A Europa é hoje o epicentro da situação política e econômica internacional. Especialmente a Grécia, mas outros países estão indo na mesma direção, como Portugal, Espanha e Grã-Bretanha. Tal situação mostra, por um lado, que a União Europeia e a chamada “zona do euro” (os 16 países que adotaram o euro como moeda comum) é hoje o “elo mais débil” da “cadeia imperialista”. Mais que isso, que possivelmente entramos em um novo momento da crise econômica mundial.

As fases da crise
A primeira manifestação aberta da crise econômica mundial ocorreu no segundo semestre de 2007, com o estouro da bolha especulativa existente no mercado imobiliário dos EUA, que depois estendeu-se a nível internacional.
Apesar de ter surgido nesse setor, não se tratava somente de uma crise financeira, mas expressava os problemas mais profundos do sistema capitalista, analisados por Marx em O Capital: a queda da taxa de lucro. Este “germe básico” da crise foi agravado e potencializado pela hipertrofia do sistema financeiro mundial nas últimas décadas.

Desde o início, economistas burgueses muito sérios, como Stiglitz e Krugman, afirmaram que se tratava da pior crise do capitalismo desde a de 1929. Naquele momento, coincidimos com esse diagnóstico confirmado com a quebra do banco Lehman Brothers em setembro de 2008, acompanhada por situações muito críticas em outros grandes bancos norte-americanos e europeus. A crise se aprofundava e dava um salto: houve dois semestres (o último de 2008 e o primeiro de 2009) de grande queda nos PIBs dos EUA e da Europa (a pior em várias décadas). Por outro lado, o sistema bancário e financeiro mundial estava a um passo de quebrar.

Um segundo momento ou fase começa com os “megapacotes” de ajuda aos bancos e aos mercados financeiros lançados pelos governos dos países imperialistas e outros países de peso (como China e Brasil). Os Estados imperialistas, da mesma forma que antes haviam impulsionado o processo especulativo, agora atuavam como “companhias de seguro” do setor financeiro e se endividavam para injetar diretamente ou assegurar pacotes que totalizaram quase 24 bilhões de dólares (mais de 40% do PIB mundial!). Conseguiram assim salvar os bancos e evitar uma quebra generalizada do sistema financeiro mundial. Esses “megapacotes” conseguiram também frear a dinâmica de “queda livre” da economia mundial e iniciaram uma frágil recuperação a partir do segundo semestre de 2009.

Esse grande endividamento dos Estados imperialistas, porém, começa a pender para o lado mais frágil: os países imperialistas mais débeis, como Grécia ou Portugal, não podem sustentar a dívida que contraíram e entram em moratória, ou próximo dessa situação. Embora sejam pequenos, integram um dos principais centros imperialistas. Por isso, sua situação econômica e política se volta como um bumerangue contra toda a Europa e o conjunto da economia mundial. Está se abrindo um novo momento ou fase da crise cuja dinâmica se definirá no terreno da luta de classes.

A maior fragilidade europeia
Para além das porcentagens, existem diferenças entre EUA e Europa que explicam a pior situação atual da UE. Comecemos analisando as duas principais “debilidades” europeias.

Em primeiro lugar, apear da criação da UE e da zona do euro como pólo imperialista para defender “espaço” frente aos EUA, a Europa não é um único país, mas vários.

Existe um Banco Central Europeu (BCE) que administra o euro, mas as burguesias europeias não avançaram na criação dos Estados Unidos da Europa. Este passo nunca ocorrerá no marco do capitalismo, pois essas fronteiras nacionais delimitam um “espaço próprio” de cada burguesia exploradora de seus trabalhadores.

Por isso, a existência do euro como moeda comum sem a unificação dos países apresenta contradições insuperáveis que, agora, na crise, mostram sua cara negativa. Ao ser controlado por uma superestrutura internacional (o BCE), o euro impõe uma rigidez de políticas monetárias nacionais. Por exemplo, as burguesias gregas ou portuguesas não podem emitir nem desvalorizar sua moeda e, dessa forma, realizar um ataque indireto aos salários e ao nível das massas. Nem o BCE pode atuar frente à crise de um país da zona do euro como faria um estado federal diante da crise de uma região (por exemplo, o Brasil perante uma crise em Minas Gerais).

Só agora, quando todo o projeto da UE e a própria existência do euro estão em risco, lançaram um pacote conjunto de quase um bilhão de dólares para sustentar a moeda comum, em meio a um declínio de sua cotação internacional.

Além de não ser um único país, tanto a UE como a zona do euro uniram países com desenvolvimento econômico e produtividade muito diferentes. Como exemplos extremos, Alemanha e Grécia. No caso dos países mais débeis, como Grécia, Portugal ou a própria Espanha, essa integração significou também um processo de desindustrialização e o crescimento de ramos econômicos muito mais sujeitos às oscilações de momento, como o turismo, o comércio e o transporte, muito mais frágeis diante das crises.

Durante os anos recentes de ascenso econômico mundial (2003-2007), isso gerou uma impressão de maior riqueza. Mas a crise econômica desnudou essa ilusão e mostrou que o saldo líquido do processo foi o empobrecimento. No caso grego, por sua menor produtividade, o país se endividou para sustentar a permanência na zona do euro e a importação de produtos industriais. Enquanto o ingresso de euros pelo turismo e o comércio era sustentado, o circuito funcionava. Mas a crise diminuiu essas entradas, e já não podiam se pagar os empréstimos. Os juros pagos sobre o refinanciamento foram ficando maiores, e a dívida cresceu até chegar ao nível insustentável de hoje.

