Na manhã do dia 2 de novembro, na abertura do I Encontro de Negros e Negras da Conlutas, o som de tambores, o ritmo da capoeira e das danças afro-brasileiras, a empolgação e disposição de luta expressas em cada palavra de ordem, o resgate da obra do poeta e militante comunista Solano Trindade e a emoção visível no rosto dos 600 participantes que se encontravam no plenário da Faculdade de Formação de Professores, em São Gonçalo (RJ), deram a exata dimensão do que aconteceria nos dias seguintes.

Foram três dias de intensos debates políticos que contaram com a participação empolgada de centenas de negros e negras, ativistas anti-racistas de entidades sindicais, estudantis e populares e representantes de nações indígenas que, apesar de sua diversidade, demonstraram, majoritariamente, uma enorme disposição comum: construir um programa e um plano de lutas que possa, no futuro próximo, resultar na formação de uma alternativa de organização, classista e socialista, para a luta anti-racista.

“Sou quilombola, eu sou de luta! Tô construindo a Conlutas!”
Depois de uma abertura em grande estilo, foi formado um painel com representantes de diversas organizações e entidades convidadas para saudar o Encontro. Falando em nome da Conlutas, Cyro Garcia lembrou que “o governo, através de suas reformas neoliberais, pretende deteriorar mais e mais as condições de vida da classe trabalhadora. E a parcela mais afetada por essa política, pela escassez de verbas para saúde, educação é a juventude negra do país que, ainda, está sendo vitimada pela repressão policial”.

Cyro lembrou o grande desafio colocado diante dos participantes do evento: “da mesma forma que a construção da Conlutas tem sido fundamental na reorganização do movimento sindical, é preciso se contrapor aos governistas no movimento negro, construindo um organismo que encaminhe a luta contra a opressão num marco de raça e classe”.

Falando em nome da Conlute, Lucas, de Salvador, criticou o Reuni, a privatização das universidades e a farsa promovida pelo ProUni, lembrando “que esta manobra do governo Lula tem como único objetivo colocar a juventude negra em vagas precárias nas universidades particulares, dizendo que isso é cota”.

Já o líder indígena José Guajajara destacou “o fato do movimento negro e o movimento indígena estarem juntos aqui é uma honra, porque foram os povos mais massacrados neste país”. Uma importância que também foi ressaltada pela companheira Paula, da ocupação sem-teto Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), que lembrou que a maioria dos ocupados são negros e reafirmou a necessidade de unir a classe trabalhadora contra a exploração e a opressão: “a gente só consegue mudar esta sociedade burguesa e preconceituosa com a união de brancos e negros”.

Já Antônio Vieira Andrade, do Movimento das Favelas do Rio de Janeiro ressaltou a importância deste Encontro para que possamos levar a Conlutas para as comunidades mais ca­rentes. A saudação do PSOL foi feita pelo companheiro Fábio, que destacou a importância de que “o movimento não se cale diante da ocupação no Haiti”.

Ao final, Geraldinho, da Oposição Alternativa na Apeoesp, e que também fez parte da caravana da Conlutas ao Haiti, falou em nome do PSTU, conclamando os presentes a nunca se esquecerem que “a revolução neste país será feita pelos trabalhadores, mas para tal é fundamental lembrarmos que, dentro da classe, deve haver um corte racial e a participação efetiva das mulheres. Isso não é utopia, é necessidade”.

“Eu sou negro, trabalhador!Declaro guerra ao opressor!”
Na tarde do dia 3, Zé Maria de Almeida, da Conlutas, apresentou um painel sobre a conjuntura nacional, avaliando os ataques do governo, a traição da CUT, a reorganização do movimento sindical e o paralelo que esta situação tem com as lutas de negros e negras no país.

