Marina Cintra, de São Paulo (SP)

Marina Cintra

Bolsonaro assinou um decreto que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações” em conselhos, grupos e comissões da administração pública federal. Essa medida atinge diretamente o Grupo de Trabalho Araguaia e o Grupo de Trabalho de Perus, que está analisando as ossadas encontradas em uma vala clandestina na Zona Norte de São Paulo.

A Vala Clandestina de Perus foi aberta em setembro de 1990. Ao todo, foram identificadas 1049 ossadas. O grupo de trabalho que analisa esse caso fica responsável por identificar quem foram as vítimas deixadas na vala, que somam desaparecidos políticos da ditadura, indigentes e vítimas de grupos de extermínio. Uma das pessoas já identificadas pelo estudo foi Dênis Antonio Casemiro, militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares e do Movimento Revolucionário Tiradentes, torturado e morto pela ditadura em 1971.  Além do cemitério de Perus, outros cemitérios em São Paulo foram utilizados para fazer desaparecer militantes, como o de Vila Formosa e de Lajeado.

Em 2014, Antonio Pires Eustáquio, que foi administrador do cemitério Dom Bosco entre 1976 e 1992, afirmou que a letra T gravada na certidão de óbito ajudava a identificar os militantes políticos que foram mortos e enterrados como indigentes. A letra T seria usada para caracterizar aqueles que seriam considerados “terroristas”.

Em 2017, foram feitas homenagens para 31 mortos da ditadura militar no cemitério Dom Bosco, sendo alguns identificados posteriormente pelo estudo das ossadas enterradas como indigentes na Vala Clandestina de Perus.  Foi construído ainda um Memorial aos Desaparecidos Políticos, em que está escrito: ”Aqui os ditadores tentaram esconder os desaparecidos políticos, as vítimas da fome, da violência do estado policial, dos esquadrões da morte e, sobretudo os direitos dos cidadãos pobres da cidade de São Paulo. Fica registrado que os crimes contra a liberdade serão sempre descobertos“.

Agora, em abril de 2019, Bolsonaro encerra esses grupos responsáveis por buscar desparecidos políticos da ditadura. Esse é um grande absurdo e um grande ataque. Em primeiro lugar, pois ainda existem centenas de desaparecidos que nunca foram encontrados, cujas famílias nunca puderam saber o destino de seus filhos ou filhas, que nunca puderam velar e prestar as devidas homenagens.

Em segundo lugar, Bolsonaro deu uma declaração falando que, no dia 31 de março (dia em que fez 55 anos do golpe militar no Brasil), os brasileiros e o Exército deveriam “fazer as devidas comemorações” ao golpe militar. Não apenas isso, mas ao longo de sua trajetória Bolsonaro também já deu abertamente diversas declarações de apoio à ditadura militar e à tortura.

Encerrar os trabalhos do Grupo de Trabalho de Perus e do Grupo de Trabalho do Araguaia é também uma tentativa do governo de tentar apagar o passado brutal da ditadura militar, que impôs aos trabalhadores e à juventude um período de muita repressão, piora nas condições de vida, perseguição, tortura e assassinato.  O governo quer recontar a história da ditadura militar a partir de uma outra perspectiva, colocando que foi um período bom para os trabalhadores, que não havia perseguição, entre outras mentiras. E apagar a memória e a resistência daqueles que lutaram contra a ditadura é uma forma de fazer isso.

A ditadura foi um golpe militar imposto pelo exército e pelo imperialismo norte-americano que, com o pretexto de “combater a ameaça comunista”, deu um golpe no Brasil e em alguns outros países da América Latina, como Chile e Argentina. No Brasil, a ditadura deixou milhares de desaparecidos e mortos, além de também ter matado milhares de indígenas e camponeses. Além disso, é importante lembrar que, entre o período de 1964 (início da ditadura) até 1985, a dívida externa do Brasil aumentou de 3,294 bilhões de dólares para 105, 171 bilhões de dólares, isso se deu por causa dos acordos dos militares com os bancos internacionais, especialmente norte-americanos, fazendo com que o tal “milagre econômico” da ditadura resultasse na dívida e na exploração dos recursos naturais do Brasil por empresas estrangeiras.

Atualmente, mais da metade da arrecadação do país vai para a dívida pública, ou seja, para banqueiros de outros países e menos de 6% por exemplo, vai para educação, menos ainda para saúde, moradia, cultura.

Desta forma, vemos que o legado que a ditadura deixou no Brasil e no restante da América Latina não foi nada bom, muito pelo contrário. As ditaduras militares só mostram um dos piores lados do capitalismo. Por isso, é um absurdo e um desrespeito essas declarações feitas por Bolsonaro e mais ainda esse decreto que fecha os grupos de Trabalho de Araguaia e Perus. Além disso, precisamos lutar pela continuação dos estudos das ossadas dos grupos de trabalho, pois é uma forma de resgatarmos a história daqueles que lutaram contra a repressão e também uma forma de não esquecermos o que foi a brutalidade da ditadura.