Mais uma vez assistimos às mesmas cenas de um antigo filme: as epidemias de dengue. O roteiro quase nunca muda. Sempre a população mais pobre é quem sofre mais com as conseqüências da doença. Mas por que então ano após ano as epidemias continuam tão devastadoras, chegando a altos números de mortes?

No Brasil, desde o ano de 1986, essas epidemias são registradas quase que anualmente. No entanto, é regra o poder público iniciar operações de emergência para tentar conter a doença quando o problema já está instalado, modificando todo o eixo de atendimento dos serviços de saúde e “sensibilizando” a população para se tornarem verdadeiros patrulheiros à caça do terrível mosquito transmissor do vírus.

Mas de quem é a verdadeira culpa desse quadro? Os governos e a mídia se limitam em colocar a responsabilidade no mosquito Aedes Aegypti, nas chuvas que teimam em cair sempre nesta época do ano, e na população, que deixa acumular lixo nos quintais e nas ruas e armazenam água de forma inadequada. Nós do PSTU achamos que não é bem assim. Achamos que a maior parte das causas desse problema de saúde pública é a desigualdade social e a dificuldade no acesso da população aos serviços de saúde.

Desde o final da década de 90 a Dengue voltou com força ao nosso país. A doença se desenvolve atualmente nos grandes centros urbanos, que não param de crescer, causando uma alta densidade populacional nas periferias das cidades. São nesses lugares, em que a maior parte da classe trabalhadora vive, que os índices de saneamento básico e urbanização são mais baixos. Isso torna impossível que a água não se acumule por ruas e buracos, causando vários outros tipos de doença. Também é nesses bairros onde o encanamento de água não satisfaz as necessidades, ou é inexistente, obrigando as famílias a armazenarem água para o seu consumo. Somando isso a uma coleta de lixo ineficiente em grande parte das comunidades, está instalado um quadro extremamente favorável à infestação da dengue.

Em contrapartida, há muitos os que dizem que a dengue é uma doença democrática, que atinge várias camadas sociais. Sim, desde o empresário, que mora em um bairro nobre, ao trabalhador de sua empresa, todos estão susceptíveis à doença. Até porque é comum vermos inúmeras casas de luxo em bairros privilegiados sem moradores; grandes obras privadas da construção civil que, por não darem tanto lucro à patronal, foram abandonadas; e, até mesmo, obras públicas sem continuidade transformando-se em verdadeiras piscinas a céu aberto.

A grande diferença é o que acontece a partir do momento em que um trabalhador pobre e um empresário, por exemplo, desenvolvem a doença. Esse último tem acesso a uma assistência privada de saúde em grandes complexos hospitalares, ou mesmo em sua própria residência, com um acompanhamento do quadro e reabilitação, utilizando para isso diversos exames, leitos e consultas. Já a trabalhadora ou trabalhador e sua família, quando adoecem, peregrinam por diversos postos de saúde e hospitais públicos à procura de atendimento.

Na capital cearense, por exemplo, os hospitais municipais parecem verdadeiros hospitais de campanha de guerra. Além de milhares de pessoas voltarem para casa todos os dias com febre alta e dores no corpo sem conseguir atendimento, os que conseguem ser atendidos são em condições precárias. Pessoas recebendo soro amontoadas em salas e auditórios, faltando até cadeiras para todos se sentarem; faltam exames laboratoriais básicos de diagnóstico e acompanhamento dos doentes; adultos e até crianças com dengue hemorrágica, quadro mais grave da doença, mandadas de volta para casa por falta de leitos. Vale lembrar que a dengue vem se somar a outras doenças e problemas de saúde mais comuns neste período, como as doenças respiratórias e diarréias. É um quadro lamentável que ocorre na ampla maioria dos estados do país.

Grande parte das pessoas que contratam planos de saúde mais “populares” também se queixa das péssimas condições do atendimento que não diferem, muitas vezes, dos serviços públicos em períodos de surtos e epidemias. Isso demonstra o quanto a rede privada de saúde não está interessada em tratar bem as pessoas quando isso quer dizer mais despesas e menos renda, ou seja, é o lucro valendo mais que a saúde e a vida.

