Entre os dias 27 e 30 de março, a reitoria da Unicamp ficou sem funcionamento e sob responsabilidade de um importante movimento de ocupação, que tinha como reivindicação central melhorias na Moradia Estudantil, maior democracia no Conselho Universitário e um posicionamento público da reitoria acerca dos decretos do governador José Serra envolvendo as Universidades Públicas Paulistas

Desde o início de 2006, os estudantes e moradores da Moradia Estudantil vêm se organizando para acabar com as medidas autoritárias que vinham sendo tomadas pela então administradora da Moradia, a professora Kátia Stankato. Tais medidas envolviam desde a má administração das poucas verbas públicas até posturas racistas e preconceituosas com alguns estudantes.

O ponto culminante para grande indignação dos alunos foi a possibilidade de desmoronamento do Bloco B da Moradia, que já apresentava rachaduras há muitos anos, e nenhuma providência foi tomada. Frente a este fato, os estudantes organizaram um grande ato para o dia do primeiro Conselho Universitário da Unicamp do ano, no dia 27 de março.

Neste mesmo dia, entretanto, o conjunto do movimento estudantil da Unicamp já vinha se organizando para se manifestar radicalmente contra uma das medidas mais autoritárias já vistas entre as Universidades Públicas. Desde 2004, os estudantes perderam o direito de organizar as eleições para eleger seus representantes nas principais instâncias de deliberação da universidade, como o Conselho Universitário. Esta medida autoritária colocou sob responsabilidade da reitoria a organização do processo.

Esta ação tem como objetivo limitar qualquer manifestação contrária ao projeto neoliberal de universidade da reitoria da Unicamp, muito respaldada, por sinal, pelo projeto do governo Serra e do governo Lula. No ano passado, o movimento estudantil organizou eleições paralelas às da reitoria e garantiu uma eleição muito mais legítima (a eleição da Reitoria obteve 184 votos, e a dos estudantes, mais de 4 mil votos).

O contexto para tais problemas também foi muito favorável para fazer explodir uma das maiores manifestações dos estudantes da Unicamp nos últimos anos. Em primeiro de janeiro deste ano, o governador José Serra decretou medidas que atacam frontalmente a autonomia universitária que já vinha sucessivamente sendo destruída com os míseros 9,57% do ICMS para as Universidades Estaduais Paulistas. A tensão do movimento estudantil já estava intolerante: essa é a explicação da dimensão que tomou a ocupação da reitoria da Unicamp, com uma significativa base de apoio dentro e fora da Universidade.

Era o poder de resistência apresentado pelos mais de 500 estudantes que por ali passaram que a reitoria da Universidade estava desafiando. Por conta das traições pelas quais passaram o movimento estudantil, não só a reitoria da Unicamp, mas também os sucessivos governos do PSDB em São Paulo e do PT, em nível federal, estão desafiando o atual poder de mobilização dos estudantes.

Lula quer, neste ano, terminar de aplicar sua reforma universitária com a quarta versão nomeada de PL 7.220. Apesar da companhia da União Nacional dos Estudantes para aplicar o projeto da reforma, Lula está imaginando um processo de resistência. Nos dias 25 e 26 de março, Lula e seu governo tiveram certeza disso.

No dia 25, cerca de 6 mil pessoas, entre trabalhadores do campo e da cidade e muitos jovens lotaram o ginásio do Ibirapuera numa grande disposição de organizar a luta contra as reformas neoliberais do governo. A unidade entre uma série de setores dos movimentos sociais foi elemento determinante para esse encontro vitorioso e continuará sendo para o avanço das lutas.

Já no dia 26, foi a vez da juventude mostrar que, apesar da traição da UNE, o movimento estudantil combativo se mantém na luta em defesa da educação pública e por isso encaminhou, na Plenária Nacional Contra a Reforma Universitária, um importante calendário de lutas para este ano.

Foi com esta empolgação para as lutas que muitos estudantes voltaram dos Encontros e nem dormiram direito, porque no dia seguinte realizaríamos o ato-ocupação no Conselho Universitário. No primeiro dia de ocupação, a Reitoria se mostrou intransigente e não queria sequer debater alguns pontos, como a representação discente nos órgãos colegiados e a saída da professora Kátia da administração da Moradia. Além disso, entendia a o movimento de ocupação como uma “representação irrisória dos estudantes da Unicamp”.

Com a ampliação do movimento, a reitoria passou a encarar nossa luta com mais seriedade e foi pressionada a negociar com os estudantes. Era realmente impressionante a adesão que passou a ter a ocupação em quase todas as salas de aula da Unicamp. Em cada momento do dia, chegavam salas de aula inteiras gritando, junto com os ocupantes, “nas ruas, nas praças, quem disse que sumiu? Aqui está presente o movimento estudantil!”.

A intransigência da reitoria foi também evidenciada em sua postura autoritária logo no primeiro dia de ocupação. Às 15h15 de terça-feira, a comissão de negociação dos estudantes recebeu um pedido de reintegração de posse e fomos avisados que às 17h15, a polícia estaria em frente à reitoria. Desde este horário, a polícia permaneceu em frente ao prédio até o último minuto da ocupação, na sexta-feira. Isto também se configurou uma vergonha para a reitoria e garantiu um apoio cada vez maior da comunidade universitária ao movimento estudantil.

