Trezentos estudantes de diversas universidades do Brasil ocuparam, na última quinta-feira, 14, pela manhã, a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Belo Horizonte (MG)Os manifestantes entregaram carta que cobra posicionamentos do órgão público quanto à lentidão da Reforma Agrária, reivindica expropriação das terras com trabalho escravo e denuncia a violência e impunidade no campo. A carta-protesto também está sendo entregue em outras superintendências, nesta sexta-feira, nas cidades de São Paulo (SP), Belém (PA), Natal (RN), Aracaju (SE), Rio de Janeiro (RJ), Cuiabá (MT), Salvador (BA), Porto Alegre (RS) e Curitiba-PR.

Segundo o Fórum Nacional de Reforma Agrária, 2007 foi o pior ano para a Reforma Agrária no Brasil nos últimos dez anos. O número de desapropriações foi baixo e, quando as terras são desapropriadas, não se oferece estrutura. Os créditos são insuficientes e as famílias não têm acesso a serviços de saúde e educação adequados.

As estatísticas sobre a violência no campo também são alarmantes. De 1985 a 2005 foram cometidos 1.426 homicídios ligados a conflitos agrários no Brasil. Apenas 76 casos foram levados a julgamento. Desses, 16 mandantes foram condenados, mas nenhum está preso.

Leia, abaixo, a carta entregue pelos estudantes ao Incra.

Carta-protesto dos estudantes ao Incra
Nós, estudantes de diversos cursos e universidades brasileiras, que nos dedicamos a estudar e interpretar a realidade brasileira e propor soluções para os problemas do nosso povo, sentimos necessidade de expressar nossa preocupação em torno de alguns assuntos pertinentes a este órgão e ao Estado brasileiro de modo geral. Desta forma nos articulamos nacionalmente para a elaboração desta pauta conjunta que está sendo entregue hoje em diversas superintendências regionais do INCRA. Também a título de protesto e refletindo o nosso estado de indignação com a situação da reforma agrária no Brasil, ocupamos nesta manhã a sede do INCRA SR 06, em Minas Gerais com 300 jovens universitários de 13 universidades mineiras e 11 de outros estados, permanecendo no prédio até que se chegue a um termo de acordo sobre os seguintes itens:

1. Estamos indignados com a situação da Reforma Agrária no Brasil. Solidarizamo-nos com o Fórum Nacional de Reforma Agrária (FNRA) e a todas as suas organizações e movimentos que lutam pela terra no Brasil que em seu manifesto de janeiro último declaram 2007 como o pior ano para a Reforma Agrária no Brasil.

2. Apoiamos a iniciativa encabeçada pela Comissão Pastoral da Terra e encampada pelo FNRA de promover um amplo debate na sociedade a respeito da necessidade de limitar o tamanho da propriedade rural no Brasil. Neste sentido, queremos a abertura do INCRA a esta pauta, que entendemos também lhe diz respeito, apoiando a campanha nacional no que for necessário.

3. Exigimos a imediata atualização dos índices de produtividade ora utilizados, que ainda são de 1975, de acordo com a proposta do MDA de 2005. Confiamos que esta medida contribui enormemente para agilizar o processo das desapropriações em diversos estados brasileiros e é um ponto central da luta pela Reforma Agrária e pela justiça social no campo hoje.

4. Pela proibição da compra de terras por empresas estrangeiras para monocultivo de cana, gado, soja, etc. A especulação fundiária para a produção do agronegócio já fez os preços de terra baterem recordes em diversos lugares. Pela expropriação imediata das terras de empresas estrangeiras em área de fronteira, que viola a constituição brasileira e agride a soberania nacional, como exemplo as terras da transnacional Stora Enzo, na fronteira do RS.

5. Em especial pedimos que seja aprovada a lei de expropriação de todas as fazendas com trabalho escravo. E recuperar imediatamente as mais de 80 fazendas identificadas pela justiça federal como lavagem de dinheiro do narcotráfico, no Mato Grosso do Sul.

6. Pela imediata desapropriação da fazenda Nova Alegria de propriedade do Sr. Adriano Chafik Luedy, mandante e executor do massacre de Felizburgo, em 20 de novembro de 2004, em Minas Gerais. O processo já percorreu todos os trâmites burocráticos e encontra-se há mais 5 meses na mesa do Presidente da República aguardando somente sua assinatura.

