Brasília- DF. 13-11-2018- Comissão especial Escola sem partido. Foto Lula Marques
Júlio Anselmo

Projeto tenta impor censura e pensamento único dentro da sala de aula

O Brasil amarga péssimos índices educacionais. Mas a vida real onde os trabalhadores e seus filhos não conseguem ter acesso a uma educação pública, gratuita e de qualidade, é bem pior do que esses índices. Mas esta não é a preocupação de Bolsonaro. Ele está mais preocupado com uma suposta “doutrinação” nas escolas e universidades. Não à toa o carro-chefe de sua proposta para a educação reside na aprovação do projeto Escola Sem Partido, como afirmou seu filho.

O projeto Escola Sem Partido pretende impedir o professor de discutir assuntos do mundo atual como política, economia, etc. É um ataque à liberdade de cátedra. E quer destruir a organização sindical dos professores ou do movimento estudantil. Enfim, visa impedir a denúncia sobre as péssimas condições da educação e tenta censurar a luta por melhores condições de ensino. Um dos maiores absurdos é que a lei é categoricamente machista e LGBTfóbica ao proibir o debate de qualquer natureza sobre “gênero” e “orientação sexual”.

A nova direita e a suposta doutrinação nas escolas
Os defensores desse projeto dizem que os estudantes sofrem uma doutrinação da “esquerda” no ambiente escolar. Isso não é verdade. A verdade é que as escolas são espaços de doutrinação e pensamento único por parte da ideologia da classe dominante burguesa e capitalista.

Por exemplo, os conteúdos escolares só refletem hoje a luta do povo negro contra a escravidão, ou a luta dos indígenas contra o genocídio europeu, por conta de uma luta histórica do movimento social por essa pauta. E mesmo assim isto se dá hoje de maneira insuficiente e sob a perspectiva da própria burguesia. Além de estarem subordinadas a uma estrutura escolar e universitária que foi moldada e que atende aos interesses econômicos, intelectuais, técnicos e ideológicos dos ricos e poderosos. Assim como quem controla a economia e a política são os donos das fábricas, das grandes empresas e bancos através de diversos mecanismos, o mesmo ocorre com a educação e produção de conhecimento.

Os defensores do Escola Sem Partido só podem fundamentar suas opiniões por meio da falsificação da realidade. Assim, qualquer aula de sociologia que aborde Weber, Durkheim e Marx, é considerada doutrinação. Assim como a concepção de que a educação deve servir não apenas para a transmissão de conteúdos e matérias, mas para a formação crítica acerca dos problemas do mundo, também é tomado como exemplo de dominação.

Falsificam a realidade ao afirmar que há uma conspiração da esquerda que se infiltra nas escolas para “fazer a cabeça” dos estudantes e que tudo isso seria parte de uma guerra cultural marxista. Um delírio de uma nova direita que se baseia em teorias da conspiração com nenhum fundamento na realidade. Onde chamam de comunista inclusive a Folha de S. Paulo e Wall Street.

A neutralidade e a questão ideológica na educação
Dizem que a educação deve ser neutra. Mas isso seria impossível e só poderia significar censura. Uma educação justa tem que ser democrática e livre, no sentido de permitir aos estudantes e aos professores o contato com as mais diversas correntes do pensamento científico. Por exemplo, estudar Marx e a revolução russa não é doutrinação. Assim como estudar Adam Smith e a história dos EUA também não. Ambos pensadores deram contribuições para o desenvolvimento da ciência. E ambos os processos históricos são importantes para compreender o mundo hoje.

Inclusive, Marx é estudado nas escolas e universidades de todo mundo, mas sempre na perspectiva burguesa, tentando domesticá-lo e separando aspectos de seu pensamento e excluindo sua militância revolucionária. O capitalismo tenta adocicar inclusive seu mais fervoroso crítico.

Neutralidade não existe. Qualquer tema a ser abordado já leva uma perspectiva de quem fala. Inclusive ao abordar alguns temas e outros não já se coloca uma perspectiva. Então, quando defendem não abordar o tema do racismo, LGBTfobia e machismo, os defensores do escola sem partido já estão tomando partido. Estão tomando o lado daqueles que acham que esses temas não são importantes. Ajudando assim racistas, machistas e LGBTfóbicos e a disseminação dessas formas de opressões.

O fato é que as propostas de Bolsonaro baseado na sua ideologia reacionária atentam contra o pensamento científico estabelecido hoje. É um retrocesso para uma concepção obscurantista, preconceituosa e com nenhum fundamento na realidade. É contra coisas já há muito tempo estabelecidas cientificamente como a própria polêmica entre criacionismo e teoria da evolução.

Para citar outro exemplo, o novo ministro da educação, Velez Rodriguez, quer mudar o ensino sobre o golpe militar de 1964. Isso não é apoiado em nada além da sua visão reacionária e defensora da ditadura militar capitalista. Inclusive, a nomeação do ministro se deu depois de forte pressão da bancada fundamentalista evangélica apoiadora de Bolsonaro. O que nos lembra que o Estado, assim como a escola, é laico. Devemos respeitar todas as religiões, mas não há uma religião oficial e por isso não se deve impor nenhuma delas na escola. E como se trata de buscar o conhecimento, não faz sentido colocar o criacionismo em um patamar de igualdade com o evolucionismo que é uma teoria cientifica fartamente aceita e fundamentada.

