Matheus Gomes (de rasta) durante protesto em frente ao Consun

Mobilização arranca uma primeira vitória no Conselho UniversitárioNa manhã de sexta-feira, 20 de julho, Martina Gomes, representante discente no Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), informou aos alunos que a primeira batalha da luta pela consolidação e ampliação das cotas na UFRGS havia sido ganho pelo movimento estudantil e negro. Devido à pressão dos movimentos estudantil e negro, que desde a noite anterior ocupava a “Casa Grande” da universidade, o Consun foi obrigado a recuar em sua proposta (de aprovar a manutenção da atual e insuficiente cota para negros, vinculado às cotas sociais) . Pelo menos por enquanto.

Negra, cotista, militante da Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre (Anel) e da Juventude do PSTU, Martina estava exultante como as dezenas de estudantes que aguardavam o resultado: “Essa batalha está ganha, mas não a guerra. Ao contrário do que pretendia, a reitoria não teve condições políticas de aprovar seu projeto, nem de manobrar, antecedendo a votação do mérito. Lá dentro, nós conseguimos, através de um pedido de vistas, anular o parecer deles e agora eles serão obrigados a negociar conosco. Mas isto só aconteceu devido a pressão que veio daqui de fora. A discussão foi adiada para o dia 3 de agosto. Agora, vamos levantar nosso acampamento. É hora de voltarmos para as nossas entidades e nos organizarmos para voltarmos, ainda com mais força, daqui a duas semanas” .

Dirigente do DCE da universidade e membro da direção nacional do Quilombo Raça e Classe, Matheus Gomes, o “Gordo” (que também é candidato a vereador pelo PSTU de Porto Alegre), nos concedeu a entrevista abaixo ainda no calor dos acontecimentos, destacando a importância desta luta e quais serão os próximos passos.

Portal do PSTU – Matheus, qual a importância do que está ocorrendo na UFRGS?
Matheus – Acreditamos que, com a vitória que conseguimos hoje, a luta pelas cotas raciais na UFRGS ganha um novo gás! E acreditamos mais: na conjuntura que estamos vivendo, marcada por ataques à população negra, uma vitória por aqui pode ser um símbolo muito importante. Por isso mesmo, queremos intensificar a luta, garantir o apoio de todo movimento negro, quilombola, sindical, estudantil e popular a nível nacional, para construir uma grande mobilização para o dia 3 de agosto, quando o tema voltará à pauta do Consun.

O que estava em jogo na votação do Consun e o que o movimento conquistou com a mobilização que valou a noite?
Estamos lutando pela ampliação das ações afirmativas na UFRGS e, também, pela desvinculação da reserva de vagas para estudantes negros das cotas sociais. O parecer da reitoria não incluía as cotas raciais. Através do pedido de vistas feito pelos representantes discentes e nossos aliados no Conselho, o parecer foi, na prática, derrubado. Foi uma decisão foi muito importante, pois a reitoria queria votar primeiro o mérito da questão (a permanência ou não) e depois o conjunto do parecer, o que impediria o próprio pedido de vistas e poderia significar a imposição definitiva da política da reitoria.

O que já existe, em termos de ações afirmativas, na Federal do Rio Grande do Sul?
Como resultado de décadas de lutas dos movimentos negro e estudantil, gaúcho e nacional, houve a aprovação, em 2007, de uma política de ações afirmativas ainda bastante “recuada”, que funcionam da seguinte forma: há uma reserva de vagas de 30% para estudantes de escola pública e, dentro desse percentual, 15% são reservados para estudantes negros. Além disso, dez vagas são ocupadas por estudantes indígenas. A aplicação da política teve início em 2008 e, nesse ano, está sendo submetida à avaliação da Comissão de Acompanhamento, que foi instituída entre o CONSUN e o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão.