Além dos problemas diretos causados pela dengue, os trabalhadores informais ou autônomos, sofrem também com as conseqüências econômicas. Durante o tempo em que não puderam trabalhar por conta da doença, é reduzida ainda mais a renda familiar, justo em um período em que tem de arcar com alguns medicamentos e precisam de uma alimentação diferenciada.

No sentido de enquadrar os gestores estaduais e municipais de saúde na campanha de combate à dengue, o ministro da saúde, Alexandre Padilha, já viajou por 16 estados do país, tentando minimizar a repercussão negativa da epidemia. Segundo previsões do próprio Ministério, o quadro pode ainda piorar por conta da volta da circulação do vírus tipo 1, depois de 15 anos, o que coloca principalmente as crianças sob o risco de contraírem a dengue. Assim, com os escassos recursos da saúde, a postura dos municípios é de tentar que o incêndio não se alastre ainda mais, com medidas paliativas que não resolvem efetivamente o problema.

Tais medidas limitam-se à reorganização dos serviços de saúde, ao aumento da carga-horária de trabalho dos profissionais e do número de atendimentos, provocando uma intensa sobrecarga de trabalho. Também há a delegação de novas tarefas, que muitas vezes os profissionais não estão preparados para exercer. São bastante comuns nos postos de saúde de Fortaleza, reclamações de Agentes Comunitários de Saúde, por exemplo, acumulando funções e sendo obrigados a realizar o trabalho dos Agentes de Endemias, que são os que buscam e eliminam as larvas do mosquito.

As complicações da dengue, como os quadros hemorrágicos e as mortes, são as principais preocupações dos governantes. Isso se explica porque a ampla maioria das mortes pela doença poderia ser evitada. O que acontece todos os anos questiona, inclusive, o modelo de desenvolvimento do país, que cresce de forma desigual, não oferecendo à maior parte da população, ou seja, à classe trabalhadora, as mínimas condições de moradia, saneamento básico, urbanização e abastecimento de água. Questiona também a saúde pública, que míngua por falta de recursos para tratar de problemas de baixa complexidade, com escassez de profissionais, estrutura e insumos básicos. Nessas condições se torna impossível direcionar as ações para a prevenção dos problemas e a promoção da saúde, que poderia proporcionar uma melhoria geral da saúde da população.

Numa coisa concordamos com os governos e gestores: que a população e os profissionais de saúde devem ser ativos. Mas não simplesmente na procura por focos de mosquito, e sim na exigência de melhores condições de vida e uma saúde pública e de qualidade. Achamos que a culpa pelo problema da dengue é, na verdade dos governos, que deixam os trabalhadores e seus filhos em estado de abandono, sem ter ao menos como recorrer quando um problema de saúde se soma à exploração cotidiana a que são submetidos.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) preconiza que o gasto público mínimo em saúde aceitável para países com a saúde universalizada é de 6% do PIB. Desde 2007, o Brasil gastou 3,34% do PIB – entram aí os gastos do Ministério da Saúde (1,7% do PIB),governos estaduais (0,9%do PIB) e municípios (0,9% do PIB). Por isso, podemos afirmar que o Estado brasileiro de conjunto está gastando pouco mais da metade do mínimo que a OMS preconiza. É necessário que o governo Dilma reverta esse quadro e invista pelo menos 6% do PIB na saúde pública e se posicione a favor da regulamentação da Emenda Constitucional 29, que determina o financiamento do SUS.

Nós sabemos também das grandes limitações de construirmos uma saúde pública e de qualidade nos moldes do capitalismo e da sociedade de classes. Enquanto a lógica determinante for a da desigualdade e do lucro, continuaremos enfrentando dengues e outras tantas moléstias sociais.
Exigimos:
– Investimento na saúde pública de no mínimo 12% do PIB, pela regulamentação da EC 29!

– Abertura imediata dos hospitais privados para a população como medida de emergência!

– Ampliação imediata das equipes de saúde e dos serviços para aumentar a cobertura.

– Plano de obras públicas de moradia, saneamento básico, drenagem e urbanização.

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