Dayse Oliveira
Yara Fernandes

O Portal do PSTU entrevistou Dayse Oliveira, da Secretaria Nacional de Negros e Negras do partido. Ela esteve engajada na organização do I Encontro Nacional de Negros e Negras da Conlutas. Agora, ela faz um primeiro balanço da importância desse evento e jPortal do PSTU – Qual foi a composição do encontro?
Dayse Oliveira
– o encontro teve militantes do PSTU, do PSOL, da LBI, da LQB, enfim, de organizações de esquerda. Inclusive de outros setores, como, por exemplo, companheiros da Intersindical que foram como observadores e que tiveram uma postura altamente construtiva no encontro, ajudaram até com tarefas organizativas. Estavam, também, companheiros do Educafro, independentes. Apresentaram propostas, participaram de todos os dias, enfim. A composição política do encontro era essa. Agora, a composição em termos de movimentos, tinha o movimento sindical, estudantil e popular. Na verdade, o GT de Negros e Negras da Conlutas é onde a concepção da Conlutas se faz presente, de maneira prática. Tem sido assim.

O encontro aprovou a construção de um novo movimento negro. Por quê?
Dayse
– Esta proposta é uma necessidade. Porque, por exemplo, ao mesmo tempo em que está acontecendo este encontro, está acontecendo o Congresso de Negros e Negras do Brasil. E o que a gente percebe? A população negra hoje tem muitos problemas. Continua o problema da diferenciação salarial, a precarização do trabalho dos negros aumentou durante o governo Lula, os negros recebem metade do salário dos brancos. O próprio IBGE denunciou isso. Enquanto a média salarial dos trabalhadores brancos é de R$ 1.200, a dos negros é de R$ 600. O ataque às terras dos remanescentes de Quilombos é seriíssimo. O processo de extermínio da população negra, a criminalização da pobreza, a criminalização dos trabalhadores negros, isso está sendo algo bárbaro. A própria declaração do Sérgio Cabral, apontando que a legalização do aborto seria importante para reduzir a natalidade entre as mulheres faveladas que, majoritariamente, são negras e que são “fábricas de marginais”. Na realidade, fábrica de marginais é o governo, com sua política econômica. Desde o governo federal, desde o imperialismo, com Bush, até os governos estaduais e municipais.

Isso é algo que, hoje, as organizações do movimento negro, em sua maioria ligadas ao governo, não conseguem mais organizar a resistência. Estão distantes das suas bases, estão distantes destas lutas. A sua aliança primordial está sendo com os governos, não está sendo com os movimentos popular, sindical e estudantil. O Congresso de Negros e Negras, por exemplo, tinha o apoio do governo federal, do governo do Estado de São Paulo, da prefeitura de São Paulo, da Unipalmares, uma universidade privada. Isso tem limite, não há condições. No ano passado, a tônica que todos eles deram ao 20 de Novembro foi um caráter totalmente governista.

Está havendo uma necessidade de reorganização de discutir políticas. O sucesso do encontro não foi só em função da preparação por nós. Ele vem ao encontro de uma necessidade objetiva. Os trabalhadores negros estão precisando se organizar. O sucesso do GT de Negros e Negras reflete isso, é uma necessidade de estar se organizando. E este setor governista não consegue dar resposta.

Toda a discussão do encontro foi feita com base na questão racial sob o ponto de vista classista?
Dayse
– Classista e contra o governo Lula, isso é óbvio. Porque não é só a questão do classismo abstrato, raça e classe de maneira abstrata, contra o Estado burguês. O problema é que o Estado burguês tem governo que o move. Além de lutar contra o estado burguês, tem também uma briga contra o governo que é o chefe, que aplica a política desse Estado. Temos de levantar a bandeira do socialismo, isso é uma necessidade.

Toda esta situação, que você falou antes, de diferenciação entre brancos e negros, ela é mais grave quando falamos das mulheres negras?
Dayse
– Sim, é mais aguda ainda, é muito pior. As mulheres negras, por exemplo, como as mulheres de um modo geral, têm aumentado seu grau de escolarização, mas isso não tem se refletido em termos de salários. Uma mulher negra com segundo grau só ganha igual a uma mulher branca com segundo grau se ela tiver nível universitário. Ela tem que estudar quatro vezes mais. E quanto maior o salário, maiores as barreiras raciais. Isso é algo muito sério.

