Crise das escutas ilegais na Inglaterra mostra apenasNas últimas semanas, o bilionário magnata das comunicações, o australiano naturalizado norte-americano Rupert Mudorch, saiu dos bastidores da imprensa para ocupar as manchetes dos jornais de todo o mundo. O octogenário, dono de um verdadeiro império de mídia é pivô de um escândalo que envolve vários dos principais ingredientes que abastecem seus tablóides: espionagem, subornos, corrupção e intrigas.

Murdoch é dono do News Corporation, que controla grandes veículos de comunicação como o The Wall Street Journal e a rede de TV Fox, nos EUA; assim como o jornal The Times e o tablóide The Sun na Inglaterra, formando um conglomerado avaliado em 60 bilhões de dólares. Nesse mês o jornal inglês The Guardian, concorrente do empresário, revelou uma investigação que expõe as práticas pouco ortodoxas de um de seus tabloides, o News of the World, para conseguir “furos” de reportagem.

A partir de um caso de uma adolescente de 13 anos, sequestrada e morta em 2002, descobriu-se que o tabloide grampeava de forma sistemática pessoas comuns e celebridades, a fim de conseguir notícias. Não é a primeira vez que o News of the World se envolveu com um escândalo desse tipo. Em 2005, o editor do tablóide e um detetive particular foram condenados, a quatro e seis meses de prisão, respectivamente, por gramperaem os telefones da família real. O novo caso, porém, mostrava a extensão da prática e muita coisa mais.

O Escândalo
Os detalhes assombram. Em 2002 a menina Milley Dowler desapareceu. Enquanto a polícia investigava o caso, jornalistas grampearam o celular da garota para descobrirem algo que pudesse se transformar em notícia. A caixa-postal do celular ficou lotada e o detetive contratado pelo tablóide não teve dúvidas: apagou as mensagens para continuar recebendo mais ligações. Isso, porém, fez com que a família da menina e a polícia achassem que ela ainda estava viva. Semanas depois, descobriu-se que a adolescente havia sido assassinada.

A revelação desse caso mostrou só a ponta do iceberg do que o jornal de Murdoch era capaz de fazer para alimentar suas notícias sensacionalistas e vender mais. Puxando mais o fio, chega-se a uma rede de escutas ilegais que pode ter atingido 4 mil pessoas, incluindo parentes das vítimas do 11 de setembro, soldados norte-americanos que morreram no Iraque e Afeganistão e até mesmo um parente do brasileiro assassinado pela polícia britânica no metrô de Londres, Jean Charles. Vieram à luz ainda as relações espúrias entre o jornal, membros da polícia e políticos, como o próprio primeiro-ministro do país, David Cameron.

Para coroar todos os elementos de um verdadeiro thriller, o ex-repórter dos tablóides de Murdoch que fez as denúncias, Sean Hoare, foi encontrado morto em sua casa, sendo ainda um suspense o motivo de sua morte.

A fim de tentar conter o estrago, Murdoch anunciou o fechamento do tablóide semanal que circulava há 168 anos e vendia, atualmente, 2,7 milhões de exemplares. Em depoimento ao parlamento britânico, o empresário tentou se desvincular do escândalo, argumentou que não mantinha relação direta com os diretores do “News of the World”, já que o negócio representava apenas 2% do faturamento de suas empresas.

Os desmandos do tablóide de Murdoch impressionam pela crueldade e frieza de um jornal que utiliza o sofrimento e o sensacionalismo como fonte de lucros. Chama a atenção, ainda, a rede de relações do jornal com autoridades da polícia e políticos, a ponto do ex-editor do tablóide ter sido diretor de comunicações do governo de Cameron. Esse escândalo, no entanto, está longe de representar, por inteiro, o nefasto papel cumprido por Rupert Murdoch à frente de seu império de mídia.

Condecorado pela direita
O magnata encarna a direita mais retrógrada e radical. Orientação que invariavelmente imprime em seus veículos. O empresário chegou a ser condecorado por Israel por suas posições pró-sionistas.
Mas é nos EUA que o empresário exerce maior influência. A rede de TV Fox News se converteu no maior porta-voz da direita no país. Após o 11 de setembro, a emissora ajudou a despertar o fervor patriótico dos norte-americanos, ao mesmo tempo em que difundia a islamofobia, preparando o terreno para as invasões militares no Oriente Médio. A farsa dos relatórios das armas de destruição em massa de Saddam, por exemplo, foi exaustivamente explorada pela emissora, a fim de justificar a política de Bush.

Mais recentemente, a Fox foi a maior impulsionadora do Tea Party, o ultra-reacionário movimento de direita nos EUA. Surgido em 2009, como uma forma de capitalizar à direita o descontentamento da população em relação aos efeitos da crise econômica, o movimento encontrou guarida na TV de Murdoch e hoje representa força importante do Partido Republicano, defendendo temas como os cortes nas áreas sociais e uma rígida política anti-imigração, utilizando inclusive um discurso declaradamente xenófobo.

Mídia e poder
Murdoch segue à risca o mandamento do magnata da mídia dos EUA dos anos 30, William Hearst, que inspirou no cinema o personagem do filme Cidadão Kane. “Nunca se perde dinheiro quando se subestima o nível de consciência do povo”, dizia. Os veículos de Murdoch podem assumir características distintas em cada país. Na Inglaterra, epicentro da crise, os tablóides sensacionalistas têm um grande peso. O que não muda, porém, é a política do magnata de convertê-los em grandes panfletos da direita.

Os tablóides de Murdoch, por outro lado, só praticam de forma mais explícita a mesma manipulação que é praxe no conjunto da imprensa burguesa. Desta forma, ainda que possam não carregar o estereótipo do Tea Party da Fox, temos uma imprensa pró-imperialista e, aqui no Ocidente, claramente sionista. As denúncias contra Murdoch surgem assim no marco de uma disputa interburguesa que visa impedir seu avanço na Europa (em meio as escândalos, o empresário foi obrigado a desistir da compra da BSkyB, sua ambição de anos).

No Brasil, os tablóides não têm a mesma influência que na Europa. Por aqui, o sensacionalismo barato e o lixo midiático ficam a cargo da TV. Por outro lado, conhecemos muito bem os efeitos da concentração da mídia e sua relação espúria com o poder, como atesta a Rede Globo e seu suporte aos sucessivos governos de plantão, da ditadura militar até os dias de hoje.

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