Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

Érika Andreassy, enfermeira há 22 anos e pesquisadora do Instituto Latino-americano de Estudos Sócio Econômicos (ILAESE), São Paulo (SP)

São com essas palavras que a enfermeira Rosana (nome fictício) descreve a situação num dos principais hospitais públicos do país, o Hospital São Paulo (HSP). Segundo ela, se no Rio de Janeiro já começam a faltar medicamentos para o tratamento dos pacientes, no HSP faltam seringas, agulhas, fitas e lancetas (para medir a glicemia de pacientes diabéticos), além de bombas de infusão (para administração de medicações),  ventiladores e monitores de sinais vitais, entre outros insumos e equipamentos.

E não estamos falando de qualquer hospital, o HSP é uma das maiores e mais respeitadas instituição de saúde de toda a América Latina. Ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), conta com 753 leitos, 130 ambulatórios de 95 especialidades, além de pronto-socorro de portas abertas e atendimento de alta complexidade. Embora seja considerado uma entidade filantrópica, a maior parte de sua força de trabalho é de servidores públicos, sendo que mais de 90% dos atendimentos realizados pelo HSP são pelo SUS.

O desabafo de Rosana descreve bem o quadro dramático vivido por profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia na rede pública. Enquanto o presidente Bolsonaro faz uma campanha diária contra o isolamento social e o ministro da saúde Nelson Teich não sabe de nada e repete há 3 semana que “temos que estudar… temos que entender a doença…”, o número de doentes e mortes não para de crescer. A falta de insumos básicos como seringas e agulhas ou medicamentos para sedação evidenciam que a situação é muito pior do que parece.

Sem condições de trabalhar e expostos ao risco de contaminação

Se não bastasse isso, a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e treinamento adequado coloca a vida dos trabalhadores da saúde em risco. Segundo dados dos governos estadual e municipal, quase 7 mil trabalhadores da rede pública de saúde de São Paulo já foram afastados por suspeita ou confirmação de contaminação por COVID-19, desde o início da pandemia.

A maioria (4.365) são servidores da prefeitura, outros 2.558 profissionais trabalham para o governo do estado. O prefeito Bruno Covas (PSDB) divulgou na última quinta-feira (7) o balanço mais recente da situação dos servidores municipais: 1.086 tiveram diagnóstico confirmado e 3.264 são casos suspeitos, além disso 15 trabalhadores morreram. O número de trabalhadores mortos pela COVID-19 divulgados pela prefeitura, porém diverge dos dados do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep) que aponta 20 mortes.

Já os dados do governador João Doria (PSDB) estão mais defasados, pois referem-se a 30 de abril, além disso não diferenciam casos confirmados de suspeitos, contudo, o Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado (SindSaúde) registra pelo menos 12 mortes.

Ambos os sindicatos apontam a falta de EPIs e de treinamento adequado como razão principal para as contaminações e mortes dos servidores. Trabalhadores denunciam a escassez de materiais básicos como máscaras, luvas, protetores faciais, toucas cirúrgicas e demais itens de proteção. Aventais e macacões impermeáveis não têm sido ofertados em número suficiente para estes profissionais e até álcool em gel está faltando.

E mesmo quando chegam, a qualidade dos EPIs são questionáveis. Rosana afirma que no HSP “colegas estão conseguindo doações, mas a qualidade do material é ruim, abaixo dos padrões seguros”, “materiais defeituosos, que rasgam, máscaras transparentes de tão fracas, aventais descosturando, máscaras sem elástico e por aí vai…”.

Na rede estadual e municipal a situação não é muito diferente, servidores postam nas redes sociais fotos comparando modelos e diferença de padrão e espessura entre os materiais disponibilizados. “Não sei se é melhor trabalhar com ou sem essa máscara. Isso é um cala-boca da prefeitura, para dizer que está protegendo os profissionais de saúde. É vergonhoso oferecer esse material no meio dessa situação”, relatou uma trabalhadora da saúde que pediu para não ser identificada, ao site Rede Brasil Atual.

Terceirização ganha força em São Paulo

Enquanto o sistema público sofre com a falta de EPIs, insumos, remédios e equipamentos, os governos Dória e Covas repassam milhões à iniciativa privada. A construção e manutenção de três hospitais de campanha na capital paulistana custará aos cofres públicos cerca de R$ 137 milhões, sendo R$ 47 milhões para construção e R$ 90 milhões para manutenção, que será realizado por meio de Organizações Sociais de Saúde (OSS).

Somente a prefeitura de São Paulo, administrada por Bruno Covas, destinou R$ 35 milhões para construção e mais R$ 15 milhões mensais de custeio pelo período de quatro meses para a infraestrutura dos hospitais de campanha do Pacaembu e Anhembi, totalizando R$ 95 milhões.

