Protesto exige Justiça

Grupo de estudantes angolanos foi atacado por homens armados no dia 22 de maioNós, negras e negros, lidamos todos os dias com o preconceito, a discriminação e o racismo. Na maioria das vezes, de maneira velada: nas entrevistas de emprego, na hora de alugar uma casa ou abrir uma conta bancária.

Ainda assim, somos ensinados a olhar para o nosso dia-a-dia, como para a nossa história, sem enxergar o papel nefasto que a ideologia racista cumpriu e cumpre para fazer que hoje existam dois ‘Brasis’. Apenas como exemplo, no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, em 2009 o Brasil ocupava o 70º lugar. Se considerássemos, o IDH só da população branca, numa lista de 177 países, o Brasil saltaria para o 40º lugar. Se, ao contrário, considerássemos apenas a população negra, despencaria para a 104ª posição.

Negras e negros estrangeiros que vêm ao Brasil se surpreendem ao perceber o preconceito evidente com o qual são tratados, muito mais do que por serem estrangeiros, por serem negros. Enxergam sem dificuldade que não estão em uma democracia racial, mas em um país racista. Uma realidade que nós, no Brasil, fomos ensinados a não ver.

Um atentado racista e covarde
Lamentavelmente, cada vez têm se tornado mais frequentes situações em que o racismo mostra sua face mais evidentemente trágica. Foi o que aconteceu no último dia 22 de maio, no bairro do Brás, em São Paulo. Em um bar na Rua Cavalheiro, dois brasileiros, que até o momento não foram identificados, começaram a provocar um grupo de estudantes angolanos de maneira escancaradamente racista, referindo-se a eles como “macacos”, dentre outras expressões bem conhecidas de negras e negros brasileiros. Os dois homens foram expulsos do bar.

Por volta de 20 minutos depois, um deles retornou em um Golf Prata, desceu do carro e disparou vários tiros contra o grupo. A estudante Zulmira de Souza Borges, de 27 anos, foi executada com um tiro na testa. Foram disparados dois tiros contra Celina Bento Mendonça, de 34 anos, grávida de 8 meses, mirando a barriga. Gaspar Armando Mateus, 27 anos, e Renovaldo Manuel Capenda, de 32, foram atingidos nas pernas.

Gaspar e Renovaldo foram socorridos ao hospital e receberam alta na manhã seguinte, Celina ficou internada, passa bem e o bebê não foi atingido. Zulmira não teve nenhuma chance contra a covardia. A estudante que estava concluindo seu mestrado em engenharia foi sepultada em sua cidade natal, Luanda, no cemitério Santa Ana, em um funeral acompanhado por centenas de amigos e familiares.

Racismo e xenofobia: uma combinação perversa
Este episódio revoltante se soma a uma estatística igualmente lamentável. Ser negro no Brasil não significa apenas viver conforme os piores indicadores de qualidade de vida, ganhar cerca de 54% menos, frequentar as escolas públicas da pior qualidade e ser obrigado a abandoná-las antes, trabalhar mais horas durante os dias e mais dias durante a vida. Significa, principalmente, morrer mais cedo. A expectativa média de vida de um homem negro no Brasil é seis anos menor que a de um homem branco.

Nós negros e negras estamos na alça de mira da polícia, no fogo cruzado do tráfico e somos alvo prioritário dos nazi-fascistas de plantão. A resultante dessa equação sinistra é que 70% dos jovens entre 15 e 24 anos vítimas de homicídio no Brasil são negros.

Desta vez, o racismo que vitima negras e negros brasileiros combinou-se perversamente à xenofobia. Os jovens alvejados eram imigrantes e negros. Imigrantes como são os brasileiros na Europa ou nos Estados Unidos buscando melhores condições para estudar ou trabalhar, negros como muitos e muitas que morrem todos os dias no Brasil, pelas mãos da polícia, do crime organizado ou de pessoas e grupos que levam o preconceito às suas últimas consequências.

Se depender da vontade do estado capitalista e da polícia, os tiros que atingiram Gaspar, Renovaldo e Celina, e que tiraram a vida de Zulmira passarão impunes, como passam os assassinatos de negros e negras todos os dias, com no mínimo a cumplicidade dos governos submissos aos interesses da burguesia racista.

Protestos
Diversos atos já foram organizados em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo para denunciar esta atrocidade e exigir apuração rigorosa deste crime. Em São Paulo está sendo organizado um ato nesta quinta-feira, 21 de Junho, às 16h no Pátio do Colégio, em frente à Secretaria de Justiça, com a participação de entidades do movimento negro, imigrantes e amigos de Zulmira. Também em São Paulo, no dia 22 às 18h, na Rua Riachuelo, 268 (Sala São Francisco) será realizado um ato pluri-religioso, e ainda uma audiência pública está sendo convocada para o dia 28 de Junho na Câmara Municipal de São Paulo.

Ao mesmo tempo, entidades do movimento negro, movimentos sociais e associações que atuam com imigrantes no Brasil irão protocolar no Palácio do Planalto uma representação exigindo providências e um imediato pedido oficial de desculpas às famílias dos estudantes agredidos e à comunidade angolana no Brasil, dentre outras medidas que têm por objetivo responsabilizar o Estado pelo acompanhamento do caso e coibir outras ações racistas e xenofóbicas.

Está nas mãos dos trabalhadores e trabalhadoras exigir justiça para os estudantes angolanos alvejados no Brás. Entidades do movimento negro, sindicatos, lutadores e lutadoras, não podem se furtar à luta para que este crime seja investigado e os culpados punidos.