De 27 de outubro a 1 de novembro realizou-se em Quito o Encontro Continental de Reflexão e Intercâmbio – Outra América é possível. Delegações de toda a América compareceram para discutir a luta contra a ALCA em dezenas de conferências, painéis e oficinas.
Este encontro se realizou em oposição à reunião dos representantes dos governos do continente, que negociavam formalmente a ALCA. Nesta outra reunião, na mesma cidade, em hotéis de luxo e protegidos por 5.300 soldados armados até os dentes, o governo brasileiro assumiu a co-presidência das negociações da ALCA junto aos EUA.
Durante o encontro predominou a posição contrária à participação nas negociações da ALCA, pois partia-se da compreensão de que cada um dos pontos acordados vai sendo implementado automaticamente e, quando chegar 2005, a ALCA já seria uma realidade irreversível.
As resoluções repudiaram claramente estas negociações e ninguém teve coragem de defendê-las abertamente. Não por acaso, o tema da participação nas negociações foi uma das perguntas do plebiscito contra a ALCA no Brasil, que teve o repúdio de 98% dos 10 milhões de votantes.

Acordos bilaterais a serviço da Alca

Em um dos painéis se discutiu uma precisão sobre o caráter do ataque do imperialismo à América Latina: a ALCA continua sendo o carro chefe do plano de colonização, mas a ofensiva está se diversificando.
O governo dos EUA está promovendo inúmeros acordos bilaterais, nos quais já estão sendo incorporados itens fundamentais da ALCA, como a abertura comercial e o acordo sobre “investimentos”. Um exemplo é o da Bolívia, já concretizado. A partir deste acordo, a Bechtel, empresa dos EUA, está processando o governo boliviano em função da disputa pela água de Cochabamba. Nesta cidade, houve uma luta insurrecional vitoriosa em 2000, contra a privatização da água. Agora a Bechtel quer reaver na justiça dos EUA o que perdeu nas ruas de Cochabamba.
Outro exemplo é a APTDEA, um acordo comercial e de “investimentos” já concretizado que une os países andinos aos EUA, que além de reproduzir a ALCA ainda incorpora itens políticos como a luta contra o “terrorismo e o narcotráfico”.

O avanço da Luta contra a Alca na América Latina

O Encontro Continental constatou o avanço da luta contra a ALCA no continente, com o plebiscito popular no Brasil e a preparação de consultas e plebiscitos em mais 13 países.
Nestas discussões a participação dos brasileiros foi muito importante, respaldada pela vitória do plebiscito, tendo uma representação das pastorais sociais da Igreja, do MST e dos sindicatos.
Como resultado deste debate aprovou-se uma agenda de lutas, que será formalizada na reunião de Havana, em novembro. Esta agenda aponta para duas datas para a luta unificada dos países da América: a primeira, em abril, quando se dará uma reunião dos presidentes dos países do Continente para negociar a ALCA. A segunda, em setembro, data da reunião da OMC.

As manifestações do dia 31 em Quito

No dia 31 estava programada uma marcha conjunta contra a ALCA, com delegações indígenas que vinham do interior do país e as delegações internacionais. Esta manifestação poderia ter sido bem superior, caso não fosse dividida conscientemente pela direção da CONAIE (Confederação Nações Indígenas). Na prática ocorreram duas marchas, com 6 a 7 mil pessoas em cada.
Na primeira estavam os camponeses na Federação das Nações Indígenas, os estudantes da FEUE (Federação de Estudantes do Equador), os petroleiros e eletricitários da CMS (Coordenadora de Movimentos Sociais) e as delegações internacionais. Esta mobilização terminou sendo reprimida pela polícia próximo ao hotel Marriot, onde se reuniam os negociadores dos governos. Várias pessoas, incluindo crianças, terminaram feridas pela repressão policial. A CONAIE fez uma outra passeata, que passava bem longe de qualquer local vigiado pela polícia.

As expectativas no governo Lula

O encontro de Quito se deu exatamente depois das eleições brasileiras, sendo fortemente marcado por expectativas no novo governo de Lula. Além disso, no Equador se dá um processo semelhante, com a provável vitória de Lucio Gutierrez, o coronel do Exército que foi um dos líderes da insurreição de janeiro de 2000. Sentia-se no encontro uma parte do clima de mudanças políticas que vive a América Latina. Entre os presentes, muitos acreditavam que a luta contra a ALCA poderia se resumir à esperança de que líderes como estes não assinassem o acordo.
No entanto, na realidade as coisas são bem diferentes. A direção do PT não enviou nenhuma delegação oficial ao Encontro contra a ALCA. Ao contrário, enviou um delegado, o deputado Paulo Delgado, à reunião dos governos que estão negociando a ALCA. Não se conhece qualquer questionamento do PT ao representante do governo brasileiro que assumiu a co-presidência das negociações. Ao contrário, o PT se posicionou pela manutenção do país nas negociações, o que coloca o próprio Lula na presidência das negociações da ALCA, junto com Bush.
Lúcio Gutierrez tampouco foi ao encontro. Viajou para os EUA na mesma data, para se reunir com banqueiros e representantes do governo Bush, para assegurar que manterá os acordos com o FMI, o pagamento da dívida externa e a base militar de Manta.
Post author Eduardo Almeida, de Quito
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