“O que aconteceu com minha filha não pode ser compreendido sem que sejam abordados os crimes que ocorrem no interior dos transatlânticos”

 
O Portal do PSTU entrevistou Alexandre Frasson, pai da nutricionista Bruna Frasson, que se encontra presa na Espanha. A jovem foi vítima de um esquema mafioso de tráfico de drogas que acontece dentro de navios de cruzeiros. Bruna trabalhava no navio Costa Cruciere, que não lhe prestou nenhuma solidariedade. Bruna permanece presa, mesmo com a confissão de um traficante que disse que a nutricionista é inocente. O caso também trouxe à tona a situação de semiescravidão, violência e humilhações de que são vítimas os trabahadores desses luxuosos cruzeiros.
 
 
Portal do PSTU – Como Bruna conseguiu esse emprego? Que expectativas ela tinha?
Alexandre Frasson Há várias agências recrutadoras espalhadas pelo Brasil que realizam seleção de jovens para trabalho em navios de cruzeiros. A minha filha se inscreveu numa delas com abrangência no sul do Brasil, que é a ISMBR. Todo processo seletivo tem custos altos: viagens para cursos teóricos e práticos em Curitiba, exames médicos etc., e é tudo por conta do candidato, sem reembolso. Muitos ex-tripulantes e candidatos estão denunciando diversas irregularidades nestas agências, principalmente em relação aos valores cobrados para o processo de admissão e os salários prometidos, que não se transformaram em realidade. Os salários reais, geralmente, são bem inferiores aos prometidos. As expectativas de Bruna, em relação ao trabalho em um transatlântico, era conhecer a cozinha internacional, pois ela é nutricionista, aprimorar o idioma inglês e também conhecer outros países e culturas. Tais sonhos, lamentavelmente, se transformaram em um grande pesadelo.
 
Como o senhor soube da prisão?
Frasson – No dia 25 de março, domingo, a mãe de Bruna recebeu um telefonema de um outro tripulante dizendo que ela havia sido presa em Barcelona e, naquele momento, não soube dizer o porquê. Imediatamente, a mãe de Bruna me ligou e me informou da notícia. A partir daí, o pesadelo começou. Não recebi nenhum comunicado da armadora italiana Costa Crociere, a qual pertencia o navio onde Bruna estava trabalhando, o Costa Victoria. Tampouco, recebi qualquer informação da agência recrutadora, a ISMBR. Eu telefonei para ISMBR, e esta me disse que não sabia de nada. Então, a partir de informações obtidas pelo site do Itamaraty, telefonei diversas vezes para o número de emergência do consulado brasileiro em Barcelona, solicitando deles alguma informação sobre minha filha. Alguns dias depois, recebi do consulado a informação de que a Bruna estava presa numa penitenciária de mulheres em Barcelona, na CP Dones de Barcelona – Wad Ras, e estava sendo acusada de tráfico internacional de drogas, que ela estava bem e que em breve iria me telefonar. Novamente procurei a ISMBR, continuavam não sabendo de nada, mas de tanto eu insistir eles acabaram me passando os endereços eletrônicos da gerente responsável por recursos humanos da Costa Crociere, em Gênova, onde é a sede da armadora. Pedi ajuda jurídica para a Costa Crociere, mas se limitaram a enviar um e-mail confirmando que Bruna estava presa sim, que respondia por tráfico de droga, que não estava previsto nenhum tipo de apoio jurídico a ela e que, no mais, a Bruna e outros tripulantes haviam denegrido a imagem comercial da companhia. Este comunicado da Costa Crociere eu recebi antes mesmo de eu conseguir falar com minha filha, pois ela estava incomunicável e ficou nesta situação por 11 dias, desde a sua prisão. Nunca mais obtive qualquer retorno por parte da Costa Crociere e da ISMBR. Com a ajuda dos deputados da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do rio Grande do Sul, o Itamaraty foi pressionado para que o consulado conseguisse obter a liberação de ligações telefônicas da Bruna para a sua família. Onze dias depois, a Bruna me telefonou dizendo que estava bem, que o centro penitenciário se parecia com um colégio interno e contou rapidamente o que havia ocorrido, que um colega de trabalho havia introduzido droga em sua mochila sem que ela soubesse etc. Esse mesmo colega, que era cozinheiro do navio e veterano de cinco temporadas trabalhando em transatlânticos, mais tarde confessou, diante do juiz, que realmente havia enganado a Bruna e que ela não sabia de nada sobre a droga.
 