Na seqüência, as três teses inscritas ao Encontro foram apresentadas: “Hora de Lutar”, do Coletivo Comunista Internacionalista, apresentada por Edmilson; “Construindo a Conlutas como uma ferramenta de luta revolucionária para o povo negro”, do MTL-RJ, defendida por Julinho e “Uma luta de raça e classe”, apresentada por Elias, militante do PSTU, que ressaltou que “o binômio Raça e Classe não é só para dias de festas, é para ser usado como método de luta contra a exploração e a opressão. A política de Lula não pode atender aos interesses do povo negro e da classe trabalhadora, pois Lula está comprometido com os nossos algozes”.
Após isto, os delegados se dividiram em grupos para discutir a conjuntura. Os principais debates foram sobre a relação entre os ataques neoliberais e a situação da população negra.

“Chega de morte e caveirão Eu quero teto, saúde e educação!”
O dia 3 foi dedicado a discussões em grupos em torno de temas como reparações, educação, saúde, a luta contra as reformas, cultura afro-brasileira (religiões, capoeira e arte), mulheres negras, movimentos sem-terra, sem-teto e de comunidades quilombolas, violência e juventude negra.

Marcados por discussões acaloradas, os grupos cons­truíram o programa e o plano de lutas que seria aprovado na plenária final, no dia 4. Como destacou a companheira Iani, do GT Nacional de Negros e Negras da Conlutas, e integrante da caravana da Conlutas ao Haiti, “a participação e o nível político da discussão nos grupos demons­traram o comprometimento não só com a construção de um programa que, de fato, atenda as necessidades do povo negro, mas também a seriedade com que isto está sendo encarado”.

Na plenária final, no domingo, foram apresentadas e votadas todas as resoluções discutidas nos grupos. Depois da leitura e aprovação das propostas consensuais nos grupos, foi aberto o debate sobre as propostas polêmicas.
Dentre elas, uma de grande importância foi sobre cotas, com uma primeira proposta a favor das cotas e reparações, conforme as teses do MTL e “Uma luta de Raça e Classe” (que foi vitoriosa), e uma segunda, apresentada pelo Coletivo Comunista Internacional, defendendo que a Conlutas não deve lutar por cotas, mas pelo fim do vestibular.

A defesa de cotas, inserida na luta por reparações sociais e na luta pelo não-pagamento da dívida externa como forma de financiamento destes projetos, foi feita por Crispim, do MTL, e Ana Vera, do PSTU que destacou: “nosso projeto não exclui a defesa do fim do vestibular ou a completa mudança da estrutura das universidades para colocá-las a serviço dos trabalhadores. Pelo contrário. O que queremos é, juntamente com a defesa dessa justa reivindicação do movimento negro, discutir que ela é insuficiente e que é preciso avançar em direção ao um projeto de ruptura com o sistema”.

“Eu sou negro, trabalhador!Movimento unificado pra acabar com o opressor”
Depois das polêmicas e votações, o evento teve um encerramento que emocionou os participantes. Julinho, do MTL, fez uma saudação final da tese, dizendo que nos últimos anos, “houve um silenciamento de um setor do movimento negro e construir este encontro foi uma grande vitória”. Uma constatação que também ecoou na saudação de Elias, da tese “Uma luta de Raça e Classe”: “estamos construindo um quilombo do século XXI aqui neste Encontro”.

Um quilombo que tomou forma na proposta de um manifesto, aprovado, por unanimidade e de pé, pelos participantes do Encontro. Um dos motivos centrais da empolgação que tomou o plenário neste momento foi o chamado à construção de um movimento negro independente, classista, anti-capitalista e de oposição ao governo Lula.

Este manifesto conclama todos os ativistas e movimentos anti-racistas a discutir o programa e o plano de lutas votados no Encontro, com o objetivo de que, até o próximo congresso da Conlutas, em 2008, seja possível dar uma forma organizativa a este movimento, bem como definir um programa comum, a partir das discussões que sejam realizada até lá.

Post author Yara Fernandes, Especial de São Gonçalo (RJ)
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