O Hospital de Campanha do Pacaembu, que começou a funcionar no dia 6 de abril e conta com 200 leitos para atendimentos de paciente com baixa e média complexidade teve a estrutura e  equipamentos realizados pela empresa Progen e foi entregue à OSS do Hospital Albert Einstein que ficará responsável pelo gerenciamento de 520 trabalhadores.

Já o Hospital de Campanha do Anhembi com 1,8 mil leitos de baixa e média complexidade, foi entregue para a OSS Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) e à OSS Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), mantenedora do HSP. Juntas essas instituições irão gerenciar cerca de 2,1 mil trabalhadores de saúde, contratados por meio de outra empresa de recursos humanos, a OGS saúde e que, caso venham a se contaminar, não terão nenhuma cobertura, já que foram admitidos por meio de contrato intermitente de trabalho, modelo laboral altamente precarizado, criado pela reforma trabalhista.

Quanto ao governo do estado, João Dória, destinou R$ 42 milhões pelo período de três meses para a unidade do Ibirapuera, sendo R$ 12 milhões para construção e mais R$ 10 milhões mensais para custeio. A unidade contará com 268 leitos, dos quais 240 de baixa complexidade e 28 para estabilização. Cerca de 800 trabalhadores atuarão no Hospital de Campanha do Complexo do Ibirapuera que será gerenciada pelo Serviço Social da Construção Civil do Estado de São Paulo (Seconci), OSS que administra atualmente vários hospitais e Ambulatórios Médicos de Especialidades por todo o estado de São Paulo.

Numa reportagem do jornalista Thiago Amâncio, para o jornal Folha de S. Paulo, em 08 de abril de 2020, trabalhadores do Hospital de Campanha do Anhembi, que preferiram não se identificar, relatavam que além da possível falta de EPIs há enorme insegurança em relação ao recebimento dos seus salários.

“Como os atendimentos em urgência e emergência foram cancelados, minha renda caiu dois terços. Então fui atrás desses plantões no Anhembi. Mas o contrato é muito fraco. Se você adoecer, é por sua conta e risco.”, relatou uma médica.

“Estamos expostos a uma carga viral muito alta e só sabemos que, se precisarmos parar de trabalhar, não vamos receber. Não é só uma insegurança financeira, mas insegurança de trabalho. Vai ter EPI para todo mundo? Vai ter insumo, estrutura, protocolo de atendimento? Não temos garantia de nada disso. Estou há cinco dias tentando falar com os superiores, mas não conseguiram nem me indicar com quem falar”, relatou outra trabalhadora da saúde.

“Parece que se aproveitam da pandemia para dizer: ‘Vocês vão cobrar isso agora?’. E colocam a cobrança de que devemos ser heróis, sacerdotes. Mas é insalubre”, denunciou outra profissional.

Nenhuma verba pública para a rede privada, estatização da saúde já, sob controle dos trabalhadores

Essa situação coloca em evidência a necessidade de um SUS 100% estatal, sob controle dos trabalhadores.

Não podemos aceitar que vidas sigam sendo perdidas pela falta de leitos de UTI e muito menos pela falta de medicamentos e materiais básicos nos hospitais públicos, enquanto os governos destinam rios de dinheiro para a iniciativa privada.

Também não podemos aceitar que profissionais de saúde sigam arriscando sua saúde e suas vidas na linha de frente do combate a pandemia, sem a garantia de condições mínimas de trabalho como equipamentos de proteção individual de qualidade, salário digno e direitos.

No momento em que o ministro Teich se recusa a instituir a fila única de leitos de hospitais públicos e privados para os pacientes que precisam de assistência, o governo Dória e o prefeito Bruno Covas já falam em “comprar” leitos de UTI dos hospitais privados para atender a demanda.

Nossa opinião é que essa é apenas uma forma mais para transferir dinheiro público para a iniciativa privada, que segundo o próprio ministro da saúde apresentou uma queda de 40% na demanda por seus serviços.

Defendemos a fila única de leitos, mas por meio da expropriação de todos os hospitais privados sem indenização e sua incorporação ao SUS, sob controle dos trabalhadores. Que o dinheiro que gasto com a “compra” de leitos seja utilizada para implementar um auxílio emergencial para que a população sem condições possam permanecer em casa, durante a quarentena.

Por fim, para assegurar que a gestão do sistema público de saúde seja voltado única e exclusivamente para os interesses da população e não utilizado para desviar verbas do estado para negócios privados é preciso que o SUS seja controlado por conselhos populares formados por trabalhadores da saúde e a comunidade. sem patrões e sem governo. Esse é o único controle social capaz de garantir os princípios do SUS, de universalidade, equidade e integralidade.

Nenhuma verba pública para a rede privada, estatização da saúde já, sob controle dos trabalhadores!

Referências

https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2020/05/trabalhadores-saude-covid-19-sp/

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/hospitais-montados-para-covid-19-nao-dao-garantias-caso-trabalhador-adoeca.shtm