James Green

Dentre as centenas de ativistas que demonstraram indignação e repúdio em relação à onda de ataques homofóbicos que também vitimou o companheiro Guilherme, está um velho conhecido e permanente aliado do movimento GLBT brasileiro. É o historiador, professor universitário e ativista do movimento, James Green, que muitos conhecemos como Jimmy. Sempre atento às coisas do Brasil, Jimmy, como é conhecido no movimento, nos concedeu a entrevista abaixo fazendo uma análise.

Portal do PSTU – Como ativista do movimento e como alguém que refletiu sobre a história da homossexualidade, gostaríamos que você comentasse a recente onda de ataques homofóbicos em São Paulo.
Green
– Sabemos que a violência contra os homens com comportamento publicamente entendido como efeminado ou relacionado à homossexualidade e contra mulheres com comportamento não tradicional do gênero feminino tem uma longa história. O trabalho pioneiro de Luiz Mott em documentar os atos de violência que resultaram em mortes mostra um número altíssimo de casos, apesar do estereótipo de que os brasileiros são abertos e tolerantes sobre questões sexuais.

O trabalho de Mott, porém, só pode capturar os momentos mais violentos da agressão contra as pessoas que atuam e se autoapresentam de forma que diferem dos modelos de gênero e sexualidade predominantes na sociedade brasileira. Para cada gay, travesti ou mulher assassinado, existem centenas de outros que sofrem os mais diversos tipos de agressão no cotidiano, desde piadas no trabalho ou na rua até discriminação no emprego, na moradia e na família.

O Grupo Gay da Bahia, dirigido por Mott, tem publicado estes dados desde 1980 e já contabilizaram 3.330 mortes. Ao contrário de diminuir, a violência fatal tem aumentado. Em 2009, foram 198 mortes; em 2010, foram 254. Isto não seria contraditório com as conquistas que ocorreram nas últimas décadas?
Green
– Existe, sim, uma situação contraditória no Brasil neste momento. Na medida em que há mais visibilidade através de espaços urbanos conquistados ou através de diversas manifestações políticas, há uma tendência de mais e não menos violência. A visibilidade do gay, travesti ou lésbica provoca, especialmente entre homens, uma ansiedade sobre sua própria masculinidade, virilidade e poder na sociedade. A violência contra um gay, como no caso do Guilherme, serve para um jovem, que está inseguro sobre sua própria sexualidade (ou personalidade), como uma forma de afirmar uma espécie de superioridade. Como se dissessem: “Eu sou melhor do que a bicha que anda nas ruas tranquilo. Ele não tem direito a esta liberdade.” Existe uma necessidade de afirmação de uma masculinidade perversa, que leva a esta violência. Também há uma noção de que o gay é fisicamente fraco e não vai responder a um ataque ou não vai fazer uma queixa na polícia por medo de represálias ou por vergonha.

Os ataques têm levado ativistas do movimento às ruas em defesa da aprovação de uma legislação que penalize e criminalize a homofobia, o PLC 122. O que você acha desta proposta e como você a situação legal dos homossexuais no Brasil? É possível fazer alguma comparação com a situação mundial, particularmente do teu país, os EUA?
Green
– É claro que a situação política de cada país é distinta, mas acho que leis são fundamentais para garantir direitos plenos de cidadania para gays, lésbicas e travestis. Pessoas têm o direito de pensar como querem. Podem ter suas próprias noções religiosas ou morais sobre a homossexualidade. Mas a questão não é sobre opiniões pessoais. É sobre o direito de existir como pessoa, de poder andar tranquilamente pelas ruas, sem medo de ser agredido simplesmente por ser homossexual ou por ter um comportamento que outros associam com a homossexualidade. A existência da lei possibilitaria um trabalho sério nas escolas para forjar uma ideologia realmente democrática e laica sobre as diversidades sexuais e a tolerância social. A lei não vai eliminar os ataques violentos, mas é uma forma de expandir a cidadania e provocar um amplo debate na sociedade.

