Paulo Lima, organizador do Entregadores Antifascistas
Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

O Opinião conversou com Paulo Lima, 31 anos, morador do Jardim Guarau, periferia da Zona Oeste de São Paulo, organizador do movimento Entregadores Antifascistas.

 

A luta dos entregadores ganhou destaque após a participação dos Entregadores Antifascistas nas manifestações contra o governo e com a publicação de um vídeo em que você chama os entregadores a se unirem. Como surgiu o movimento? Quais as reivindicações?

Paulo Lima – No dia 21 de março, dia do meu aniversário, em meio à pandemia, fui bloqueado pela Uber de forma injusta. Foi quando resolvi fazer o primeiro vídeo, que foi compartilhado pelo The Intercept Brasil e viralizou. Aproveitando isso, organizei um abaixo-assinado que hoje já conta com mais de 300 mil assinaturas. Comecei a ir pra rua conversar com os outros entregadores, falando da necessidade e da importância de a gente se organizar e ir para a luta. Descobri que tinham vários que se sentiam empreendedores, que acreditavam nessa mentira de achar que são empreendedores e não trabalhadores. Muitos começaram a me mandar pra Cuba, diziam que eu estava lutando pelas coisas erradas, que [reivindicar] alimentação não era o certo, e sim ter taxas melhores.

No dia 5 de maio, ocorreu uma manifestação na Av. Paulista, quando reunimos 20 entregadores e tentamos fechar a avenida. Mas a polícia começou a fechar o cerco. Foi quando falei aos colegas que teria um ato no domingo, que seria importante a gente ir, ver como funciona uma manifestação grande para podermos fazer a nossa. Aí perguntaram como seria o nome do nosso movimento. Foi quando propus Entregadores Antifascistas.

A nossa reivindicação principal é comida mesmo, mano. Primeiramente comida. Vamos lutar para que as empresas de aplicativos garantam café da manhã, almoço e janta. No futuro, outras lutas, outras reivindicações virão. A nossa luta maior é fazer os aplicativos reconhecerem o vínculo empregatício, mas por enquanto estamos fazendo uma luta por vez. Um trabalho de formiga para criar um formigueiro.

 

Qual a avaliação que você faz do governo Bolsonaro?

Paulo – As manifestações de ruas são antirracistas, antifascistas e em defesa da democracia. Não temos como desvincular nossa luta dessas manifestações. Pra gente gritar contra a fome, precisa ter democracia, para ter o direito de gritar e ser ouvido. Sem democracia, o que teremos é o autoritarismo no poder. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Ou seja, se a democracia for extinta mais uma vez em nosso país, todo mundo terá que abandonar suas lutas, suas pautas e centrar em uma única pauta que é o restabelecimento da democracia. Isso não é bacana. As liberdades democráticas que temos hoje foram garantidas com lutas. Temos que lutar para não perdê-las.

 

Como é entregar comida com o estomago vazio?

Paulo – Acredito que a alimentação é um direito básico para o trabalhador. A parte mais doida é você trabalhar com fome entregando comida. Entregar comida com estômago vazio é tortura. E não é comida ruim, é só comida boa: estrogonofe de camarão, lagosta, carpaccio. São Paulo é uma cidade gastronômica, mas nós entregadores não sabemos o gosto de nenhuma dessas comidas.

 

A pandemia escancarou a precarização do trabalho dos entregadores. O iFood conseguiu derrubar a liminar que obrigava a empresa a pagar entregadores afastados por COVID-19. Como está a situação de vocês?

Paulo – As empresas de aplicativos não têm diálogo saudável com os entregadores. Somos obrigados a falar com um robô. Quando o robô percebe, depois de muito tempo, que não consegue resolver nossas demandas, aí passa para um atendente de telemarketing. O atendente segue o protocolo de uma cartilha, ele não consegue responder nada pra gente que esteja fora da cartilha. Esse é o tipo de relacionamento dos aplicativos com os entregadores.

Por exemplo, se aparece no aplicativo que eu tenho dívida injusta de R$ 170, terei que ficar brigando com o robô ou com o atendente de telemarketing. A outra opção é passar um dia inteiro numa fila, perdendo um dia de trabalho, no escritório da empresa pra tentar provar que essa dívida está errada ou que não foi um golpe que o entregador quis aplicar.

Isso é um relacionamento não saudável. Inclusive fazem de tudo para derrubar nossas conquistas, como foi o caso da liminar que obrigava as empresas a pagarem aos entregadores afastados por terem sido infectados com COVID-19, que foi derrubada pelo iFood. Eles têm ótimos advogados, que atuam todos os dias para não deixar nenhum rastro de vínculo empregatício, pois caso apareça qualquer prova contra eles, teriam que assumir o vínculo. O valor de mercado deles está sustentado nesse ponto. O não vínculo empregatício os coloca no topo no valor de mercado, o reconhecimento do vínculo os faria cair. A luta deles é fazer com que esse valor de mercado não caia.

Tem um bando de empresários, de capitalistas selvagens, que torce para esse tipo de modelo de negócio vingar para implantarem na área deles. O lance dos aplicativos que não dão direito nenhum aos trabalhadores é um paraíso em que vários outros capitalistas querem morar. Os aplicativos são condomínios de luxo em que muitos capitalistas querem morar. Não tem que garantir direitos trabalhistas. Não paga salário, não precisa pagar férias nem alimentação. Isso é muito bacana pra eles. Por isso nossa luta é difícil, e muitas pessoas ainda ficam com dúvida se precisa mesmo fazer tudo que estamos fazendo pra conseguir um prato de comida. Como precisa.