Cláudia Durans é candidata a vice-presidente ao lado de Zé Maria
Foto: Thiago Mahrenholz

No dia 6 de junho, Cláudia Durans, candidata à vice-presidência pelo PSTU, deu início à campanha eleitoral no Bairro da Liberdade, onde nasceu e cresceu, em São Luis do Maranhão. Percorrendo ruas que se confundem com sua própria história, Cláudia, que é militante do Quilombo Raça e Classe e do Movimento Mulheres em Luta, filiados à CSP-Conlutas, nos concedeu uma entrevista, discutindo o significado de sua candidatura para o PSTU e o porquê foi escolhida para ser a companheira de Zé Maria na disputa eleitoral. Cláudia também é assistente social e, desde 1992, professora do Departamento de Serviço Social da UFMA. É mestra e doutora em Serviço Social e autora do livro “Limites do Sindicalismo e Reorganização da Luta Social” (EDUFMA, 2008). Atualmente, é diretora licenciada da Associação de Professores da Universidade Federal do Maranhão e professora no curso de Serviço Social na Universidade Federal do Maranhão.


Portal do PSTU – Cláudia, por que a escolha do Bairro da Liberdade para o lançamento da campanha?
Cláudia Durans – Foi aqui, na Liberdade, que eu nasci e vivi por quase toda a minha vida. Este é um bairro negro, de gente alegre e batalhadora, um verdadeiro quilombo urbano. É um espaço conquistado de resistência cultural e de luta, onde se escuta um bom samba, um reggae roots, bumba meu boi de vários sotaques. Mas, infelizmente, nas últimas décadas, a exemplo de bairros populares em todo Brasil, a Liberdade tem passado por um processo de degradação absurdo. Começar a campanha aqui não significa apenas resgatar minhas próprias raízes, mas também reafirma que nossas candidaturas estão a serviço da luta para resgatar a dignidade do nosso povo, para combater o racismo que se esconde por trás desta degradação, para reconstruir um quilombo onde, de fato, tenhamos a liberdade pela qual nossos ancestrais tanto lutaram.
 
Quais são as condições em que vivem os homens, mulheres e jovens da Liberdade e, como você disse, são iguais a outras comunidades de maioria de gente negra e pobre?
Cláudia – Neste bairro com um nome tão lindo e tão importante para a humanidade, nosso povo está preso à terrível combinação de opressão racial e exploração capitalista. Por isso, vive em meio à violência policial, à criminalidade e a consequente falta de perspectivas para a juventude. É muito triste ver as mães que choram a cada final de semana a morte de seus filhos. Faltam creches, escolas, saúde de qualidade e transporte digno. Não há saneamento em muitas ruas onde as famílias têm de conviver com esgotos fétidos, causando doenças, principalmente às crianças, falta água. E é importante lembrar que, por trás de tudo isso, está o fato de que um grande número de famílias sobrevive da informalidade e de programas insuficientes como o Bolsa Família. Aliás, é importante registrar que, fruto de quase 50 anos de oligarquia Sarney, o resultado é que, dos 7 milhões de habitantes do estado do Maranhão, cerca de 4 milhões sobrevivem do Bolsa Família. Isso é emblemático. Como também é emblemático que essa oligarquia, com raízes na ditadura, seja parceira de primeira hora dos governos do PT.
 
Enquanto você lançava a campanha no Liberdade, Zé Maria percorria as ruas de São Gonçalo e do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, duas regiões também majoritariamente negras. Por que o PSTU fez esta opção?
Claudia – Isto tem tudo a ver com o próprio sentido de nossas candidaturas. Não só para a Presidência, mas em todos os níveis país afora. Decidimos iniciar nossa campanha nos bairros operários, periferias, bairros negros, feiras populares. Esse início deu o tom de como será a nossa campanha, centralmente junto à classe trabalhadora em seu local de moradia, trabalho ou estudo, apresentando candidatos e candidatas socialistas como alternativa às eleições burguesas. Como sempre dizemos, só a luta muda a vida, e, pra nós, o processo eleitoral também é uma forma para organizar os mais explorados e oprimidos.
 
