A Europa está sendo palco de profundas transformações política e sociais. Os planos de austeridade econômica, impostos pelos governos e pela Troika (Banco Central Europeu, União Europeia e o FMI) abriram uma “guerra social” contra os trabalhadores. E essa “guerra” adquire contornos dramáticos, particularmente nos países periféricos da Zona do Euro, como Grécia, Portugal, Espanha, entre outros. A ofensiva dos governos e da Troika é uma resposta direta à crise econômica mundial, a maior crise do capitalismo desde o “Crash de 1929”.

A crise de superprodução, iniciada em 2008 nos EUA, se combinou com uma crise do sistema financeiro mundial, levando a uma paralisia do sistema de crédito. A crise na Europa é parte do mesmo processo, mas agora o centro se desloca dos EUA para o velho continente.
Corte dos salários e aposentadorias; drásticas reduções nos orçamentos dos serviços públicos para destinar mais dinheiro aos pagamentos das dívidas; planos de privatização das estatais; fim das negociações coletivas e de direitos trabalhistas para “facilitar” demissões. Essas são algumas das medidas impostas pela burguesia e que, na prática, aniquilam as conquistas materializadas no chamado Estado do Bem Estar Social.

O resultado não poderia ser outro. O continente assiste um aumento vertiginoso da pobreza e do desemprego (agravados pela recessão que, por sua vez, é acentuada pelos planos de austeridade) enquanto os capitalistas promovem um verdadeiro festim diabólico, destruindo direitos históricos para manter os lucros de bancos alemães e franceses, os verdadeiros donos da União Europeia.

União Europeia e seus países
A União Europeia é um bloco regional imperialista de Estados, cujo núcleo duro é formado pela Alemanha e França, as principais economias capitalistas da Europa. Ao seu redor agruparam-se países imperialistas de segunda ou terceira ordem (Itália, Espanha, Portugal ou Grécia), além dos países do Leste Europeu que passaram pela restauração capitalista e logo foram submetidos a um duro processo de recolonização.
O euro sempre foi instrumento fundamental para a manutenção da hegemonia alemã sobre a Europa. Serviu para afirmar a preponderância da indústria alemã, cujas exportações aos países periféricos da zona do Euro se multiplicaram. Esse processo teve uma dupla consequência. Em primeiro lugar, houve uma desindustrialização de muitos países periféricos da UE, fortalecendo ainda mais a economia alemã. Importante lembrar que a antes do euro, a desvalorização das moedas dos países da periferia da Europa servia como um instrumento para defender parcialmente a sua indústria da agressão comercial da Alemanha e França.

Em segundo lugar, os déficits comerciais dos países periféricos se ampliaram e passaram a ser financiados pelos banqueiros alemães e franceses. Dessa forma, os banqueiros alemães e franceses tiveram a oportunidade de exportar uma grande massa de capitais excedentes, destinadas a periferia.

Dessa forma, os países periféricos da UE afundavam num mar de dívidas, tornando-se cada vez mais dependentes do sistema financeiro franco-alemão.

Assim navegavam as economias destes países pouco antes da crise econômica de 2008. Com a explosão da crise mundial, os Estados nacionais ampliaram como nunca seu endividamento, destinando trilhões de euros para salvar banqueiros e os grandes capitalistas. A contrapartida foi o compromisso dos governos – sejam da “esquerda” social-democrata ou da direita conservadora – com a aplicação dos planos de austeridade. Ou seja, a crise da dívida se tornou um instrumento para submeter os países da periferia da UE aos países centrais do bloco, para assim evitar que a crise possa atingir em cheio suas economias.

Portanto, a conversão da dívida privada dos bancos e capitalistas em dívida pública é a grande razão da guerra social em curso na Europa. Também evidenciou a “missão histórica” do Estado burguês de “socializar” as perdas dos banqueiros.