Na repercussão do caso do companheiro Guilherme, setores mais conservadores da mídia e da sociedade e os próprios agressores, além de mentirem sobre os eventos, estão utilizando o fato de que os ferimentos não foram graves para desqualificar a existência de agressão. Também tem sido comum a citação complemente mentirosa de que o Guilherme teria “cantado” os agressores. Como você analisa isto?
Green
– Estas formas de justificar a violência são antigas e bem conhecidas. Lembram sempre o argumento de que uma mulher violentada queria ser violentada ou provocou esta agressão. Mesmo se Guilherme tivesse cantado uma pessoa, isto não é justificativa para a violência. Se um cara entra no bar e diz a uma mulher, “você é linda”, e ela der um tiro no cara, isto seria justificável? Diante de uma cantada indesejada, a resposta apropriada deveria ser: “Não estou afins, mas obrigado por me achar gostoso.” Se uma mulher me cantar, hoje, numa festa, eu deveria bater nela porque sou gay? É um argumento absurdo.

Neste caso, o companheiro agredido ainda teve de lidar com a recusa das autoridades policiais em registrar sua agressão como ato de homofobia. Este é um dos motivos que dificultam, inclusive, o acompanhamento e registro dos casos. O que o movimento poderia fazer diante desta situação?
Green
– Não tenho uma solução para este problema, mas imagino que deve ser muito comum que a polícia não queira tratar do assunto como ato homofóbico porque sabem das implicações políticas e públicas. A resposta é mais pressão, mobilização, denuncia nos jornais, procurar aliados políticos para divulgar os casos que ocorram.

Mas, se não tenho resposta para isto, tenho certeza sobre outra coisa: acho que o movimento LGBT brasileiro é o mais dinâmico e interessante do mundo. Existem grandes mobilizações, como as paradas, em todo o país. Há um debate político na mídia e cada vez mais visibilidade e aceitação pela sociedade. Acho que o movimento em São Paulo deve fazer uma grande campanha para eliminar a violência. Uma campanha que grite: “Chega de violência” e que exija uma resposta clara sobre o assunto de todos os parlamentares, de todos os partidos políticos. Apesar de divergências entre os grupos e os problemas históricos, que são normais em qualquer movimento social, acho que é fundamental juntar todas as forças possíveis para aprovar a lei PLC 122/06 como um passo importante para conquistar os direitos democráticos plenos dos gays, lésbicas e travestis.

Quem é James Green
O historiador James Green morou no Brasil entre 1976 e 1981 quando participou na fundação do Somos: Grupo de Afirmação Homossexual, o primeiro grupo politizado de gays e lésbicas no Brasil. Também fundou a Facção Homossexual da Convergência Socialista (CS) que levava um debate interno dentro da organização para forjar uma política ao movimento homossexual.

Juntamente com a militância da CS, Green incentivou a mobilização de SOMOS e outras organizações para forjar alianças com outros setores sociais mobilizados, entre eles o Movimento Negro Unificado (MNU), o movimento feminista e o movimento sindical. Exemplo disto foi sua participação, com 50 militantes do movimento homossexual, do 1° de maio de 1980 em São Bernardo, durante uma greve geral, no ABC paulista. O grupo levou duas faixas enormes que diziam: “Contra a Intervenção nos Sindicatos do ABC” e “Contra a Discriminação do/a Trababalhador/a Homossexual”.

James Green é autor de um livro considerado um clássico nos estudos sobre homossexualidade: Além do Carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX (UNESP, 2000). Em 2001, recebeu o Prêmio Literário de Cidadania em Respeito à Diversidade. Também é coautor, com Ronaldo Trindade, de Homossexualismo em São Paulo e outros escritos, que também recebeu o prêmio Cidadania em Diversidade. Publicou, em 2009, o livro Apesar de vocês: a oposição à ditadura militar nos Estados Unidos, 1964-85 (Companhia das Letras).

Atualmente, está escrevendo a biografia de Herbert Daniel, ex-guerrilheiro, revolucionário e ativista de portadores de HIV-AIDS, que faleceu em 1992.