Essa é a segunda vez que você é candidata à vice do Zé Maria. Qual é o significado desta parceria?
Cláudia – Nós achamos que ela traduz a essência daquilo que queremos dizer para os trabalhadores, as trabalhadoras e a juventude deste país, particularmente os negros e negras. A mensagem que o Zé e eu queremos levar a eles é que, num mundo em que o racismo, o machismo e todas formas de opressão, como a homofobia e o massacre dos povos indígenas, estão a serviço dos lucros dos capitalistas, a única saída para nós que sofremos com o preconceito, a discriminação e a marginalização é combater esta situação lado a lado com a classe trabalhadora. Como tenho dito, sou negra, sou mulher, mas também tenho consciência de classe. Por isso, só posso estar com o Zé, um operário que não mudou de lado.
 
É a isto que você se refere ao dizer que a chapa Zé e Cláudia é uma aliança de raça e classe?
Cláudia – Exatamente. Hoje sou professora universitária e tenho militado em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, que também será um dos focos da minha campanha em particular, assim como minha militância no Serviço Social. Mas sei que a carreira que exerço é uma exceção no que diz respeito à maioria das mulheres negras. E, também, não só em função de minhas origens, mas também por uma opção política, continuo vivendo e lutando ao lado da classe trabalhadora. E eu aprendi, aqui mesmo no Bairro da Liberdade, que não há saídas individuais. E mais, não há liberdade possível sem que até o último dos mais oprimidos e explorados estiver livre. O que queremos dizer, nas ruas, nos próximos meses, é que não há soluções possíveis do ponto de vista dos explorados, oprimidos e humilhados sem que nos unamos para transformar nossa realidade, pois somos a maioria que produz a riqueza do nosso país. Só quem é parte dessa classe que sofre na pele pode denunciar com autenticidade a situação de calamidade em que vive o nosso povo.
 
Além de atuar no Andes, você é militante da Secretaria de Negros e Negras do PSTU e dos movimentos Quilombo Raça e Classe e Mulheres em Luta, tendo uma forte atuação contra a combinação do machismo, do racismo e da exploração. Fale-nos um pouco sobre a situação das mulheres e jovens negras.
Cláudia – Segundo uma pesquisa recente do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas, as mulheres negras correspondem a 50% da população feminina. Aqui, no Norte, somos 74,7%. Mesmo considerando que as mulheres brancas também são vitimadas pelo machismo e a exploração, lamentavelmente, a situação das negras é muitíssimo pior. Por exemplo, em casas chefiadas por homens brancos, a média salarial é de R$ 1 mil, enquanto naquelas que são mantidas por mulheres negras é R$ 500. Em 2012, uma mulher negra ganhava 72,9% da média salarial dos homens brancos. Ainda segundo a pesquisa, em 2009, 37,6% dos domicílios chefiados por trabalhadoras domésticas (cerca de 7,2 milhões de pessoas, uma herança da época em que nossas ancestrais serviam nas casas grandes) se encontravam abaixo da linha de pobreza, ou seja, a renda chegava a meio salário mínimo para cada membro da família. Na Educação, enquanto 23,8% das mulheres brancas estão com matrícula adequada a sua idade, a porcentagem de negras é de 9,9%. Também são a maioria dos que dependem dos sucateados serviços públicos, como o SUS. E, como se tudo isso não bastasse, essa sociedade machista, racista e que tenta transformar tudo em produto e lucro, tenta nos fazer de objetos sexuais. Somos assediadas nos lotadíssimos transportes públicos e somos as vítimas mais frequentes da violência, do tráfico e do turismo sexual, como lamentavelmente, está sendo constatado durante a Copa).
 