Democracia colonial
O pagamento das dívidas exigido pela Troika é também um instrumento de controle político. São os mercados que ditam intransigentemente o que os Estados nacionais – supostamente soberanos – podem ou não podem fazer. As burguesias da periferia europeia já não têm margem de manobra. À mercê dos bancos que resgataram à custa de seu endividamento, os governos e os partidos tradicionais cumprem religiosamente todas as exigências financeiras que permitam a acumulação do capital. Se desejarem seguir como sócios menores dos imperialismos centrais devem entregar seus países nas mãos do capital financeiro alemão e francês.

Tal nível de submissão das burguesias periféricas da zona do euro levou à queda de inúmeros governos. A lógica é simples: se o governo, diante das mobilizações dos trabalhadores, não consegue mais aplicar as exigências da Troika ele é substituído. Foi o que aconteceu com Yorgos Papandreu e Silvio Berlusconi (premiês da Grécia e da Itália, respectivamente), que caíram em desgraça e foram substituídos por Lucas Papademos (ex-vice ice-presidente do Banco Central Europeu) e Mario Monti (ex-funcionário Comissão Europeia), agentes diretos do capital financeiro europeu. Sua única e clara missão é aplicar com todo o rigor o receituário dos banqueiros. Assim, os “Estados democráticos” da Europa se reduziram à simples agências de cobrança de uma oligarquia especuladores.

A situação é tão escandalosa que a revista Economist, ligada ao mercado financeiro, ironizou afirmando que a Europa enfrenta “um crescente déficit democrático”. “Não há alternativa”. É preciso buscar “novas formas de governança”, disse o ministro da Fazenda alemão Wolfgang Schäuble, insinuando a imposição de um autoritarismo financeiro aberto no continente.

Esse processo se apóia cada vez mais no aparato de coerção estatal, estendendo medidas de repressão e restrição dos direitos democráticos. Pesadas e brutais repressões policiais são cada vez mais comuns nos protestos dos trabalhadores do continente (veja ao lado). Na Espanha, por exemplo, o ministro do Interior, Jorge Fernández Diaz, apresentou um projeto que tipifica como crime a convocação de protestos pela internet. É a resposta da burguesia ao papel cumprido pelas comunidades virtuais nas rebeliões européias e nas revoluções do Norte da África e Oriente Médio.

Por outro lado, a manutenção destes países na União Europeia – diferente do que muitas organizações de esquerda defendem – aprofunda essa relação semicolonial. Um exemplo é a criação da chamada “União Fiscal” na zona do Euro, um projeto que acabaria com a soberania dos países periféricos do bloco na definição de seus orçamentos. Seria algo semelhante à Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira, mas aplicada em escala continental e totalmente controlada pelo governo alemão. Portanto, o saque dos países periféricos é inseparável de instrumentos utilizados pela burguesia do continente, como a UE e a manutenção do euro.

No entanto, já se discute abertamente a possibilidade da retirada da Grécia e até mesmo de Portugal da zona do euro. Tal proposta vai depender do desenvolvimento mais geral da crise. A dúvida se reduz a como esses países devem sair do euro.
Certamente, só terão permissão para sair após se consumar a pilhagem sobre suas economias. É importante lembrar que todos os planos de resgate destinados a Grécia significam apenas a transferência de bilhões de dinheiro público para os bancos credores à custa da ruína social do país. Assim, de forma “controlada” e “ordenada” se evitaria um contágio maior de outros países como Espanha e Itália.

Luta de classe e crise
A agonia da Europa mostra o quanto estavam furadas as avaliações e expectativas feitas pelos “especialistas” sobre o desenvolvimento da crise. No entanto, é preciso destacar um elemento político. A dinâmica da crise possui uma interdependência com a luta de classe. A tentativa de descarregar o peso da crise sobre as costas dos trabalhadores vem produzindo greves e mobilizações. Há um ascenso generalizado no continente que poderá ampliar a instabilidade política na Europa, deflagrada pelas lutas contra os planos de austeridade. Além de influir sobre o próprio desenvolvimento da crise, afetando a retomada da taxa de lucros e a própria recuperação.

Em que pese o medo do desemprego e as políticas traidoras das direções oficiais do sindicalismo europeu, a resposta dos trabalhadores, particularmente na Grécia, estão se transformando em símbolo no velho continente.