O que a reitoria queria aprovar?
A proposta apresentada pela Comissão e defendida pelo Reitor Carlos Alexandre Neto – que é sempre bom lembrar é um militante do PT e foi o segundo colocado nas eleições à reitoria, em 2008, e, mesmo assim, foi empossado pelo então ministro da Educação, Fernando Haddad – não prevê nenhuma mudança qualitativa no atual sistema. Eles estão propondo um pequeno aumento na reversa de vagas (para 40%, ficando atrás, inclusive, da proposta do PL nº 73/1999, que prevê 50% de cotas para estudantes de escola pública), e nem garante as medidas mínimas de assistência estudantil, necessárias para incorporar de fato esse setor social na vida acadêmica. Além disso, as cotas raciais continuam sendo um apêndice das cotas sociais, relacionadas ao histórico escolar do estudante, se estudou em escola pública ou particular, e não à sua origem étnica.

Qual é a proposta defendida pelos movimentos negro e estudantil?
A partir de estudos realizados por acadêmicos e principalmente pelo movimento negro, o DCE e o Fórum de Ações Afirmativas, construímos uma proposta de ampliação da reserva de vagas na UFRGS para 50%, com a desvinculação da reserva de vagas para estudantes negros das cotas sociais, ampliando o índice para 25%. Além disso, também propusemos a inclusão das cotas para estudantes deficientes e a ampliação da reserva indígena para 20 vagas anuais.

Nos materiais que vocês têm produzido, temos visto que a luta não se resume às cotas, mas também dá ênfase às políticas de permanência. O que vocês propõe? Não temos ilusão de que a conquista de cotas, que é uma reivindicação justíssima, é suficiente, nem para garantir a presença de negros e negras na universidade nem para combater o racismo que impera no mundo acadêmico. Por isso, nossa política está apoiada em propostas de assistência estudantil, que incluem o aumento do número e do valor das bolsas; a ampliação das Casas de Estudantes e dos restaurantes universitários; além de auxílios especiais. Além disso, o movimento propõe a criação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFRGS, de uma ouvidoria especial para atender os casos de racismo, juntamente com uma Comissão Especial de Acompanhamento, organizada de forma paritária por estudantes, professores, técnicos e representantes do movimento social.

Como foi a mobilização e por que vocês decidiram por ocupar a reitoria?
Na noite de ontem (19), cerca de 70 estudantes ocuparam a reitoria para iniciar, com antecedência, a pressão nos Conselheiros Universitários. É importante destacar que tivemos o apoio do movimento grevista dos professores e servidores, que também entendem nossa luta como parte de mais investimentos e melhoria da qualidade da Educação. Também contamos com a presença do movimento quilombola e popular, que nos auxiliaram a montar uma aula pública sobre o histórico das cotas raciais. A ocupação foi decidida em uma assembleia estudantil, que definiu as táticas para a mobilização e a reunião. Achamos que foi uma iniciativa de enorme importância, não só por ter garantido nossa vitória, mas também por ter sido fruto de uma ação unitária dos movimentos negro, estudantil, popular e sindical, que nós (e, aqui, falo particularmente como militante do Quilombo Raça e Classe) acreditamos fundamental na luta contra o racismo e em defesa de uma educação que, realmente, atenda as necessidades da população negra, a maioria em nosso país.

Quais são os próximos passos do movimento?
O adiamento da votação foi muito importante, pois fortalece a luta e a articulação conjunta entre estudantes, quilombolas e trabalhadores em greve e amplia a possibilidade de uma vitória na próxima reunião. A UFRGS é considerada uma das universidades mais conservadoras do país e, em 2007, a aprovação das ações afirmativas vieram a partir de muita luta, com reitoria ocupada e uma grande polarização na comunidade acadêmica. Novamente esse clima está instaurado, agora é a hora de fortalecer a mobilização, para garantir as cotas raciais na UFRGS. Então, para o dia 3 de agosto, queremos fazer uma forte mobilização e, desde já, conclamamos os movimentos de todo o país a se solidarizem à nossa luta.