Gisele Sifroni, de São Bernardo do Campo (SP)

No dia 27 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a promoção de crenças durante aulas do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, causando não apenas perplexidade na comunidade escolar, como repúdio do conjunto dos professores comprometidos com a formação de um pensamento crítico. Entretanto, para além da justa indignação, é preciso questionar: quais as determinações que levaram o STF a reafirmar uma conduta tão arcaica e conservadora no ensino público do país?

Antes de entrar diretamente nos elementos que poderão conduzir a uma resposta à interrogante levantada, é necessário localizar o campo no qual estão tais elementos. Isso implica também em explicitar o ângulo do qual se parte para analisar o fato. Assim, desde uma perspectiva marxista, o atual processo da luta de classes no Brasil é o cenário determinante para a compreensão desse atentado contra a qualidade da educação pública e contra a socialização sistematizada do pensamento científico para os filhos da classe trabalhadora.

A decisão tomada pela escória desprezível do STF não se trata de um raio em céu azul: é parte de um amplo projeto ideológico pelo qual as formas políticas assumidas pelo capital buscam exercer dominação sobre a juventude pobre brasileira. Por qual motivo? Justamente pelo protagonismo da juventude nas principais lutas populares nesse contexto histórico.

A recordar, em junho de 2013, a juventude foi o sujeito social das lutas por transporte público de qualidade e enfrentou abertamente a repressão do Estado; em 2014, foi o centro das manifestações contra os gastos absurdos direcionados pelo governo do PT à realização da Copa do Mundo; e, em 2016, deu um salto de qualidade e levou o enfrentamento contra o Estado para dentro das escolas ao organizar as ocupações secundaristas em importantes regiões do país.

Por essa razão, a promoção da crença nas escolas públicas, ao lado do projeto Escola Sem Partido, bem como do falacioso projeto de militarização do ensino, são aspectos do projeto burguês reagente frente ao avanço da consciência e da disposição de luta dos setores mais empobrecidos da juventude brasileira. Nesse sentido, não se trata de ação de ataque da burguesia como um elemento de uma suposta onda conservadora, mas sim de uma reação de contra-ataque próprio da natureza de um contexto de polarização do conflito entre as classes sociais.

Por outro lado, a resposta ideológica da burguesa é combinada com o próprio desmonte orçamentário que esta promove contra a educação pública. De acordo com o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN)[2], o governo Temer promoveu, em 2017, um corte de R$ 4,3 bilhões do Ministério da Educação (MEC), em consonância com a mesma política aplicada pelo governo Dilma[3] e com a política que os próximos governos da ordem (Lula, Bolsonaro, Doria, Alckmin, Ciro Gomes e os genéricos de cada um deles) aplicarão sob o pretexto do congelamento de gastos públicos por vinte anos.

Desse modo, a busca pelo controle ideológico das escolas é para o capital, concomitantemente, uma necessidade imediata, mas também uma tentativa de prevenção dos futuros enfrentamentos. Todavia, seja como reação ao presente ou resposta antecipada ao futuro, a essência das iniciativas reacionárias no campo educacional tem a mesma essência política: o medo da burguesia do espectro que a ronda – o espectro de uma juventude pobre que nada tem a perder, senão os grilhões da exploração capitalista e da opressão racista, lgbtfóbica e machista.

 

[2] Fonte: Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior (Andes) http://portal.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=8734

[3] Somente no ano de 2015, o governo Dilma retirou do Ministério da Educação R$ 10,5 bilhões. Fonte: Jornal Estado de S. Paulo http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,no-ano-do-lema-patria-educadora–mec-perde-r-10-5-bi–ou-10-do-orcamento,1817192

 

*Gisele Sifroni é pedagoga – especialista em educação da América Latina e militante do PSTU