Alemanha e França obrigaram os países menores a se endividarem mais para defender seus próprios setores financeiros: mais de 40% da dívida pública grega está em mãos de bancos franceses e alemães, e o resto nas mãos de outros bancos, alguns de “fachada grega”, mas que são controlados por franceses, alemães e americanos.
A outra grande debilidade das burguesias imperialistas europeias é sua relação com o movimento operário. Em primeiro lugar, depois da II Guerra Mundial, elas se viram obrigadas a conceder importantes conquistas sociais e trabalhistas para evitar a extensão da revolução socialista que avançava do Leste. Basta ver a diferença entre os sistemas de saúde pública ou de proteção social na Europa e EUA. Mais ainda, por sua longa história e tradição, o movimento operário europeu é mais organizado, consciente e de maior capacidade de luta que a classe operária norte-americana.

Por isso, as burguesias europeias tiveram de agir até agora com “pés de chumbo” frente às suas classes operárias: com fortes ataques aos setores mais débeis (os imigrantes), fortaleceram certas medidas “amortizadoras” (como a ampliação dos prazos do seguro-desemprego) que postergaram os choques frontais com os setores mais fortes. Este objetivo vinha sendo cumprido (com grande ajuda das burocracias sindicais), mas isso desencorajou a confiança dos investidores e atrasou a recuperação.

Uma dinâmica negativa
Como resultado combinado de todos esses fatores, a economia da UE caiu 4% em 2009 (a pior queda desde a Segunda Guerra Mundial), e sua produção industrial despencou 20% (um retrocesso que leva aos níveis de meados da década passada). Por outro lado, sua “recuperação” nos últimos trimestres foi praticamente nula, menor ainda se comparada com os 3,2% dos EUA.

Por exemplo, depois daquela grande queda, a produção industrial cresceu em março (um mês teoricamente “bom”), na UE e na zona do euro, 1,2% e 1,3%, respectivamente.
Não é casual, portanto, que o estado de ânimo dos dirigentes burgueses europeus esteja um pouco deprimido.

O presidente do BCE, Jean Claude Trichet, declarou em uma entrevista ao semanário alemão Der Spiegel que a Europa está “sem dúvidas na situação mais difícil desde a Segunda Guerra Mundial, talvez desde a Primeira. Vivemos tempos verdadeiramente dramáticos”.

Com surpreendente sinceridade, agregou que o pacote de apoio ao euro era “só para ganhar um pouco de tempo”.

Por que nos EUA houve uma maior recuperação?
Uma das razões já começamos a analisar: trata-se de um só país. Portanto, o megapacote de ajuda ao setor financeiro atuou globalmente e não de forma parcial.
Ao mesmo tempo, uma das questões centrais é que os EUA continuam sendo o imperialismo hegemônico possuidor da moeda mundial (o dólar). Isso permite emitir moeda sem controle, que logo é aceita nos mercados mundiais, e também seguir atuando como um gigantesca aspirador da mais-valia produzida no mundo.

Finalmente, diferentemente das europeias, a burguesia norte-americana conseguiu impor uma derrota de fato à sua classe operária. Nos últimos trimestres, a massa salarial total (ou seja, o total de salários pagos no país) diminuiu 5%, enquanto o PIB cresceu 3,2%. Isso significa que a produtividade da força de trabalho (e com ela, a massa de mais-valia) cresceu quase 9%.

Isso foi conseguido pela dupla via do aumento do desemprego e da redução salarial. Um exemplo extremo desse processo foi a GM, que reduziu de 60 mil para 40 mil o número de trabalhadores e impôs salários mais baixos a quem continuou na empresa.

Isso não significa que a economia americana esteja em uma fase florescente. Pelo contrário, todos os analistas assinalam que sua recuperação é muito frágil e está sendo impulsionada principalmente pelo investimento estatal.

Um dos elementos a ter em conta é que os cinco principais bancos de investimento dos EUA têm investimentos globais de centenas de milhões de dólares nas dívidas públicas, bancárias e privadas europeias (na Alemanha, Espanha, França e outros países). Em outras palavras, ao contrário do que ocorreu em 2007, nessa fase da crise, os problemas podem contagiar a Europa e os EUA. O que já se expressa no fato de que, no ritmo da situação europeia, a Bolsa de Nova York também sofre queda.

Uma hipótese equivocada
A crise europeia demonstra que estava totalmente equivocada a hipótese do fim da hegemonia econômico-financeira americana. O que vivemos é uma crise econômica global do capitalismo imperialista. Porém, nesse marco, essa hegemonia não se debilitou, mas se fortaleceu frente aos outros imperialismos, em particular frente ao europeu.

Dois fatos mostram isso claramente. Primeiro é que foi necessária a intervenção do FMI (e através dele, dos EUA, país que controla esse organismo) no “pacote grego” e na sustentação do euro. Em outras palavras, a UE e a zona do euro vão continuar, mas com muito menos autonomia e com a supervisão do “grande irmão”.

Segundo, como expressão da hegemonia, o dólar se fortaleceu como “moeda mundial”. Enquanto o euro vem sofrendo constantes desvalorizações, o dólar (ainda que no último ano tenham sido injetadas quantidades recordes nos mercados) fortalece sua cotação.

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