A ocupação da reitoria da USP e as manifestações levadas a cabo pelo movimento estão suscitando vários debates. Entre eles, o papel da imprensa burguesa, ou da “grande mídia” na criminalização dos movimentos sociais. Jornalistas e funcionários desse tipo de veículo costumeiramente reclamam da “hostilidade” que sofrem de estudantes e funcionários em greve da universidade durante a cobertura dos eventos relacionados à ocupação. Afirmam que os estudantes agem da mesma forma que a ditadura militar ao não permitir o livre acesso aos jornalistas, nem se prostrarem diante das famosas “carteiradas” de figurões da imprensa.

Porém, no dia 10 de junho, o diário paulista O Estado de S. Paulo, conferiu importante contribuição a esse debate, mostrando claramente o papel da imprensa burguesa. Com a seguinte manchete estampada na primeira página: “Partidos de ultra-esquerda controlam invasão na USP”, o jornal, conhecido por suas posições ultra-reacionárias, traz uma “reportagem” demonizando o movimento de ocupação da reitoria e a esquerda em geral.

Incompetência a serviço da direita
A reportagem assinada por Carlos Machi vai além do tradicional ataque reacionário do jornal aos movimentos sociais. É uma verdadeira prova da incompetência da grande mídia, com uma série de informações falsas e erros grosseiros. Ao descambar para o ataque burro e esbravejante à ocupação, o Estadão dá um tiro no próprio pé e se desmoraliza.

Para começar, Machi afirma que a ocupação “teve marcas evidentes de operação planejada”, citando “testemunhas que a presenciaram”. Partindo para o mais puro delírio conspiratório, o repórter afirma ainda que a manhã na ocupação começa com uma reunião do PCO, PSOL e PSTU, além do Sintusp e da “central” Conlutas, a fim de decidir as ações do dia, impondo as decisões aprovadas na reunião para o restante da ocupação.

A fim de provar que a ocupação não passa de um movimento orquestrado por “partidos de extrema-esquerda”, o jornalista do Estadão afirma que o “relato de testemunhas da ocupação desmente qualquer espontaneidade”. Machi, porém, não afirma ao menos que testemunhas são essas. São estudantes? Funcionários? Pessoas de fora da universidade? Não sabemos a procedência das “fontes” do jornalista.

A reportagem lembra o caso do jornalista norte-americano Jayson Blair, demitido do The New York Times por inventar situações e depoimentos para embasar uma série de artigos. Porém, aqui, o repórter do Estadão não tem ao menos a preocupação de especificar nomes nem profissão, são apenas “testemunhas”.

Tais testemunhas confidenciam ainda ao jornalista que, ao lado dos partidos, o Sintusp (Sindicato dos funcionários da USP) estaria por trás da ocupação, manipulando os incautos jovens em proveito próprio. Os estudantes, por sua vez, são retratados como ingênuos idealistas loucos para apanhar da tropa de choque. Só não explica por que os funcionários entraram em greve apenas depois da tomada da reitoria pelos estudantes.

Erros esdrúxulos como a informação que afirma que o “PCO domina a Conlutas” são os argumentos que o jornal utiliza para tentar desmoralizar o movimento. São três páginas inteiramente dedicadas a atacar a ocupação e todos os que a apóiam.

Desespero diante do crescimento do movimento
A sanha delirante do Estadão, que baba de ódio diante do fortalecimento da ocupação, não é fruto apenas de seu caráter reacionário e sua incompetência explícita. Reflete, sobretudo, o desespero diante do crescimento do movimento contra os decretos de Serra, assim como a multiplicação das ocupações de universidades em todo o país.

Mais do que isso, hoje a ocupação da reitoria da USP transcende o movimento estudantil, tornando-se referência também para o movimento sindical e popular. Portanto, não é de se espantar que o Estadão recrudesça seus ataques, colocando-se ao lado da revista Veja como o porta-voz da “direita brucutu” no país.

Mídia burguesa versus trabalhadores
Tal campanha da mídia direitosa contra o movimento de ocupação revela o verdadeiro caráter de classe da imprensa burguesa. Muitas vezes, até mesmo ativistas hesitam em qualificar a grande imprensa como “imprensa burguesa”. No entanto, sabemos que a tal “imparcialidade” levantada por essa imprensa não passa de uma máscara que oculta a classe pela qual ela milita. Milita no mais amplo sentido do termo.

Desta forma, jornalistas e cinegrafistas não são meros funcionários em busca da “verdade”. Estão sim a serviço de um aparato de propaganda da classe dominante contra os trabalhadores. Contraditoriamente, são eles próprios trabalhadores, assim como o são os soldados da Tropa de Choque que reprimem os movimentos sociais.

Desta forma, é mais do que justificável todos os cuidados e até mesmo a hostilidade que estudantes e funcionários do movimento de ocupação têm em relação à “grande imprensa”.

Como escreveu Gramsci em artigo sobre a imprensa operária:

“Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir a classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação.

(…) Rebenta uma greve? Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há manifestação? Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos, facciosos, malfeitores.”