O Chile vive as maiores mobilizações populares contra o modelo econômico neoliberal desde 1972. Tudo começou com um protesto no dia 31 de maio, quando mais de 600 mil secundaristas foram às ruas de todo o país para lutar por melhores condições de ensino. Eles reivindicam a gratuidade do exame de vestibular e a revogação da Lei Orgânica Constitucional de Ensino (Loce), promulgada pelo ditador Pinochet. Os estudantes argumentam que a Loce criou enormes desigualdades entre as escolas públicas, pois repassou às prefeituras a responsabilidade pela educação.

As manifestações se espalharam e ganharam a ampla simpatia da população. A Revolta dos Pingüins – uma referência dos uniformes azuis e brancos dos secundaristas da rede pública – atingiram seu ápice na greve geral, convocada pelos estudantes no último dia 5, quando mais de um milhão de secundaristas voltaram a protestar e, desta vez, contaram com a participação dos universitários. A paralisação contou também com a adesão de setores dos trabalhadores, como professores, que decidiram não dar aulas, trabalhadores do Ministério da Educação e sindicatos.

No porto de Valparaíso, houve uma passeata de 5 mil pessoas, com participação dos trabalhadores portuários. Até agora 651 colégios seguem ocupados. A rapidez com que os protestos se espalharam e adesões de trabalhadores são aspectos que permitem fazer uma comparação com as manifestações estudantis na França contra o Projeto do Primeiro Emprego.

Estabilidade abalada
Considerado o país com maior estabilidade política da América Latina, o Chile se vê hoje subitamente abalado pelos protestos dos “pingüins”. Michele Bachelet, presidente chilena e líder da Concertácion (coligação de frente popular formada pelos partidos Socialista e Democrata-Cristão, que governa desde o fim da era Pinochet), não imaginava que as manifestações ganhassem a simpatia da população e pudessem abalar seu governo, considerado um “modelo” pelo imperialismo. O ministro do Interior, Andrés Zaldívar, em entrevista ao jornal El Mercurio, chega a admitir que “não imaginávamos que, 60 dias depois da posse, os estudantes nos colocariam contra a parede“.

Eleita presidenta da República no dia 15 de janeiro, Michelle completa o ciclo de mandatos da Concertácion, depois de Patrício Alwyn, Eduardo Frei e Ricardo Lagos. Ao longo de todos estes anos, defensores da globalização capitalista apresentaram o Chile como a menina dos olhos do neoliberalismo, dizendo que os resultados da sua economia seriam a prova incontestável do sucesso deste modelo.

Escondem, porém, que a sustentação de tal estabilidade é apoiado pela indiscriminada exploração do cobre (principal riqueza do país), roubando pelas multinacionais, e por uma brutal exploração dos trabalhadores, que não possuem qualquer tipo de proteção trabalhista.

O retorno das eleições diretas no país não significou o fim da maioria das instituições do regime anterior. A Concertácion manteve leis que limitam o direito à greve dos trabalhadores e reprime duramente o movimento sindical. Isto porque na época que Pinochet saiu do governo houve um pacto entre os partidos, cujo objetivo era realização de uma transição “gradual e sem choques”. Tal política chegou ao absurdo de conceder ao antigo ditador um cargo vitalício no Senado. Com isso, o movimento operário do país esteve preso a uma camisa de força enquanto se aprofundava o neoliberalismo.

O país testemunha agora a liberação de uma rebeldia represada por décadas. A juventude, com sua criatividade, unidade e combatividade está desafiando anos de opressão político e cultural. Por outro lado, Bachelet acumula desgastes políticos com os protestos. Uma pesquisa de opinião mostrou que, após os protestos, a rejeição à gestão de Bachelet subiu de 11,3% em abril para 20,9%. Ou seja, quase o dobro.

O período de calmaria social no Chile se interrompeu surpreendentemente. Os protestos estudantis colocam o país mais próximo agora da situação política da maioria dos países da América Latina.

Mobilizações prosseguem
Bachelet respondeu a crise se oferecendo para negociar com os estudantes. Para isso, criou um conselho para estudar mudanças no sistema de ensino e tenta incorporar representantes estudantis nesse Fórum.

Mas os estudantes pediram a maioria no Conselho. A presidente rechaçou o pedido. Setores do movimento estudantil ligado ao Partido Socialista defendem ingressar na comissão mesmo sabendo que terão apenas 7 cargos num total de 75. Já outros setores recusam essa proposta, pois avaliam que ele pode significar uma armadilha do governo para desmontar as mobilizações. Tal desconfiança é extremamente justa. Os estudantes sabem que a Concertácion aprofundou os planos neoliberais nos últimos 16 anos. Entre eles, a mercantilização do ensino público.

Não se pode depositar nenhuma confiança no governo Bachelet. Os estudantes devem seguir se mobilizando para conquistar as suas reivindicações. A exemplo do que aconteceu na França, somente a mobilização independente dos estudantes pode fazê-los vitoriosos.