse sintomas de Covid-19, se a resposta fosse negativo para ambas perguntas, não se considerava o caso como suspeito. Mesmo após a emissão do alerta sobre transmissão comunitária em São Paulo no dia 13 de março, ainda levou cerca de uma semana para o Ministério da Saúde atualizar o protocolo de notificações da doença. É isso que explica, por exemplo, porque o primeiro paciente que morreu pela Covid-19 no país, em 16 de março, não constava no balanço de casos suspeitos. A confirmação veio apenas após o óbito.

Desde o dia 19 de março, todo caso suspeito, incluindo aqueles que apresentam sintomas leves, diagnosticados clinicamente devem ser notificados em até 24 horas, isso vale para a rede pública ou privada. Contudo, o próprio Ministério da Saúde parou de divulgar os dados suspeitos. Mas sem número de casos suspeitos e sem testagem em massa uma avaliação mais apurada da situação é praticamente impossível. Só para citar um exemplo, o estado de Minas Gerais tinha até o dia 28 de março (data do último boletim epidemiológico disponível), 205 casos confirmados e nenhuma morte num total de 512 testes analisados. Porém, o número de notificações total do estado era de 23.486, ou seja, ainda aguardavam confirmação 22.974 testes, ou 97,8% do total de notificações.

Em meio a tudo isso se avolumam denúncias de hospitalizados e inclusive mortos por doenças respiratórias que podem estar relacionados ao Covid-19, sem o diagnóstico confirmado, o que aumenta a percepção de que a situação é bem mais grave do que as autoridades afirmam. Em Minas Gerais uma denúncia de aumento do número de corpos numa funerária levou à investigação de pelo menos 41 mortes que poderiam estar relacionadas à doença. Dessas, 21 já foram descartadas, mas a polícia segue investigando 20 corpos e cogita inclusive pedir exumação dos cadáveres. Se isso se confirma o número de mortes no estado pode pular de 1 atualmente para 21, ou seja, um aumento de mais de 2.000%.

Em São Paulo, segundo o jornal Estadão, funerárias relatam alta de até 20% na demanda por seus serviços e afirmam que houve um aumento no número de mortes por problemas respiratórios. Também tem sido relatado aumento no número de afastamentos de profissionais de saúde por suspeita da doença. Os Hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein já somam juntos 452 profissionais diagnosticados. Um levantamento do Sindicato dos Servidores de São Paulo, com dados do Diário Oficial da Cidade, aponta 1.080 afastamentos na rede pública, entre os dias 1.º a 28 de março, por suspeita de contaminação.

Em todo país, as internações por problemas respiratórios explodiram. Somente na semana do dia 15 a 21 de março foram 4.932 internações de pacientes com síndrome respiratória aguda grave (SRAG), uma alta de 428% em relação ao registrado no mesmo período de 2019.

Enquanto não temos um quadro mais realista do avanço da pandemia no país, o presidente Bolsonaro intensifica sua campanha criminosa pelo fim das medidas de distanciamento social, apoiado por setores da burguesia. Em alguns estados e municípios, empresários promovem carreatas para pressionar governadores e prefeitos, que começam a afrouxar a quarentena, liberando o comércio e retomando as aulas.

Ainda que boa parte dos gestores não tenham aderido ao discurso do presidente, muitos tem utilizado a subnotificação para não intensificar as medidas de distanciamento social. O governador de São Paulo, João Dória, por exemplo, tem se recusado sistematicamente a decretar a suspensão da produção industrial expondo os trabalhadores desse ramo de atividade ao risco de contaminação. Só a indústria de São Paulo emprega 3 milhões de pessoas, mas o risco não se limita aos operários e se estende também às suas famílias. Estamos falando de milhares de pessoas expostas que caso venham a se contaminar e desenvolvam sintomas graves da doença irão superlotar hospitais e ajudar a colapsar o já combalido sistema de saúde público.

Nesse sentido, precisamos levantar imediatamente a exigência de transparência em relação ao avanço da pandemia no país. Queremos saber realmente quantas pessoas infectadas temos, quantas estão internadas pela doença e quantos mortos a Covid-19 já fez. Exigimos que os casos notificados até agora sejam revelados, e desses quantos foram confirmados, quantos descartados e quantos ainda aguardam o resultado do exame. Sem isso é impossível elaborar uma estratégia coerente para barrar a pandemia. Enquanto esses dados não estiverem disponíveis estaremos à mercê de discursos criminosos como o de Bolsonaro que confunde a população e passa a sensação de que a situação não é tão grave assim, bem como da pressão para afrouxar a quarentena, por parte de setores burgueses irresponsáveis que não tem o menor compromisso com a vida dos trabalhadores e mesmo de outros setores burgueses e seus representantes como o Ministro da Saúde Henrique Mandetta e boa parte dos governadores e políticos, que apesar de não defenderem a mesma linha de Bolsonaro se negam a intensificar as medidas de distanciamento social, sob a alegação de que não é o momento ainda ou de que não dá pra parar totalmente a produção.