Entretanto, a própria ciência ao longo da história serve e serviu para defender os mais diversos absurdos. Inclusive, serviu bastante para a burguesia perpetuar seu domínio. Por exemplo, teses pseudocientíficas tentavam justificar que o negro era um ser inferior aos brancos até o meio do século XX. Ou então as ciências médicas que colocavam a orientação sexual como doença até bem pouco tempo atrás (1991) e ainda hoje vemos o absurdo da transexualidade estar na Classificação Internacional das Doenças. E é por isso que o ensino e a educação devem ser críticas. No sentido de questionar aquilo que é ensinado como “verdade cientifica”, pois na própria ciência se faz política. Ou seja, a própria ciência deve ser criticada, mas apenas pela ciência, e não por preconceitos, misticismo, obscurantismo e ideologia reacionária como faz Bolsonaro.

Vamos imaginar uma situação hipotética absurda. Se um estudante defende em sala de aula a escravidão ou o racismo, o professor tem o direito de debater? Pelo projeto Escola Sem Partido não. Se na educação familiar do estudante ele aprendeu que o ser humano surgiu da costela de Adão e que o mundo foi feito em 7 dias, o professor não pode contrapor isso aos argumentos científicos sobre o Big Bang e a teoria da evolução das espécies? De acordo com o projeto Escola Sem Partido não.

O grande problema é que a única saída para termos uma educação que respeite a diversidade de pensamento é com mais debate e não menos. A tentativa de proibir temas é censura. A tentativa de enquadrar o que pode ou não pode ser dito não ajuda a obter uma educação justa e democrática, mas é o verdadeiro contrário. Ou seja, quem defende uma escola com partido é Bolsonaro e seus defensores. Mas defendem uma escola de direita e reacionária que sirva pra justificar a dominação capitalista e que forme seres humanos com a sua visão de mundo que não se apoia em nenhuma ciência, mas em preconceitos, mentiras, senso comum e teorias da conspiração.

Ou seja, longe de resolver o problema da educação, este projeto vai aprofundar as debilidades a formação dos nossos estudantes.

Este ataque à ciência, essa volta do ensino fundamentalista religioso, por essa nova direita, é uma expressão e um sintoma da barbárie na qual o capitalismo está nos levando. Onde inclusive questões que já foram superadas pela humanidade voltam com força. Mostrando como o capitalismo em putrefação e degeneração se compactua com o que há de pensamento mais retrógado, arcaico e conservador, que as próprias revoluções burguesas do século dezoito e dezenove lutaram contra. Não à toa o novo ministro das relações exteriores comete um erro histórico ao dizer que Marx nascido em 1818 foi responsável pela Revolução Francesa de 1789. Mas que demonstra que esta reacionários atuais com seu ódio ao marxismo, à classe operária e ao socialismo, tentam até apagar as conquistas das próprias revoluções burguesas.

Uma educação a serviço dos ricos ou a serviço dos trabalhadores?
Tudo na sociedade tem partido. Igreja tem partido. A imprensa tem partido. A polícia e os militares têm partido. E inclusive os políticos que defendem o Escola Sem Partido tem partido. No geral, são partidários dos ricos e poderosos, defensores do sistema, e da sociedade capitalista.

Falam contra a doutrinação na escola, mas Bolsonaro fez visitas oficiais em escolas para fazer campanha eleitoral. Assim como foi recebido no quartel do BOPE. Várias cúpulas de igrejas fizeram campanha aberta para ele em suas instalações. Mas o que a justiça eleitoral atacou e interferiu foi em uma faixa que não se remetia a nenhum candidato na faculdade de direito da UFF. Inclusive neste dia em várias universidades do país estudantes e professores tiveram sua liberdade de opinião, expressão e organização atacados.

Para os políticos burgueses profissionais os direitos políticos do povo nessa democracia fajuta devem se restringir a votar de 2 em 2 anos naqueles que vão nos chicotear. Mais uma vez se demonstra como essa é a democracia dos ricos. Mas foi com muita luta que conquistamos esses mínimos direitos democráticos como a liberdade de expressão e de organização e não titubearemos em defendê-los, até porque Bolsonaro defende mesmo é a ditadura militar e o retrocesso inclusive nessas liberdades democráticas.

Alguns defensores do Escola Sem Partido ousam dizer que estão defendendo os estudantes que são o lado mais vulnerável na relação estudante-professor. Que há relação de opressão entre esses agentes, isso é um fato. Mas não ponderam que esta relação é assim justamente porque expressa a relação de opressão e exploração que está na base dessa sociedade capitalista.  Inclusive uma medida nesse sentido seria garantir condições de trabalho digna aos professores, valorizando-os com salários digno.

