Secretaria de Negras e Negros do PSTU

As imagens da câmera de segurança mostram Sari Corte Real colocando Miguel sozinho dentro do elevador e apertando o nono andar. Como você analisa o comportamento dela?

Mirtes – Eu analiso como falta de amor ao próximo. Infelizmente, naquele momento em que ela abandonou meu filho no elevador, ela… pouco estava ligando, porque era o filho de uma empregada. Ela só queria voltar pra terminar de fazer as unhas dela, ela não tocou no meu filho pra não borrar as unhas dela se observar nas imagens. Ela estava sem paciência, não quis saber mais dele e deixou ele ir. Se ela tivesse pelo menos pegado na mão dele, ter tirado ele do elevador, nada disso tinha acontecido. Hoje eu poderia estar com meu filho, mas infelizmente ela não quis nem tocar nele. Não entendo, por que não tocar numa criança? Ele era só uma criança, não sabia de nada, não tinha noção do risco que ele estava correndo naquele momento. Então, por falta de paciência dela, por vaidade, por falta de amor ao próximo, eu perdi meu filho. Perdi.

No dia 5 de julho, a Rede Globo fez uma entrevista especial com Sari Corte Real no Fantástico sobre a morte de Miguel. A produção do Fantástico também entrou em contato com você?

Pra mim, eu achei estranho dar a voz a ela. Mas infelizmente o que ela falou ali só fez prejudicar a ela mesma, só fez confirmar aquilo que eu já tinha dito quando eu saí da delegacia, que ela é fria, que ela não se arrepende em nenhum momento do que fez com meu filho e, ali no Fantástico, ela queria passar um papel de boazinha de sofrida, com roupa clara, sem maquiagem, simples, sem joias e ela não é daquela forma, ela só veste roupa de lançamento, sempre bem maquiada, cabelo sempre bem arrumado. Ela usa joias, muitas joias, e aquilo ali ela estava só fazendo um papel, ela estava encenando ali.

Sari Corte Real é rica, branca, esposa do prefeito e pagou fiança de R$ 20 mil para responder em liberdade. Você acha que a Justiça é racista e protege os ricos?

A Justiça é preconceituosa. É mais leve para os ricos, que têm condições financeiras, e é pesada para o pobre, principalmente para o pobre que mora na periferia. Sari teve condições de pagar vinte mil reais e está respondendo em liberdade. Eu não tenho condições de pagar vinte mil reais de fiança, então com certeza eu já estaria presa. A Justiça é muito injusta com o pobre. Se o pobre for no mercado roubar uma margarina é ladrão. Um rico quando é pego no shopping roubando um óculos, joias, alguma coisa, é doente, é cleptomaníaco! É doente.

Foi revelado que o prefeito Sergio Hacker Corte Real usava dinheiro da Prefeitura de Tamandaré de forma irregular para pagar o seu salário e o da sua mãe. O que você pensa sobre isso? Tem recebido algum salário?

Não, não temos recebido salário. Ele errou em ter colocado a gente pela prefeitura, ele sabe muito mais do que a gente que o que ele fez foi errado. Quando Sari entregou o contrato para eu e minha mãe assinar, a gente assinou porque a gente não viu alternativa, porque a gente precisava receber nosso salário, precisa trabalhar pra pagar nossas contas, pra sustentar meu filho. E tem outras pessoas, outros funcionários da família [do prefeito] que também trabalhavam, recebiam da prefeitura. Mas isso aí é um erro que ele cometeu e ele vai ter que resolver com a Justiça.

A advogada que está me acompanhando está resolvendo essa questão trabalhista, porque foram muitas irregularidades. A gente está recebendo ajuda de algumas pessoas, tanto na questão de alimento como na questão financeira, e isso está dando pra gente se virar até se resolver essa questão.

Na pandemia, as condições de vida das trabalhadoras domésticas pioraram, e muitos governadores, dentre eles o daqui de Pernambuco, classificou o trabalho doméstico como essencial. Muitas empregadas domésticas foram contaminadas. Você também foi contaminada?

A Sari ofereceu pra ir trabalhar junto com ela, porque eles foram se isolar lá em Tamandaré, e ela perguntou se a gente queria ir. Então fomos pra trabalhar e receber nosso salário. Passei todo esse período da pandemia trabalhando em Tamandaré, eu, minha mãe e levei meu filho comigo. E algumas vezes precisei vir a Recife com Sari e com o marido dela, ele com o COVID-19, e eu adquiri. Não foi tão grave a ponto de eu ir para o hospital, mas foi pesado. Minha mãe e meu filho apresentaram alguns sintomas.

Muitas pessoas têm demonstrado solidariedade com você e com sua família. Como você vê estas manifestações de apoio?

Isso é muito importante, isso é o que está me fortalecendo pra continuar nessa luta. Aquele tuitaço foi surpreendente pra mim. Eu me surpreendi com muita gente, o quanto estão empenhados me apoiando, pedindo justiça por Miguel. Não imaginava que o caso do meu filho ia tomar essa proporção, e essa proporção que tomou é o que está me ajudando. Muita gente está me apoiando, tanto aqui do Brasil como fora. Não estou me sentindo só nessa luta. Tem muita gente comigo, muita gente comigo, pessoas que dizem que estão orando por mim. Sei que não vou trazer meu neguinho de volta, mas pelo menos vai dar um pouco de alívio pro meu coração em saber que a pessoa que errou com meu filho vai pagar pelo erro dela.

Eu só exijo que realmente se faça justiça, que está comprovado. As imagens falam por si. Estou na luta para que não se caia no esquecimento. Eu sempre peço para que as pessoas que apoiam postem foto de Miguel, coloquem uma hashtag “justiçapormiguel”, para que não caia no esquecimento. Vamos fazer pressão para que se faça realmente justiça.