XX Encontro Nacional de Mulheres da Argentina debateu a campanha pela legalização do aborto e a luta contra a opressãoEntre 7 e 9 de outubro realizou-se o XX Encontro Nacional de Mulheres (ENM), em Mar del Plata, Argentina. Mais de 30 mil mulheres reivindicaram a descriminalização e subseqüente legalização do aborto, sob o marco da palavra-de-ordem da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto: “Educação sexual para decidir. Anticonceptivos para não abortar. Aborto legal para não morrer”. Milhares de mulheres reuniram-se pelo vigésimo ano consecutivo, em mais de 46 eixos temáticos (veja abaixo o programa) envolvendo os múltiplos aspectos do movimento contra a opressão, como a organização e a luta cotidiana das mulheres argentinas.

O evento teve lugar em uma cidade praticamente em estado de sítio, ocupada por obras públicas e altamente militarizada, às vésperas da participação de George W. Bush na Cúpula das Américas. Também foi considerado como uma prévia da III Cúpula dos Povos e das manifestações antiimperialistas planejadas pela Campanha Internacional contra o Livre Comércio, a Dívida e a Militarização, que acontecem a partir do dia 3.

Em junho, quando a III Cúpula dos Povos foi oficialmente lançada, assinalou-se que o Encontro Nacional de Mulheres seria um dos fóruns que serviria como parâmetro para a Cúpula. Segundo o jornal argentino Página 12, as expectativas das organizações foram atingidas e as previsões são de que haja audiência similar para repudiar a presença de Bush na Argentina, durante a Cúpula das Américas. Assim como no XX Encontro Nacional de Mulheres, a maior parte das atividades da próxima Cúpula dos Povos ocorrerão no Polidesportivo Municipal de Mar del Plata.

Gênero e Classe
O encontro deu-se a partir de eixos, painéis e oficinas temáticas – sobre aborto, sexualidade, direitos dos (as) trabalhadores (as), violência, família e uma infinidade de outras questões – e os relatos dão conta de uma excepcional audiência aos debates e oficinas. A marcha de encerramento percorreu o Centro de Mar del Plata, mesmo percurso previsto para a manifestação de repúdio à presença de Bush. Ao passar em frente ao Hotel Hermitage, largamente vigiado por militares e que sediará a Cúpula das Américas -, as manifestantes gritavam: “Bush, você é o terrorista”.

O tradicional encontro das mulheres argentinas conta com um amplo processo de congressos regionais que o antecedem, participação massiva e uma importante composição operária e popular – apesar das limitações de seu programa e direção, ao redor de organizações como o Partido Comunista Revolucionário (PCR) e a Corrente Classista Combativa (CCC) -, significativamente acentuada após as jornadas revolucionárias de 2001.

A partir de oficinas como “Mulher e Trabalho”, “Mulher e Sindicalismo”, “Mulher e Desemprego”, “Mulher e Fábricas Recuperadas”; discutiu-se a condição operária das mulheres – na atualidade e em seus vários aspectos – e a situação de greve das trabalhadoras em saúde de Garrahan, do Hospital Francês em paralisação, assim como de outros centros de assistência, de Metrovias, além de funcionárias públicas de todo o país. Outro eixo importante do encontro foi a situação das operárias da indústria pesqueira, particularmente difícil na faixa costeira do Atlântico Sul argentino. A maior parte das oficinas abordou a questão do salário-mínimo, do corte de programas sociais e da miséria absoluta, relacionando-o – em muitos casos contra orientação da Central de Trabalhadores/as Argentinos/as (CTA) – à denúncia da subordinação do presidente Nestor Kirchner aos planos do FMI e do imperialismo.

Marcha de encerramento com mais de 25 mil
A multitudinária marcha de encerramento – com mais de 25 mil manifestantes – contou com uma ampla diversidade de reivindicações, tendo como consignas centrais a campanha pelo aborto livre, legal e gratuito e o “Fora Bush!”.

À saída de atividades relacionadas à luta pela legalização do aborto e à marcha final, ocorreram conflitos com grupos ligados à Igreja Católica. Assim como nos encontros anteriores – em Rosário, em 2003, e em Mendonza, em 2004 – os fundamentalistas católicos foram aos atos e discussões mostrar suas cruzes, entoar seus pais-nossos e intimidar as operárias, sindicalistas, feministas e socialistas presentes. A resposta aos ataques veio em forma de consignas: “Sim senhora, sim senhores; proíbem o aborto os padres estupradores”; “Atenção, atenção: são a mesma coisa o padre, o milico e o patrão”.

Romina Tejerina: presente!
A discussão sobre a emblemática luta pela libertação de Romina Tejerina – jovem trabalhadora da província argentina de Jujuy acusada de infanticídio por praticar aborto após uma violação – e o direito ao aborto foi outra das principais questões do encontro. Houve polêmica em torno à defesa de Romina e em relação aos métodos e formas de luta para libertá-la. Em resumo, se esta deveria ser travada através da institucionalidade jurídica e política ou mediante a centralidade da mobilização de massas. Por trás do debate se oculta uma clivagem de classe e a cumplicidade de muitas ONGs, sindicatos e organizações de esquerda com o conluio estabelecido entre o governo e as arqui-reacionárias posições da Igreja Católica.

A escolha da Província de Jujuy como próxima sede do encontro expressa o compromisso assumido pelo movimento de mulheres com a liberdade de Romina, convertida em símbolo da opressão das jovens mulheres da classe trabalhadora na Argentina. A necessidade de dar continuidade à campanha através de um calendário de lutas deve se impor à pretensa unidade com os setores ligados à Igreja, ao governo, à democracia dos ricos e, ao fim e ao cabo, às classes dominantes e ao Estado burguês argentino.

Confira os eixos temáticos do encontro
1) 20 Anos de Encontros e situação do movimento de mulheres na Argentina; 2) Mulher e Trabalho; 3) Mulher trabalhadora rural; 4) Mulher e Desemprego; 5) Mulher, Organização bairral e social; 6) Mulher e identidade; 7) Mulher e Feminismo; 8) Mulher e Estudos de gênero; 9) Mulher e saúde; 10) Mulher e Violência; 11) Mulher e Sindicatos; 12) Mulher e Família; 13) Mulher chefe de família; 14) Mulher e sexualidade; 15) Mulher e Lesbianismo; 16) Mulher, Adolescência e Juventude; 17) Mulher, Anticoncepção e aborto; 18) Estratégias para o acesso ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito; 19) Mulher e Crise Global; 20) Mulher e adultas idosas; 21) Mulher em situação de prostituição; 22) Mulher e direitos humanos; 23) Mulher dos povos indígenas; 24) Mulher, cultura e arte; 25) Mulher e democratização do poder; 26) Mulher e Partidos Políticos; 27) Mulher e saúde mental; 28) Mulher e universidade; 29) Mulher, ciência e tecnologia; 30) Mulher e habitat; 31) Mulher e migrações; 32) Mulher e drogadicção; 33) Mulher com necessidades especiais; 34) Mulher e cooperativismo; 35) Mulher e religião; 36) Mulher, solidariedade e integração latino-americana; 37) Mulheres e meios de comunicação; 38) Mulher e esporte; 39) Mulher, ecologia e meio ambiente; 40) Mulher e Prisão; 41) Mulher, Dívida Externa e ALCA; 42) Mulher e Tempo Livre; 43) Maltrato e abuso sexual infantil; 44) Mulher, fábricas recuperadas, pseudo-cooperativas e trabalho informal; 45) Mulher e Educação; 46) Mulher, saúde e terapias alternativas.

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