Além disso, tratam os estudantes como uma massa amorfa e idiota que não tem opiniões próprias e que por isso é refém de tudo que o professor fala. Para assegurar os direitos dos estudantes em relação a isso é preciso uma educação mais crítica e não menos como defendem. É preciso uma escola livre da ideologia opressora e exploradora da sociedade capitalista.

A educação sofre os reflexos da desigualdade e segregação social que existe no Brasil e no capitalismo. Cada classe social é educada de uma maneira. Os filhos dos ricos são educados para se darem bem na vida, serem chefes e governarem a sociedade. Com acesso às melhores escolas e universidades. Enquanto aos filhos da classe trabalhadora a educação se limita a preparar mão de obra barata para as necessidades do mercado, para ser explorado por baixíssimos salários e garantir os lucros dos patrões. É uma educação para formar escravos modernos, submissos, que não aprendam a pensar, mas apenas aceitar tudo que os governos e os poderosos fazem. Por isso lutam tanto contra uma educação minimamente crítica.

Querem uma escola que não seja crítica a esta sociedade doente e injusta que vivemos. Este projeto trata de aumentar a imposição do pensamento único nas escolas que é o pensamento das classes dominantes. Visa ainda dificultar a organização do movimento estudantil e do movimento sindical dos professores. Pretende de fundo impedir críticas ao sistema capitalista, seus governos e qualquer pensamento crítico.

A educação pública, gratuita e universal foi uma dura conquista das lutas do povo e dos trabalhadores contra os privilégios das elites. O capitalismo transformou essa conquista no que vemos hoje. Transformaram a luta do povo em defesa da educação universal em uma educação escravizadora. Tentam cada vez mais transformar a escola em uma instituição ideológica da burguesia e cada vez mais submetida à lógica da exploração e opressão. Os ricos querem que as escolas sirvam aos seus interesses, para ensinar os trabalhadores a serem dóceis em relação às injustiças do capitalismo e dar algum nível de qualificação aos trabalhadores para lucrarem ainda mais. O acesso à educação foi uma luta histórica contra os interesses da elite que queria manter o povo na ignorância. Mas esta conquista democrática a ter uma educação pública e gratuita é constantemente atacada pelos governos dos ricos. Por isso a luta em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade é tão importante.

Por uma escola sem censura!
Por uma revolução nas escolas, universidades e no país!

Está enganado quem acha que defendemos a escola e a educação tais como são hoje. Pelo contrário, defendemos em primeiro lugar uma política de educação que ataque de frente os verdadeiros problemas que existem hoje como falta de verbas, péssimas condições de trabalho e estudo, acabe com a privatização e que garante uma educação publica, gratuita e de qualidade. Mas isso trataremos em um próximo artigo.

Aqui cabe apenas dizer que nesse mundo e nessa época de capitalismo podre, onde temos uma precarização cada vez maior do trabalho, que reserva altas taxas de desemprego à juventude, a burguesia quer acabar com o ensino universal, com a escola pública e gratuita e de qualidade. A degradação da escola pública hoje responde a esta necessidade dos ricos e poderosos.

O debate sobre Escola Sem Partido serve para esconder e dissimular os verdadeiros problemas da escola publica. Serve para enganar o povo sobre o atual patamar de desmonte da educação, de demissão em massa de professores, baixos salários e péssimas condições de estudo e ensino. Claro, reservando centros de excelência para os filhos da burguesia e para atender as suas necessidades econômicas.

Do ponto de vista político, este projeto responde também a necessidade do governo de reprimir tanto as escolas como as universidades. Já é sabido por todos que o governo Bolsonaro teme um levante desses setores. Também é conhecido por todos as grandes lutas do movimento estudantil nos últimos anos. Então o que querem é criar mais mecanismos repressivos contra os estudantes e trabalhadores.

Para avançar na educação que defendemos é preciso que os trabalhadores e estudantes controlem democraticamente suas escolas. Tire estas instituições do controle dos ricos e poderosos. As próprias ocupações de escolas pelos estudantes nos últimos anos, mostraram que quando estes tomam em suas mãos a auto-organização isso também se transforma em autoeducação. E talvez nunca na história do país tenhamos vivido um processo educacional tão rico e livre como com as ocupações. As ocupações mostraram que no capitalismo uma escola a serviço dos trabalhadores é uma escola a serviço de sua luta.

Queremos uma educação que seja livre, democrática, científica, plural, mas que tenha como fundamento a libertação dos trabalhadores do jugo da exploração e da opressão. E que ajude a acabar com a segregação social na educação entre educação dos ricos e dos pobres. Onde se acabe com a divisão entre trabalho manual e intelectual. Uma educação deste tipo só é possível com trabalhadores organizados em conselhos populares dentro e fora da escola administrando estas instituições para garantirmos uma educação democrática, plural e a serviço dos trabalhadores. Para isso os trabalhadores têm que tomar o poder em suas mãos e decidir os rumos do país através de conselhos populares construindo o socialismo. Ou seja, precisamos de uma revolução dentro e fora da escola. As ocupações secundaristas foram só a ponta do iceberg do poder que os trabalhadores e estudantes tem juntos ao se autoorganizarem  para tomar o poder das escolas e do país.