Dorothy Stang
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Foi vergonhoso e revoltante o resultado do segundo julgamento do fazendeiro Vitalmiro Bastos Moura, acusado de ser o mandante do assassinato da freira missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005, no Pará. Por cinco votos a dois, Vitalmiro, o “Bida”, foi absolvido na última terça-feira, 6 de maio. Os advogados do fazendeiro defenderam a tese de que Bida não fora o mandante.

O promotor Edson Souza, responsável pela acusação, vai pedir novo julgamento. Todas as provas dos autos, segundo o promotor, apontam Bida como culpado, o que foi estranhamente rejeitado no julgamento de terça-feira.

O fazendeiro já estava preso, pois fora condenado a 30 anos de prisão no primeiro julgamento. Agora, após ser inocentado, está em liberdade, sendo que nenhum fato novo foi acrescentado aos autos do processo. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) classificou a decisão como “incitação ao crime”.

Rayfran das Neves, que executou a morte de Dorothy, foi mantido condenado e teve a pena aumentada de 27 para 28 anos de prisão.

Ameaças continuam
O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dom Erwin Krautler, vem recebendo diversas ameaças de morte. Ele relatou os fatos na terça-feira, dia do julgamento de Bida, numa audiência pública na Câmara dos Deputados.

De acordo com o Cimi, o bispo diz que “as ameaças são decorrentes da insatisfação de fazendeiros, madeireiros e políticos do Pará às denúncias que vem fazendo. Ele identifica três causas que podem ser apontadas como principais: sua posição contrária à construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu; a denúncia contra a rede de exploração sexual de meninas no município de Altamira (PA); e a pressão que ele vem fazendo para que se aprofundem as investigações do assassinato da missionária Dorothy Stang, morta em 2005”.

O bispo exigiu justiça no julgamento dos responsáveis pelo assassinato de Dorothy. Momentos depois, o acusado de ser mandante do crime foi absolvido, numa demonstração de que a justiça tem sido justa apenas com os poderosos da região.

As ameaças de morte aos ativistas da pastoral estão generalizadas no estado do Pará. O bispo de Abaetetuba – mesma cidade onde uma menina de 15 anos foi mantida presa com homens e brutalmente violentada -, dom Flávio Giovenale, também enfrenta ameaças. Ele, assim como outros bispos da região, tem denunciado sistematicamente crimes de fazendeiros.

O bispo de Marajó, dom José Luís Azcona, informou ao Cimi que existe uma lista de 300 ativistas marcados para morrer no estado do Pará. Segundo ele, “em Marajó, há 300 km de água [com acesso ao oceano] que não tem um só barco da Marinha fiscalizando. Por ali passa narcotráfico, tráfico de armas, biopirataria, barcos estrangeiros, prostituição infantil”.

Entenda o caso Dorothy
A freira missionária Dorothy Stang trabalhava para a Pastoral da Terra. Ela vivia no Brasil desde 1966 e coordenava um programa em prol da reforma agrária em Anapu (PA), a 300 quilômetros de Belém.

A partir de 1997, a missionária começou a sofrer ameaças. Tudo iniciou quando ela, liderando movimentos sociais, solicitou ao Incra um programa de assentamento de famílias na zona rural de Anapu. As áreas do programa, apesar de pertencerem à União, estão na mão de grileiros.

Até que no dia 2 de fevereiro de 2005 as ameaças saíram do terreno das palavras e se concretizaram da forma mais cruel e covarde. No início da manhã, Dorothy foi abordada por dois jagunços, Fogoió e Eduardo, os matadores que acabariam com a vida da freira. Após uma conversa de cerca de 15 minutos, segundo uma testemunha, a irmã retoma seu caminho.

Um deles chamou Dorothy. Ao se virar, sem nenhuma chance de defesa, foi alvejada por tiros disparados da arma que, depois, no processo, descobriu-se ter sido fornecida pelo fazendeiro Bida. A execução foi feita em “sociedade” entre Bida e Tato, outro fazendeiro da área.

Impunidade gera mais crimes, que geram mais impunidade
A regra, infelizmente, é que os crimes contra os ativistas e militantes sociais permaneçam impunes. Em 33 anos, Bida foi o quarto mandante de crime julgado no Pará, segundo a CPT. Mesmo assim, um novo julgamento foi articulado para inocentá-lo. Foi o que aconteceu na terça-feira.

Ao mesmo tempo, a perseguição e a criminalização dos movimentos vem se ampliando de forma brutal, tendo à frente o governo Lula, que cria mais e mais medidas para impedir livres manifestações. É o caso, por exemplo, da regulamentação do direito de greve e de ações contra o MST. Segundo relatório da CPT, aumentaram os casos de violência no campo e a repressão aos movimentos sociais durante o governo Lula.

À morte de Dorothy, somam-se tantas outras, como a de Chico Mendes e dos sem-terra de Eldorado dos Carajás. É a combinação entre impunidade, concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários e falta de reforma agrária ampla. Junta-se a isso a negligência criminosa dos governos federal e estaduais e a utilização do aparato policial e do Estado para reprimir os lutadores.

A luta pela terra só será ganha quando derrotada a política neoliberal e o governo, que tem como aliados os “heróis” latifundiários e usineiros. Esses são os mesmos que executaram a missionária norte-americana.

Com informações da Agência Brasil de Fato e do Portal do Cimi