A imagem da mulher negra que serve para cama e mesa, a mucama, objeto sexual, a mulata que tem de ser só a “gostosona”. Ou então aquela que é só pra trabalhar, que abre mão de sua vida e de seus sonhos para servir aos outros, isso está muito forte. Bebel, na última novela [Paraíso Tropical, Globo] expressou bem isso. Essa perspectiva está cada vez mais forte. Fora a violência, como foi o caso daquela empregada doméstica aqui no Rio, a Sirlei. É o alvo da violência, é aquela mulher com a qual, para o machista, vale tudo, tudo pode com essa mulher. Isso é uma herança de 400 anos de escravidão. As pessoas pensam que isso foi pouco, se negam a ver as marcas.

Para as mulheres negras, é muito bárbaro. Não há creches. São mulheres que ganham 1,5 salários mínimos. São mulheres que, em sua maioria, educam os filhos sozinhas. Enfim, é uma situação brutal.

Na sua avaliação, o encontro serviu para que na atual conjuntura política?
Dayse
– Em minha opinião, ainda é difícil a gente ver a dimensão do que conseguiu fazer. Eu mesma, às vezes, ainda tenho que parar e fazer uma análise da dimensão do encontro. Foi um encontro que mostrou que é correta e é possível a unidade dos trabalhadores do movimento negro com os trabalhadores do movimento operário, sindical e estudantil. Durante muitos anos, os movimentos sustentaram a discussão de que o movimento operário, sindical e estudantil não era aliado do movimento negro. Esse encontro mostrou essa possibilidade.

Eu acho que é possível. Agora cabe a nós aprofundarmos a construção das secretarias nos sindicatos, nas universidades, nas escolas. Isso é fundamental. Por exemplo, teve uma escola de São Gonçalo que a professora levou seus alunos para o encontro, 50 alunos do ensino fundamental e alguns do ensino médio. Ela procurou diretamente a Conlutas e solicitou que seus alunos pudessem ir como convidados, porque ela precisava que eles tivessem um referencial positivo sobre a questão de ser negro. Ela já deu um retorno, a professora Ana Valéria, dizendo que os alunos estão falando do encontro, todos querem saber quando é o próximo. Ela trouxe para mim as cartinhas dos alunos, onde eles contam como viram o encontro. Cabe, agora, aprofundar essa relação. É um sinal para o movimento negro. Para quem defende um movimento classista, de oposição ao governo, independente do governo, estamos aqui apontando um norte, para não desmoralizar a luta pela questão racial no Brasil.

E daqui para frente? Quais serão os próximos passos?
Dayse
– Acho que agora tem que ter uma construção do 20 de Novembro de classe e de luta. Nós apontamos isso no encontro. Em nível nacional, o que puder ser feito com esse caráter será fundamental. Aqui no Rio de Janeiro, nós estamos apontando um ato no dia 22 para unificar com a questão do João Cândido e da Revolta da Chibata, que foi no dia 22 de novembro. Vamos fazer um ato às 16h na Cinelândia. Em Minas Gerais, eles também estão organizando panfletagens e ações nesse sentido para dar resposta à questão do 20 de Novembro. Em São Paulo, também está para se organizar um ato com esse caráter, com setores do movimento negro que querem um movimento negro independente, contra o governo, que seja contra as reformas – as reformas neoliberais da Previdência, sindical, trabalhista – que vão atacar muito mais os trabalhadores negros. Enfim, que responda à questão da violência racial e que não seja um 20 de Novembro de festa. Que seja um 20 de novembro que também coloque as questões políticas, que coloque esse marco: classista, socialista, contra o governo Lula e suas reformas, contra a violência, pela retirada das tropas do Haiti.

Não está descartada a possibilidade de a gente chamar uma grande reunião, um seminário para elaborar um calendário junto com as entidades do movimento negro que quiserem atender a esse nosso chamado. É isso que a gente está querendo.