7. Punição aos culpados dos inúmeros casos da violência nas questões fundiárias, tendo como exemplos os assassinos da Irmã Dorothy e do massacre de Eldorado dos Carajás, ambos no Pará, e do recente assassinato de Valmir Mota pela Syngenta no Paraná e tantos outros. De 1985 a 2005, foram cometidos 1426 homicídios ligados a conflitos agrários no Brasil. Apenas 76 casos foram levados a julgamento, 16 mandantes foram condenados. Nenhum está preso.

8. Por soberania alimentar! Não comemos eucalipto ou cana-de-açúcar. Somos contra o monocultivo exportador que causa aquecimento global e tantos prejuízos ambientais. Exigimos a reversão do modelo tecnológico e agrícola que vem sendo priorizado pelo governo e que favorece largamente as grandes culturas de commodities para exportação em detrimento da produção de alimentos para consumo interno.

9. Todo apoio à criação e fortalecimento dos cursos e turmas específicos para os movimentos sociais em convênio com as universidades federais e estaduais. Acreditamos que dessa forma inicia-se um importante processo de recuperação de uma dívida histórica com os sujeitos sociais excluídos do processo de desenvolvimento industrial-dependente que expulsou milhões de famílias do campo, gerando um arco de excluídos urbanos nas periferias das cidades e um contingente de excluídos rurais – os sem-terra.

10. Pelo fortalecimento da Reforma Agrária no seu sentido pleno, não restrito a entrega de lotes e sem um mínimo apoio posterior. É necessário um conjunto de medidas que consolidem no campo o núcleo familiar e comunitário com garantia de infra-estrutura, educação, saúde, cultura, esporte e crédito. No que cabe a nós, da universidade, propomos que seja priorizada a produção de pesquisa e extensão que acumule para a compreensão da realidade da luta pela terra e contribua para a mediação de seus conflitos e meios de solucioná-los.

11. Que o Estado brasileiro reconheça a importância do estabelecimento da relação entre o movimento camponês e estudantil e viabilize ferramentas para seu fortalecimento. A experiência dos estágios de vivência têm se mostrado acertadas e já duram 19 anos, contribuindo para uma formação profissional socialmente referenciada, solidária e comprometida com a transformação da realidade do campo. É necessário consolidar políticas públicas que viabilizem sua implementação e continuidade nos estados, garantindo recursos e prioridade política para sua realização.

Belo Horizonte, 14 de fevereiro de 2008

ASSINAM: Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil, Associação Brasileira de Estudantes de Engenharia Florestal, Diretoria Executiva Nacional dos Estudantes de Fonoaudiologia, Executiva Nacional dos Estudantes de Terapia Ocupacional, Executiva Nacional dos Estudantes de Farmácia, Executiva Nacional dos Estudantes de Veterinária, Federação do Movimento Estudantil de Estudantes de História, Executiva Nacional dos Estudantes de Biologia, Executiva Nacional dos Estudantes de Filosofia, Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física, DCE-Viçosa(MG), DCE UFMT (MT), DCE-UFMG (MG), DCE-Uberlândia(MG), DCE-SJDR(MG), DCE UFJF (MG), DCE UFBA (BA), DCE UFPA (PA), DCE Estácio de Sá, DCE Unicamp, DCE UFPI (PI), DCE Uncisal, DCE UFAL; DCE da UENF (ES), Diretório Acadêmico Marina Andrade Resende (UFMG), Diretório Acadêmico de Biologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Diretório Acadêmico de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Diretório Acadêmico de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (UFMG), DAON UFSM; DA Medicina Uncisal; DA Nossa Voz Uncisal; CA de TO da UEPA, CA Farmácia UFPI; CA Alexandre Martins Castro Filho (UNIVIX), CA de Comunicação (FAESA), CA João Baptista Herquenhoff (UVV), DA de Fono UFSM (RS), CA de C.Sociais de UFMT, CA Agro UFSM (RS), CA de Psicologia da UFPR, C.A. de Farmácia da UFPR, CA de Agronomia da UFRRJ, CA de Agro da UFERSA(RN), CA-TO USP; CAFONO USP; CAAGRO UFRA (PA); CAEF UFRA (PA).