 
Apesar de tudo, há quem ainda negue que exista racismo no Brasil. O que você tem a dizer sobre isso?
Cláudia – Queremos desmascarar o discurso de que vivemos numa democracia racial. Aqui não há igualdade, muito menos justiça. É verdade que as péssimas condições de vida afetam a maioria da classe trabalhadora. Mas neste país que viveu quase 400 anos de escravidão, sendo o último a aboli-la, as classes são racializadas, ou seja, a maioria dos ricos é formada por um punhado de brancos, herdeiros dos escravocratas, e os negros e negras são os mais pobres. Minha candidatura e de várias outras candidaturas negras que o PSTU está apresentando, como da Dayse Gomes e do Jair Pedro, candidatos ao governo do Rio de Janeiro e de Pernambuco, além de vários candidatos a deputados estaduais e federais, estão a serviço de desmascarar este mito e organizar negros e negras na luta contra o racismo nada sutil em que vivemos.
 
Para tal, quais são as principais propostas que o PSTU defenderá nestas eleições?
Claúdia – Em primeiro lugar, como realmente não acreditamos que seja possível separar raça e classe, nossas propostas para o combate ao racismo, como também ao machismo e a homofobia, cruzam todos os pontos de nosso programa. Ao defendermos melhores condições de saúde, moradia, educação, transporte etc. nunca nos esquecemos daqueles para quem o acesso é ainda mais difícil. Mas, especificamente no que se refere ao racismo, nossa campanha começa pela denúncia do verdadeiro genocídio ao qual os negros estão submetidos, particularmente os mais jovens. Este é o país em que pedreiros como o Amarildo desaparecem. No qual uma auxiliar de serviços gerais como a Cláudia é arrastada como saco de lixo por um camburão da polícia, onde mortes absurdas como as dos jovens Douglas, Jean e o bailarino DG comprovam pesquisas que mostram que um jovem negro é morto a cada 25 minutos e que a possibilidade de um jovem negro ser assassinado é 153,4% maior de que um branco. Uma situação que vale lembrar, só piorou nos governos petistas. Entre 2002 e 2010, por exemplo, o número de jovens brancos mortos caiu em 26,4%; enquanto o de negros subiu 30,6%.
 
Quais são as propostas defendidas contra a violência racista?
Cláudia – Em primeiríssimo lugar, defendemos a desmilitarização da Polícia Militar, esta herança maldita da ditadura que está, sob as fardas e os capuzes de milicianos e justiceiros, por trás de uma porcentagem significativa destas mortes. Pra nós, desmilitarizar é um primeiro passo para a extinção da PM e a criação de novas políticas de segurança que sejam submetidas aos trabalhadores. Além disso, no decorrer da campanha, vamos apresentar nossas propostas para aquilo que chamamos de violência difusa que em muito contribui para que a expectativa de vida de um negro seja seis anos menor que a de um branco: a violência da fila no posto médico, do sufoco no transporte, da falta de moradia e de acesso à educação.
 
Por fim, quais são expectativas para as eleições?
Cláudia – Como disse, acreditamos que só a luta muda a vida. No processo eleitoral, lutamos por algo mais do que o voto. Cada um deles é importante para nós, porque significa mais um passo na organização dos trabalhadores, os mais explorados e oprimidos em particular, para que possamos travar a luta necessária. Negros e negras estão lutando por todos os cantos. Estiveram nas Jornadas de Junho de 2013, desceram do Pavão Pavãozinho e tomaram Ipanema contra a violência racista, fizeram rolezinhos denunciando a falta de lazer, foram a maioria absoluta entre os garis, rodoviários e trabalhadores do Complexo Petrolífero do Rio de Janeiro e têm se manifestado contra os gastos absurdos com a Copa. O queremos é sair das eleições com muitos deles organizados conosco, contribuindo para a construção de um quilombo socialista. Por isso, particularmente nós, negros e negras do PSTU, estamos entrando nas eleições não só como candidatos. Entramos como herdeiros de Zumbi, de Dandara e os quilombolas de Palmares, de Luiza Mahim e os revoltosos Malês, de Luis Gama e os abolicionistas rebeldes, de João Cândido e os marinheiros que voltaram seus canhões contra o poder para se livrar das chibatas, de Carolina de Jesus e de todos e todas que, mesmo marginalizados, resistiram.