De toda forma, a “representação irrisória dos estudantes” passou a ser maior e cada vez mais resistente. Até o segundo dia de ocupação, não havíamos tomado a sala do Conselho Universitário. Entretanto, o espaço estava ficando muito pequeno para tantos estudantes, o que demandou que passássemos a ocupar o Consu para realizar as importantes plenárias que definiram os rumos de nosso movimento.

Na manhã de sexta-feira, os pró-reitores chamaram uma reunião de negociação, em que entramos num importante acordo: além das necessárias reformas do Bloco B da Moradia estudantil e toda a assistência garantida aos estudantes que ficaram desalojados, a reitoria da Unicamp teve de conceder o afastamento da professora Kátia da administração da Moradia, além de garantir a retomada da discussão acerca da representação discente no próximo Conselho Universitário. Junto a isso, incorporamos em nossa pauta o repúdio a qualquer punição aos estudantes, já que fazíamos um ato legítimo e não tínhamos danificado absolutamente nada do patrimônio público, como ficou claro na vistoria realizada pelos representantes da reitoria.

Dessa maneira, os estudantes desocuparam a reitoria por volta das 18h de sexta-feira com muita satisfação de ter conquistado importantes vitórias. Assim que saímos de lá, fizemos um ato, saindo em caminhada da reitoria, percorrendo o Ciclo Básico da Unicamp e mostrando a todos nossa grande vitória e a necessidade de seguirmos em luta.

Dia 17 de abril: construir a greve pra derrotar os decretos de Serra e a reforma universitária de Lula
No dia 29 de março, a Assembléia Geral dos Estudantes da Unicamp, em função da Ocupação, ocorreu em frente à reitoria. O objetivo era debater a organização e construção da greve contra os decretos de Serra, debate que vem sendo feito em todas as entidades das Universidades Estaduais Paulistas e do Centro Paula Souza, dado que os decretos de Serra representam um forte ataque à educação pública Paulista.

O dia 17 de abril pode ser um grande marco na luta contra as reformas de Lula. Neste dia, o funcionalismo público federal também vai parar para gritar bem alto seu repúdio ao Programa de Aceleração do Crescimento de Lula (PAC) e às suas reformas que retiram direitos históricos da classe trabalhadora. No estado de São Paulo, o Fórum das Seis (instância que congrega as três associações de docentes da Usp, Unesp e Unicamp e os três sindicatos) fará um ato em São Paulo para lançamento de sua campanha salarial e de sua campanha contra os decretos de Serra.

Considerando a importância deste dia e a necessidade de fazermos crescer a mobilização dos estudantes da Unicamp, indicamos a greve a partir do dia 17. A ocupação da reitoria e suas conseqüentes vitórias deram um novo gás para o movimento estudantil da Unicamp, que tem muitos desafios pela frente, afinal a Unicamp é muito avançada na aplicação de algumas medidas da reforma universitária privatizante de Lula. Os dirigentes da Unicamp estão em harmonia com Serra e com Lula na destruição do caráter público da universidade. Apesar do posicionamento público do reitor e do Conselho Universitário contra os decretos de Serra, a cada sessão desta instância, uma nova empresa torna-se parceira da Unicamp. Entre elas, estão o Banespa-Santander, a Ajinomoto e a Microsoft, bem como orienta Serra com o contingenciamento de verbas públicas.

Portanto, a luta contra reforma universitária também vai se dar na Unicamp através do breque da aplicação do Planes (Planejamento Estratégico) que se assemelha aos PDIs (Planos de Desenvolvimento Institucional) das Universidades Federais, por onde Lula também quer aplicar sua reforma destruidora.

Fortalecer a Frente de Luta Contra a Reforma Universitária
As lutas recentes estão demonstrando que a unidade é elemento determinante da vitória da luta em defesa da educação pública e, portanto, contra a reforma universitária. Neste sentido, foi com o espírito unitário da Plenária do dia 26 de março que os militantes que constroem a Conlute, junto aos que constroem a Frente de Oposição de Esquerda da UNE, obtiveram vitórias em conjunto para o movimento estudantil da Unicamp.

Este é um saldo de nossa unidade e não de nossas diferenças. A Unicamp foi a impulsionadora de um exemplo que tem de ser seguido em todas as partes do país para também termos nosso “março francês” e barrar os projetos neoliberais de Lula.

A esquerda da UNE, entretanto não representa a posição que mais se conhece desta entidade, que é uma posição de desmobilizar as lutas. Afinal, qualquer luta em defesa da educação pública vai, necessariamente, se chocar com o governo federal que quer privatizar a educação, e é este governo que a UNE apóia em qualquer circunstância.

O Encontro do dia 26 e as mobilizações locais são provas cabais de que esta entidade já não mais serve pra organizar a luta do movimento estudantil combativo. Apesar disso, reivindicamos toda a unidade possível com os setores que ainda estão na UNE, mas se mantêm em defesa da educação pública engajados na luta contra a Reforma Universitária.

A prova definitiva de que bons ventos nos esperam nesta nova conjuntura aberta é a criatividade alegre do movimento estudantil, que, desde o “Maio de 68” ilumina nossas mentes. Numa paródia do grito de guerra da torcida flamenguista (“Obina é melhor que Eto’o”), os dias de ocupação foram divertidos pela impregnante música “Obina é melhor que o reitor” e variantes como “Obina é melhor que a Kátia”, ou que o Serra e, finalmente, que o Lula.

*O CACH é o Centro Acadêmico de Ciências Humanas da Unicamp e, atualmente, participa da construção da Coordenação Nacional de Lutas dos Estudantes (Conlute).