O senhor tem mantido contato com ela? O que ela diz?
Frasson – Os contatos são por telefone. Ela tem direito a realizar cinco ligações por semana, de oito minutos cada. Só ela pode telefonar para fora. O contrário, é proibido. Também pode enviar e receber cartas. Menos de um mês depois da sua prisão, em abril de 2012, eu fui a Barcelona visitar a minha filha e também contratar um advogado particular, pois a advogada de ofício, uma espécie de defensora pública terceirizada, prestava um trabalho muito precário, não visitava a Bruna, que se sentia desassistida. Em relação ao advogado que eu contratei, cheguei até ele por indicação e orientação da equipe de apoio jurídico da CCDH-AL-RS. Depois, os contatos da família com a Bruna foram todos por telefone e cartas. Ela recebe visita do seu advogado de quinze em quinze dias, também recebe visita de uma senhora espanhola moradora de Barcelona. Esta senhora é sogra de um brasileiro, professor universitário baiano, amigo comum de uma amiga da mãe de Bruna. Ela gostou muito de Bruna e ofereceu sua casa para que ela pudesse residir em caso de liberdade provisória. A Bruna também está fazendo um curso à distância de pós-graduação em nutrição comunitária pela Universidade de Barcelona desde agosto do ano passado e faz parte de grupos de artistas dentro do centro penitenciário. Inclusive os seus trabalhos têm participando de exposições e alguns deles são premiados.
 
O que o senhor sente com relação a isso tudo e o que espera do julgamento?
Frasson – O sentimento é de muita tristeza e indignação. Minha filha é inocente, ela não é e nunca foi uma traficante. Ela está há mais de 17 meses presa injustamente e sem julgamento. O princípio adotado pelas autoridades foi de presunção de culpa e não de inocência, conforme prevê a Declaração Universal dos Direitos Humanos e da própria constituição espanhola. Além de não ter nenhum antecedente criminal, ela não representa e nunca representou perigo a quem quer que seja, há uma confissão de quem a enganou, ela estuda, trabalha na cozinha do centro penitenciário e é responsável pela gestão, tem um comportamento exemplar reconhecido pela própria direção do centro e uma família disposta a acolhê-la em sua casa enquanto corra o processo até o julgamento. Lamentavelmente, tudo isso não foi suficiente para a justiça espanhola conceder a liberdade, mesmo que provisória. Além disso, ela não terá o direito a um julgamento individualizado, pois será julgada juntamente com outros sete indiciados, entre eles os traficantes suspeitos de serem os receptores da droga, outras pessoas que foram presas semanas antes da prisão da Bruna e outras presas dias depois, todas suspeitas de estarem ligadas aos traficantes receptores. A justiça espanhola colocou todo mundo no mesmo saco, não se deu o trabalho de ver quem é quem. Além de violar escandalosamente o princípio da presunção de inocência, também desrespeita o direito a um julgamento individualizado e que leve em consideração as circunstâncias individuais de minha filha, sua vida pregressa, que são incompatíveis com as atividades de uma traficante. A diplomacia brasileira realizou seis audiências com as autoridades espanholas com o objetivo de relaxar a prisão, três em Barcelona, duas em Madri e uma em Brasília. Também houve várias audiências públicas e moções aprovadas em solidariedade a minha filha, na Câmara de Porto Alegre, Câmara de Belém do Pará, Câmara de Novo Hamburgo e Câmara de Canoas. No dia 21 de agosto, em Canoas, houve um ato público onde testemunharam familiares, professores, amigos, colegas de escola e faculdade todos manifestando não somente solidariedade, mas atestando a conduta exemplar que minha filha sempre teve. Neste ato, foram aprovados por unanimidade documentos e cartas que serão entregues aos juízes que irão julgar a Bruna. Também houve uma campanha internacional pela liberdade de Bruna e que reuniu mais de cinco mil assinaturas de 37 países de todos os continentes. Porém, apesar de tudo isso, eu temo que não seja suficiente para que minha filha seja absolvida. Será difícil para uma justiça carregada de preconceitos contra latino-americanos, admitir que errou mantendo uma inocente por quase 18 meses presa. E se depender da grande imprensa, pelo seu silêncio, a condenação é uma hipótese bem provável. Apesar da grande campanha que ocorre nas redes sociais, isso não se refletiu nos grandes meios de comunicação e penso que por razões óbvias. O que aconteceu com minha filha não pode ser compreendido sem que sejam abordados os crimes que ocorrem no interior dos transatlânticos, desde o intenso narcotráfico até maus tratos contra tripulantes, negligência e omissão médica, desaparecimentos de tripulantes e passageiros, muitos casos de violência sexual e homicídios. E isso tudo desnuda uma indústria sem regulamentação na grande maioria dos países, inclusive no Brasil. Essa indústria para obter seus lucros astronômicos, se aproveita da falta de uma legislação específica, das prerrogativas das bandeiras de conveniências e da grande corrupção de autoridades que deveriam fiscalizar e acabam fazendo vistas grossas para impor uma situação de total desrespeito, exploração e semiescravidão aos tripulantes dos países pobres, além de provocarem enormes perigos aos passageiros que entram num navio de cruzeiro com a falsa sensação de segurança.

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